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Especialistas dizem que Bento 16 terminou papado sem resolver problemas herdados de João Paulo 2º

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

02/03/2013 06h00

Em oito anos de papado, Bento 16 não conseguiu resolver nenhum dos problemas herdados pelo seu antecessor João Paulo 2º. Foi o que apontaram os especialistas entrevistados pelo UOL, ao avaliarem a gestão do atual papa emérito, que renunciou ao cargo mais alto e mais disputado da Igreja Católica no dia 28 de fevereiro. 

"Quando Bento 16 foi eleito, em abril de 2005, todo mundo esperava e clamava por modificações e modernidade", relatou o vaticanólogo Giancarlo Nardi, que disse que a expectativa era que em sua gestão ele pudesse dar respostas a cinco problemas considerados essenciais, mas renegadas por seu antecessor: celibato dos padres, aborto, células-tronco, casamento homoafetivo e adoção de crianças por casais homossexuais. "E, mais uma vez, nenhuma dessas questões sequer foram debatidas".

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O pontífice, como avaliou o padre José Antonio Trasferetti, doutor em teologia moral e professor da PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), não soube resolver os conflitos internos da Igreja e não teve "ousadia" para lidar com os assuntos da atualidade. "Questões que deveriam ser resolvidas com urgência e de forma clara e transparente, mas, que não foram."

Assim como seu antecessor, Bento 16 se omitiu e arquivou o debate relacionado às questões morais mantendo a postura conservadora, porém, como apontou o vaticanólogo, sem o mesmo carisma de João Paulo 2º.  "Bento 16 conseguiu compensar sua timidez, com os seus conhecimentos teológicos. E enquanto seu antecessor atraia multidão pelo carisma, ele conseguiu a atenção dos fiéis com os seus discursos", comparou Trasferetti.

Até dezembro de 2012, segundo o Vaticano, Bento 16 presidiu 348 audiências gerais, das quais participaram 4,9 milhões de pessoas. O maior número de fiéis foi registrado em 2006, quando presidiu 45 audiências, das quais participaram mais de 1 milhão de pessoas. Em 2013, em sua última audiência pública como papa, ele conseguiu reunir aproximadamente 100 mil fiéis.

Ainda assim Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo da libertação, afirmou discordar com a "linha teológica" e a compreensão de "ministério papal" de Bento 16. "O Conselho Vaticano 2º propôs a colegialidade dos bispos e a importância das igrejas locais como autônomas. Mas, nas últimas décadas, muitos por influência do então cardeal Joseph Ratzinger, a centralização de Roma aumentou com a adoção de um papado no estilo rei."

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Uma conduta que, para Barros, não é boa para a Igreja Católica. "Qualquer empresa entende que a globalização exige o caminho da descentralização, principalmente em um mundo tão plural como nosso", afirmou ao questionar: "Por que pedir para um cristão africano que se seja travestido de italiano, francês ou de espanhol para ser católico? Por que ele não pode ser cristão sendo negro e resguardado seus valores e cultura? E o asiático igual, o latino americano igual e assim por diante".

Faltou ainda, segundo Traceretti, "habilidade" do atual papa emérito em sua função administrativa. "Ser papa não se resume a missão pastoral e intelectual, também inclui atividades relacionadas à administração e à comunicação. E nesses dois quesitos Bento 16 falhou", disse.

Falhas administrativas que, conforme Nardi, estão evidentes na diminuição da renda do Vaticano. "Atualmente, os gastos do Estado-membro da Igreja Católica são maiores que sua receita." Segundo o balanço da Santa Sé, O vaticano fechou 2011 com déficit de US$ 19,9 milhões. Enquanto os gastos totais foram estimados em US$ 353 milhões (R$ 694 milhões), as receitas foram de US$ 333 (R$ 655 milhões).

No que se refere à comunicação, ainda que o papa Bento 16 tenha sido o primeiro a usar as redes sociais para se comunicar com os fiéis, o pontífice, na opinião do padre Traceretti, não conseguiu dialogar com o mundo sobre os temas de fronteira, entre eles o uso da camisinha, a ordenação de mulheres e o aborto. "São temas complexos, mas que mesmo assim mereciam atenção para proporcionar mais proximidade dos católicos com a igreja. Isso não quer dizer que o papa tenha que aprovar tudo, mas que ao menos saiba dialogar."

Traceretti arrisca a dizer que o próximo papa deva ter a inteligência de Bento 16, o carisma de João Paulo 2º, a ousadia de João 23 e a visão administrativa de Paulo 6º.

Outros problemas

A gestão de Bento 16 ganhou uma proporção ainda maior com as denúncias de abuso sexual envolvendo padres e bispos como o "silêncio" de cardeais, os escândalos do vazamento de documentos confidenciais do Vaticano, que rendeu a condenação do mordomo de Bento 16 e de um analista de sistema.

E, mais recentemente, a confirmação da existência de um dossiê com a descrição de lutas internas pelo poder e pelo dinheiro, assim como o sistema de chantagens internas baseadas em fraquezas sexuais, o chamado "lobby gay" do Vaticano.

"Escândalos que sempre existiram e não tão já vão acabar tão já", disse Nardi.

Bento 16 também não conseguiu desenfrear a queda no número de fiéis da Igreja Católica. No Brasil, o maior país do mundo em números de católicos nominais, a religião perdeu 9,4% de fieis entre 1991 e 2010, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

"Não credito essa perda ao papado de Bento 16. É decorrência de um mundo mais diversificado, com mais liberdade de escolhas e mais contatos entre as diferentes culturas", apontou o teólogo da libertação. "Penso que isso é positivo. Não é motivo de crise para nenhuma religião ou Igreja."