Legalizar maconha é criar nova indústria do vício, diz conselheiro de Obama
Legalizar o uso da maconha cria mais uma “indústria do vício” e, ainda, não ajuda a acabar com o tráfico, afirma Kevin Sabet, 35, especialista norte-americano que integrou a equipe de controle de drogas do governo de Barack Obama. Para ele, a politização do “tema da moda” mascara o impacto da droga na saúde pública, cujo consumo cresce entre adolescentes.
Em entrevista exclusiva ao UOL, Sabet mostrou dados de uma pesquisa recente que apresentará na palestra “Impacto da legalização das drogas”, organizada pela SPDM - Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina. O evento ocorre neste sábado (23) em São Paulo.
Um dos casos analisados por Sabet é o do Colorado, que permite tanto o uso da “maconha medicinal” (desde 2001) como recreativa (a partir deste ano). No Estado, a venda da droga é proibida para menores de 21 anos. Mesmo assim, sete em cada dez adolescentes em tratamento contra dependência química admitiram ter usado maconha medicinal de outra pessoa –e, em média, isso ocorreu 50 vezes.
Ainda no Colorado, Sabet afirma que o número de jovens entre 12 e 17 anos que usaram maconha cresceu de 8,15% (em 2009) para 10,47% (em 2011), bem acima da média nacional, que é de 7,55%.
No caso de adultos no Estado, dobrou o número de motoristas que, sob o efeito de maconha, se envolveram em acidentes de carro com morte. O índice passou de 5% em 2009 para 10% em 2011.
Nos 19 Estados norte-americanos que permitem o uso de maconha em tratamentos médicos, Sabet diz que três em cada cinco estudantes do último ano do ensino médio conseguem drogas com “amigos”. Só 25% compram drogas de traficantes ou estranhos. A margem de erro não foi informada.$escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-foto','/2014/22ago2014---estados-norte-americanos-onde-a-maconha-e-legalizada-1408754930243.vm')$escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-lista','/2014/mapa-da-legalizacao-da-maconha-nos-eua-1408755245497.vm')
O sociólogo, que estuda há 18 anos políticas em relação a drogas e atualmente é conselheiro sênior do Instituto de Pesquisa de Crimes e Justiça da ONU (Organização das Nações Unidas), diz que os números são alarmantes. “É a inauguração de uma nova indústria que quer apenas aumentar o vício das pessoas.”
Até mesmo o uso da maconha para tratamento médico é desaprovado por Sabet. “Nós não chamamos a morfina de 'heroína medicinal'. Usar o termo ‘maconha medicinal’ só confunde as pessoas e vem acompanhado da crença de que você tem de fumar para obter os benefícios”, critica.
Atualmente, ele se dedica ao Projeto SAM – Smart Approaches to Marijuana (Abordagens Inteligentes para a Maconha). A organização sem fins lucrativos tem como missão diminuir o uso de maconha no mundo, “sem demonizar, nem legalizar” a droga.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
UOL – O senhor concorda com a legalização da maconha para fins medicinais e para recreativos?
Kevin Sabet – Muitas vezes o debate é pintado em branco e preto, como se você tivesse de ser ou a favor dos altos gastos com criminosos ou a favor da legalização. Eu não concordo com isso.
Acho que existem muitas políticas mais inteligentes que não caem nessa polarização. O que estamos vendo em Estados como Colorado e Washington [onde o uso medicinal e recreacional da maconha é permitido] é a inauguração de uma nova indústria que quer apenas aumentar o vício das pessoas. $escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-citacoes','/2014/kevin-sabet-1408755439076.vm')
O tipo de legalização que me preocupa é a que está acontecendo nos Estados Unidos e que tende a acontecer no restante do mundo: a industrialização e promoção de outra indústria viciante.
Em termos de efeitos, também temos de pensar, seja em relação à maconha e outras drogas como cigarro e até mesmo álcool, no futuro da nossa força de trabalho. Que tipo de trabalhadores e estudantes queremos? É claro que não queremos promover o uso de cigarros para nossos estudantes, mas se você vai para a escola e é fumante, a sua cognição não é diminuída, você ainda consegue aprender. Você não vai ter câncer de pulmão amanhã. Mas no caso da maconha é diferente. Ela prejudica a pessoa em termos de aprendizado, memorização, atenção, motivação.
Já vivemos um desastre em relação à indústria do tabaco e do álcool, e acho que não queremos elevar a maconha a esse nível.
UOL – Há diversos estudos, citados inclusive sobre a maconha ajudar pacientes com câncer, desde conter o crescimento de tumores, estimular o apetite, diminuir a náusea e aliviar a dor. Diante de tantos benefícios, é possível defender a proibição total da droga?
Sabet – Ter medicamentos que usam substâncias derivadas da maconha é algo promissor. Mas nós não fumamos ópio para ter os efeitos da morfina. Nós não chamamos a morfina de “heroína medicinal”. Usar o termo “maconha medicinal” só confunde as pessoas e vem acompanhado da crença de que você tem de fumar para obter os benefícios.
Nos Estados Unidos, os chamados “usuários” dessa maconha medicinal são em 98% dos casos homens entre 30 e 40 anos sem câncer terminal. Eles também não são soropositivos para HIV, não têm esclerose múltipla nem esclerose lateral amiotrófica. Basicamente, eles têm dor na região lombar. Lógico que devemos tratar a dor deles, mas há outras saídas.
A impressão das pessoas é que a maconha é boa porque há pacientes morrendo de câncer que precisam dela. Mas, francamente, se você está morrendo de câncer, com seis meses de vida, eu não ligo para o que você vai usar [para dor].
Além disso, as leis estão sendo escritas de forma muito ampla e, em muitos Estados americanos, a legislação é defeituosa. O Colorado começou a vender a droga em 2008. Tudo o que você precisa é ser maior de 18 anos e ter dor de cabeça para conseguir maconha.
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- http://noticias.uol.com.br/enquetes/2014/08/22/voce-e-a-favor-da-legalizacao-da-maconha.js
UOL – O que devemos fazer então para ajudar pacientes que precisam da “maconha medicinal”?
Sabet – Temos de realizar programas especiais de pesquisa que deem acesso aos pacientes a medicamentos experimentais. Não devemos vender maconha na esquina, em uma loja, e dizer que é remédio, porque esse não é a forma de atuar da medicina. Eu não gosto dessa politização da medicina, a medicina deveria estar no campo científico. Se cientistas no Brasil disserem amanhã que precisamos fumar maconha para obter os efeitos [benéficos], temos de entender o porquê disso e aprender. Mas não acho que é o caso atual.
Vamos estudar os componentes da planta. Eu sei que pode ser muito bom para um político dizer que é a favor da maconha medicinal. Mas, sinceramente, não devemos confiar em políticos falando sobre questões científicas [risos]. Vamos ouvir os cientistas. E eles não estão dizendo para você fumar um baseado para se livrar do seu câncer.
UOL – No começo do ano, Obama disse que fumar maconha não é mais perigoso do que beber álcool, mas frisou que, de qualquer modo, é "uma ideia ruim". O senhor concorda com ele?
Sabet – Primeiro, não acho saudável que haja essa equivalência de dizer que uma coisa é melhor que outra, porque são diferentes. O álcool afeta o seu fígado, a maconha afeta os seus pulmões. O álcool afeta certas partes do seu cérebro, a maconha, outras.
No caso do álcool, nós temos uma aceitação cultural. O álcool não é legalizado porque é um sucesso para a saúde pública. Ele é legalizado porque vem sendo usado há milhares de anos na cultura ocidental, essa é a única razão.
No caso da maconha, ela não é usada há milhares de anos pela maioria da população ocidental e não queremos repetir a experiência [como a do álcool] de novo.
Eu conheço muito mais pessoas que bebem uma taça de vinho sem intenção de ficarem bêbadas. Não conheço quem fume um baseado sem o intuito de “ter um barato”. A razão para fumar um baseado é se drogar. Eu não bebo, então não teria como explicar propriamente, mas não estou justificando fazer uma coisa e não outra. Há uma diferença cultural em relação ao álcool que torna a comparação com a maconha falsa.
UOL – Nosso ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, é um dos defensores da legalização da maconha. O que o senhor acha de políticos como ele?
Sabet – É muito curioso que tenhamos políticos que já não ocupam mais cargos executivos a favor da legalização. É a última moda, faz com que eles voltem ao noticiário e os torna mais relevantes. Não sei no Brasil, mas nos Estados Unidos, quando você se torna ex-presidente, você já não é mais relevante [risos]. Ninguém mais fala de George W. Bush, nem mesmo do Bill Clinton.
É uma abordagem muito simplista. Visitem as favelas. Você acha que mais drogas vão ajudar essas comunidades? Isso oferece alguma esperança a eles? Não é uma visão esperançosa.
UOL – Se o senhor fosse candidato à Presidência do Brasil e em um debate fosse perguntado se é a favor ou contra a legalização da droga, o que falaria?
Sabet – Eu defenderia uma abordagem ligada à saúde em relação às drogas em geral. Isso significa aumentar o acesso a tratamento, com intervenção precoce, com treinamento dos médicos para identificar os sinais do vício. Tratar todos os problemas bem cedo, sem esperar que alguém dê entrada no hospital porque está usando crack ou cocaína há quatro anos. Quero que descubram o vício já no primeiro mês de uso para evitar o agravamento da doença.
E eu certamente não iria querer começar uma nova indústria como a do tabaco ou do álcool, vendendo a droga. E eu também olharia para as questões fundamentais. Por que as pessoas estão usando crack? O que acontece na comunidade onde vivem? São questões muito mais difíceis, mas são muito mais importantes do que dizer se devemos legalizar uma droga ou não.
UOL – Os dados colhidos pelo senhor sobre o Colorado mostram que a legalização da droga teve consequências ruins, principalmente para adolescentes.
Sabet – Isso acontece porque a legalização não elimina o mercado negro, o tráfico. E essa é a promessa, de que vamos nos livrar das gangues. As gangues estão muito felizes agora porque eles têm preços mais baixos. No Colorado, custa US$ 300 (R$ 684) para se comprar 35 gramas de maconha legalizada. Com traficantes, o preço é US$ 150 (R$ 342) para a mesma quantia da droga. Você não vai à loja de maconha recreacional para pagar o dobro do preço? Além disso, a venda é proibida para menores de idade. Se quiserem maconha, onde vão comprar? Com traficantes. Todas essas promessas de que o tráfico iria acabar e o recolhimento de impostos aumentar não estão se concretizando. O governador do Colorado, pela quinta vez consecutiva, diminuiu a estimativa de recolhimento de impostos com esse comércio.$escape.getH()uolbr_geraModulos('embed-citacoes','/2014/22ago2014---kevin-sabet-35-especialista-norte-americano-que-integrou-a-equipe-de-controle-de-drogas-do-governo-de-barack-obama-1408756086647.vm')
UOL – Então, como acabar com o tráfico da droga?
Sabet – A única maneira que haveria para acabar com o tráfico é vender a droga a custo de produção. Em outras palavras, seria como tentar se livrar do tráfico de crack ou cocaína vendendo a droga por centavos para cada dose. Do ponto de vista da saúde pública, você não quer isso. Você quer justamente aumentar os impostos do cigarro, você tenta aumentar os custos porque quanto mais caro, menos pessoas vão querer aquilo. Você talvez consiga se livrar de alguns dos malefícios e reduzir um pouco o tráfico, mas não eliminá-lo. A saída, mais uma vez, é diminuir o número de viciados com tratamento e campanhas de conscientização.
UOL – No caso dos adultos, o senhor mostra que dobrou o número de acidentes com mortes envolvendo motoristas sob efeito da maconha no Colorado.
Sabet – Defensores da legalização poderiam até argumentar que os motoristas “não estavam sob efeito da droga”, mas como eram acidentes fatais, testes nas vítimas mostraram altos níveis das substâncias derivadas da maconha nos organismos. Claro que nem todo acidente causado por um motorista bêbado ocorre devido à ingestão do álcool. É o mais provável, podia ter ocorrido porque ele enviava um SMS no momento. Mas é um grande fator de risco.
Muitos adolescentes pensam que dirigir sob influência da maconha é seguro. Mas costumo dizer que é perigoso dirigir, em uma via cujo limite é 70 km/h, tanto a 30 km/h como a 100 km/h. Mesmo que a maconha torne você mais lento, isso também é perigoso. Ela também afeta o seu senso de profundidade e seu tempo de reação.
UOL – Não deveria haver leis mais severas no Colorado contra esses motoristas?
Sabet – O problema da legalização é que você cria espaço para um grupo político completamente novo, que fará de tudo para tornar o acesso à droga o mais fácil possível. Então, durante as campanhas de legalização eles dizem: “não se preocupe, nós vamos fiscalizar e regulamentar”. No minuto seguinte, eles se esquivam. No poder, eles detêm o dinheiro, vão influenciar o conselho das cidades pequenas, dar dinheiro aos políticos para criar 20 lojas vendendo maconha em uma comunidade local. Ou seja, você tem esses defensores que vão tentar minimizar todos os malefícios de dirigir sob influência da droga. A mensagem deles para as crianças, por exemplo, é que fumar maconha é mais seguro que beber álcool.
UOL – Se legalizar não é uma opção, quais seriam então as propostas para reduzir o consumo da droga?
Sabet – A questão é: o que você acha pior? Um mercado legal que atingirá 25 a 50% da população, porque vai aumentar o uso da droga, ou um mercado ilegal que chega a 7%? As duas coisas são ruins, mas eu optaria pelo segundo cenário e trabalharia para reduzir essa taxa.
Precisamos de campanhas de prevenção e conscientização melhores, principalmente para adolescentes. Nos últimos dez anos, as pesquisas científicas avançaram tremendamente no que diz respeito aos efeitos da droga no cérebro dos adolescentes mas, ao mesmo tempo, a percepção desses jovens dos malefícios da maconha está diminuindo. Isso se deve muito às discussões sobre legalização.
Muitas pessoas acham que a maconha não vicia, mas vicia sim. E também está associada a doenças mentais graves. Precisamos de mais campanhas, mais pesquisas, mais tratamento. No caso do tráfico, precisamos dar mais alternativas aos jovens, para que a venda da droga não se mostre mais lucrativa que um trabalho legítimo. É necessário resolver os problemas sociais.
UOL – O Uruguai recentemente legalizou a venda da droga do país, que deveria começar em novembro, mas foi postergada para 2015. Isso justamente porque o governo ainda estuda métodos eficientes para identificar quem compra. Na ocasião, José Mujica criticou o modo como a droga vem sendo legalizada nos EUA, “de qualquer jeito” e “com irresponsabilidade que assusta”. O senhor concorda com Mujica?
Sabet – Ele é muito inteligente ao dizer que não quer copiar a situação do Colorado e de Washington, porque isso seria um desastre total. Não ficaria surpreso se a venda da maconha no Uruguai nem mesmo comece ou, ainda, nunca aconteça. Não é uma medida popular, o governo gastou alguns milhões em campanhas tentando convencer as pessoas de que isso é algo bom, e mesmo assim 70% são contra.
O argumento racional é “vamos acabar com o tráfico”, mas, de novo, a menos que você dê a droga, dê maconha para crianças de 10 anos, ainda vão existir traficantes. E não é isso que você quer. O próprio presidente [Mujica] disse que não gosta da maconha, não é a favor dela, só quer controlá-la. Essa é uma abordagem muito melhor que a dos Estados americanos. Ele é muito mais honesto que alguns caras nos EUA. Mas ainda assim não acho que os uruguaios tenham um programa viável. Eles estão percebendo que é muito mais complicado do que acharam que seria. Então, boa sorte para eles. Sou muito cético.
UOL – Para os Estados Unidos, é preocupante que um país latino-americano legalize a maconha?
Sabet – Não sei se seria um problema, mas é estranho para os Estados Unidos. O país não quer a legalização, mas está acontecendo no âmbito estadual. O governo norte-americano simplesmente vai ignorar a questão. Para ser sincero, só vemos eles [Uruguai e Mujica] mencionados no jornal quando o tema é maconha. Eles [Obama e Mujica] nem conversaram sobre isso quando se encontraram. Então, não é uma preocupação para os Estados Unidos.
UOL – Recentemente, tivemos aqui no Brasil o caso de uma menina de cinco anos com epilepsia grave que causava mais de 60 convulsões diárias. Após o canabidiol, ela teve sensível melhora no estado de saúde. Porém, os pais estavam “contrabandeando” a substância, e não estavam satisfeitos com isso. Como é essa questão nos EUA?
Sabet – Também temos esse problema nos Estados Unidos. Mais de 400 crianças estão recebendo canabidiol na forma líquida legalmente pelo governo. No entanto, você não tem dados que mostrem a eficácia da substância. Se um pai está de acordo de que a substância é experimental, sem comprovação, então por mim tudo bem. Não vou dizer a um pai de uma criança que sofre centenas de convulsões por dia para não usar algo que vai ajudar.
Mas traficar ou plantar a maconha no quintal não resolve o problema. É preciso regulamentar o uso do canabidiol pelas áreas farmacêuticas e de saúde.
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