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Análise: TV estatal venezuelana santifica Chávez e ataca oposição

Carlos Iavelberg

Do UOL, em Caracas

16/03/2013 06h00

Para quem vem à Venezuela pela primeira vez e quer entender melhor a profunda divisão política que existe entre chavistas e antichavistas no país, assistir à televisão local pode ser um bom exercício.

Para especialista, estatais respondem a emissoras privadas

Mas é importante saber que neste jogo o governo ganha de goleada: são seis canais estatais com sinal aberto contra apenas um opositor (Globovisión), que será vendido após as eleições presidenciais de 14 de abril.

Os principais meios de comunicação do chavismo, os canais Telesur e Venezolana de Televisión (VTV), levaram praticamente uma semana cumprindo três missões: santificar o presidente morto Hugo Chávez, enaltecer o presidente interino e candidato, Nicolás Maduro, e atacar o líder da oposição, o também candidato Henrique Capriles.

Maduro lançou nesta quinta-feira (14) um novo programa de televisão chamado "Diálogo Bolivariano", seguindo assim os passos de Chávez, que foi provavelmente o governante mais midiático da América Latina. "Estamos hoje aqui começando a implementar uma ordem de nosso comandante presidente [Chávez]", afirmou o presidente interino.

Em todos os telejornais ou programas de entrevistas não faltam elogios para endeusar o líder morto. “Hugo Chávez, agora que você morreu fisicamente, você se tornou imortal. E está e estará sempre comigo, com a gente, de batalha em batalha, de vitória em vitória”, dizia um apresentador durante um monólogo de quase uma hora.

A expressão “morte física de Chávez”, para dizer que o espírito do presidente e seu legado continuam vivos, é algo padronizado entre quase todos os apresentadores.

Nos programas ao vivo, havia uma telinha que mostrava, em tempo real, o caixão com o corpo de Chávez, que foi velado na Academia Militar de Caracas até as 3h30 no horário de Brasília] desta sexta-feira (15). Frases como “Viva Chávez para sempre”, “Chávez vive, a luta segue” ou “Chávez é um povo” estão sempre na tela.

Nesta quinta-feira, quando se completou nove dias da morte do presidente, a VTV ainda transmitia ao vivo entrevistas com pessoas que esperam horas nas filas para ver o corpo. Uma avalanche de frases de apoio a Chávez e à “revolução bolivariana”: “te amamos Chávez. Estaremos sempre com você e com Maduro”, disse um homem.

Como não têm comerciais em seus intervalos, as emissoras públicas abusam de clipes com imagens e falas de Chávez embalados por jingles, como “sempre vou te amar, Chávez seguirá”. Mas a música preferida é uma do venezuelano Ali Primera que diz: “Los que mueren por la vida no pueden llamarse muertos”.

No fim de semana passado, uma entrevista de mais de uma hora dada por Chávez em 2011 foi reprisada. Também é comum a transmissão ao vivo do velório, onde pessoas fazem apresentações cantando ao lado do corpo.

À medida, porém, que os dias foram passando e o tema eleições virou a principal notícia no país, a exposição de Maduro se tornou mais constate. Todas as suas atividades públicas são transmitidas, desde participações em eventos de partidos aliados, como candidato, até uma reunião com uma delegação chinesa, como presidente interino. É difícil dizer onde acabam os atos do governo e onde começam os do partido.

Também na quinta-feira, a VTV transmitiu ao vivo parte do percurso que ex-motorista de ônibus Maduro fez dirigindo um coletivo para entregar casas populares. Seu discurso, em claro tom de campanha, foi transmitido: “Eu serei presidente da República a partir do dia 14 de abril [data das eleições]”, declarou Maduro.

Os ataques a Capriles também são diretos. Nesta segunda-feira (11), por exemplo, um apresentador expôs e ridicularizou supostas notas do líder opositor quando era estudante de direito na década de 1990. Mas o ataque preferido é chamá-lo de mentiroso.

Todas as entrevistas de membros da oposição são duramente atacadas por apresentadores e comentaristas.

Em nenhum momento nos canais públicos se ouve qualquer tipo de crítica ao governo ou a Chávez. Já no canal opositor Globovisión, a realidade é a oposta. Os problemas do país são expostos e não faltam críticas ao governo.

Em uma vinheta que passa constantemente nos intervalos da Globovisión, por exemplo, uma venezuelana reclama da qualidade de um conjunto habitacional feito pelo governo. Frases dela e de Maduro são intercaladas, fazendo com que ela rebata o que diz o presidente interino. No final, o locutor fala: “ainda que você não acredite”.

Com a confirmação de que a Globovisión será vendida após as eleições, fica a dúvida se ainda haverá voz crítica ao governo na TV.

Embora alguns apresentadores tenham dito que a linha editorial não sofrerá mudanças, o autor da oferta de compra é Juan Domingo Cordero, um dos donos da empresa La Vitalícia e tido como próximo do governo, segundo a Folha de S.Paulo.