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Judeu israelense é uma drag queen gay devota

Oded Balilty/AP
Imagem: Oded Balilty/AP

Da Associated Press, em Jerusalém

02/08/2013 06h01

Pouco antes da meia-noite, Shahar Hadar troca seu quipá branco tricotado por uma peruca loira ondulada e um vestido de veludo cor-de-rosa.

Ele é recebido com vivas em um bar gay lotado enquanto começa a rodar ao som de uma canção pop hebraica, com seus lábios vermelhos reluzentes cantando uma letra que significa mais para ele do que a plateia sabe: "Com a ajuda de Deus você terá a força / Para superar e dar tudo de si".

Foi uma longa e agonizante metamorfose para Hadar, 34, de judeu ortodoxo em conflito a orgulhoso gay religioso --e drag queen. A maioria dos judeus ortodoxos gays, como os de outras comunidades religiosas conservadoras por todo o mundo, é compelida a fazer uma barganha do diabo: formalizar um casamento com uma mulher para permanecer em suas comunidades religiosas fechadas ou abandonar sua família, comunidade e religião para viver uma vida assumidamente gay.

Mas, apesar do judaísmo ortodoxo em geral condenar a homossexualidade, há um crescente grupo de judeus gays devotos em Israel que não estão dispostos a abandonar sua fé e exigem um lugar na comunidade religiosa.

"Por mais que tenha fugido, os céus deixaram claro para mim que este é quem sou", disse Hadar. Ele marchou na quinta-feira (1) --sem fantasia-- na parada anual do orgulho gay de Jerusalém.

O fato é que o irmão defendeu Hadar sem mesmo saber.

Hadar, um operador de telemarketing de dia, levou a luta do ortodoxo gay da sinagoga para o palco, começando a se apresentar como uma das poucas drag queens religiosas de Israel. Seu personagem drag é o de uma rebetsin, uma conselheira rabínica --uma personagem saudável que se destaca entre o elenco sarcástico e grosseiro de personagens do circuito drag queen de Israel.

"Ela abençoa, ela ama todo mundo", disse Hadar sobre seu alter-ego, a rebetsin Malka Falsche. O nome de palco é uma brincadeira com a palavra em hebraico que significa "queen" (rainha) e a gíria hebraica para "falso". A filosofia dela --e a de Hadar-- vem dos ensinamentos da corrente hassídica Breslov do judaísmo ultraortodoxo: abrace os reveses da vida com alegria.

"Drag queens costumam ser rudes. Eu decidi que queria ser feliz, entreter as pessoas, realizar mitzvoth" ou ações religiosas, disse ele.

Um encontro com uma popular rebetsin israelense foi o que deu início à jornada interior de Haddar, aos 19 anos. Ele começou usando um quipá, um barrete religioso, e continuou recitando as orações matinais em seu quarto. Ele saiu de casa para se matricular em uma yeshiva (seminário religioso) em Jerusalém, na esperança de que o estudo diário da Torá o faria parar de pensar em homens.

Não parou.

Hadar contou que foi expulso do seminário após um breve encontro noturno com seu colega de quarto na yeshiva. Ele se transferiu para outro centro de estudos religiosos, onde um estudante o apresentou à amiga ultraortodoxa de sua mulher --e eles rapidamente se casaram.

"Eu queria seguir o caminho ordenado (por Deus) a nós. Eu não via nenhuma outra opção", disse Hadar. "Eu achei que o casamento me tornaria hétero e que eu estaria curado."

Ele se sentia aflito durante a intimidade com sua mulher, mas não dizia a ela o motivo. Ele pediu o divórcio. Ela posteriormente deu à luz a filha deles, que atualmente tem 11 anos. Sua ex-mulher ainda se recusa a permitir que eles se encontrem.

Depois que a irmã de Hadar teve um destino semelhante --acabou divorciada de seu marido porque ele era gay--, a conversa homofóbica surgiu à mesa de jantar de sua família. O irmão de Hadar reprimia a família, que também se tornou religiosa, simplesmente perguntando: "Gays não são seres humanos?"

Poucos meses depois, em 2010, Hadar criou coragem para marchar na Parada do Orgulho Gay de Tel Aviv. Quando voltou para casa naquela noite de sábado, ele finalmente contou para sua mãe que era gay. "Eu achei que seria o dia mais sombrio da minha vida", disse Hadar. Mas ela aceitou.

Como judeu ortodoxo praticante, não foi fácil para Hadar se integrar na vida gay padrão. Ele costumava esconder seus cachos de cabelo laterais, até a altura do ombro, sob um boné, para se enquadrar nos bares. Posteriormente, cortou os cachos e aparou a barba para aumentar suas chances na cena de encontros.

Ele ainda está à procura de amor. Mas, neste ano, Hadar encontrou aceitação --e autoexpressão-- na Drag Yourself, uma escola de Tel Aviv que oferece cursos de dez meses para artistas em drag. Os alunos aprendem a se equilibrar em salto alto, aplicar cílios postiços e criar suas próprias personalidades drag. Hadar, ainda um iniciante, se formará no mês que vem.

A escola drag, assim como a própria comunidade gay israelense, oferece uma rara oportunidade para os israelenses interagirem com outros membros da sociedade díspar e às vezes antagônica. A escola deve ser o único lugar onde um colono judeu, um judeu ultraortodoxo, um árabe israelense e soldados israelenses enchem seus sutiãs juntos.

De todos os estudantes em sua classe, Hadar foi o único a comparecer usando quipá.

"Eu acho fabuloso", disse Gil Naveh, drag queen israelense veterana e diretor da escola, enquanto pintava os lábios de Hadar de vermelho antes de sua estreia à meia-noite em um bar gay de Jerusalém. "Ele permanece fiel a quem é."