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Com demissões, quebra de protocolo e gestão truncada, Apex vive crise

A diretora de Negócios da Apex, Letícia Catelani, com o chanceler Ernesto Araújo  - Reprodução/Twitter
A diretora de Negócios da Apex, Letícia Catelani, com o chanceler Ernesto Araújo Imagem: Reprodução/Twitter

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

17/04/2019 04h00

Contratos paralisados, insegurança quanto ao futuro e clima de desconfiança entre os funcionários: é assim que pessoas ligadas à principal agência de promoção de exportação do Brasil descrevem a rotina da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) nos últimos dias.

A entidade, que era reconhecida por sua excelência e critérios técnicos no apoio ao pequeno e médio empreendedor, está sem presidente desde que o segundo indicado para o cargo foi demitido pelo chanceler Ernesto Araújo. Sua importância pode ser medida pelo tamanho do orçamento: administra quase R$ 800 milhões neste ano.

Cercada de polêmicas desde o começo da atual gestão --foi nela que aconteceu a primeira baixa entre os cargos mais altos do governo Bolsonaro--, a Apex parece inerte em meio a uma crise.

O UOL conversou com funcionários e representantes de setores que tentam renegociar seus contratos com a agência. Os relatos foram todos feitos sob a condição de anonimato, já que os entrevistados temem represálias --seja com demissão ou cancelamento de projetos.

Eles contam que o clima na agência é de perseguição e paralisação. Nenhuma das pessoas procuradas pela reportagem teve autorização oficial para falar. Os pedidos de entrevista aos diretores da agência, Letícia Catelani e Márcio Coimbra, não foram nem sequer respondidos.

Todos os projetos do órgão que estão em execução neste ano já haviam sido aprovados e organizados pela gestão passada. O impacto sobre os novos contratos só vai ser sentido mais adiante. Apesar de ser uma agência privada, os gastos do órgão, por lei, têm de passar por processos de licitação e são fiscalizados pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

"Não importa se você olha de dentro ou de fora da agência, é fácil ver que nada acontece, tudo ali está parado. Os funcionários não sabem o que vão fazer daqui a um mês, daqui a dois meses. Tem evento importante parado. Ninguém sabe qual é a proposta da nova gestão, e isso desperta uma preocupação enorme dos parceiros do setor privado. Ninguém sabe o que vai acontecer", afirma uma das pessoas entrevistadas.

Os relatos ainda dão conta de que pessoas que estavam em segundo plano em gestões anteriores viram na crise interna uma oportunidade de autopromoção. Além disso, os trabalhos não estariam seguindo normas preestabelecidas nem critérios técnicos.

Um exemplo dessas quebras de protocolo aconteceu antes da demissão do embaixador Mario Vilalva na semana passada. Ele teria perdido autonomia na presidência e a liberdade nas contratações e demissões. Agora isso só pode ser feito com a assinatura conjunta de um dos diretores da agência.

Por isso, uma das principais críticas ouvidas foi a inércia do Conselho Deliberativo da Apex, formado pelos Ministérios de Relações Exteriores, Economia e Agricultura, além de entidades como a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a CNI (Confederação Nacional da Indústria), o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e a AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil). Ele não teria se pronunciado até agora em relação ao que acontece na agência.

Em declarações ao site Comex do Brasil, o presidente da AEB, José Augusto de Castro, afirmou que "o ano de 2019 na Apex Brasil ainda não começou". Segundo ele, ações importantes em matéria de promoção das exportações e investimentos estão paralisadas. Procurado pela reportagem para comentar as declarações dadas anteriormente, Castro não quis se pronunciar.

Como ele, muitos temem opinar mesmo sem se identificar "Os contratos estão parados, mas está tudo bem, são mesmo negociações longas", disse uma das pessoas consultadas, admitindo que a saída do segundo presidente acarretaria em ainda mais atrasos.

Outro entrevistado relatou que não estava conseguindo nem mesmo uma reunião para negociar a renovação do contrato. "O encontro estava marcado com Vilalva, mas ele foi demitido", disse apenas, se referindo à saída do embaixador.

Pivôs da crise

O conflito com a diretora Letícia Catelani também é fator comum nas exonerações de Vilalva e de Alex Carreiro, que deixou a chefia uma semana depois de sua nomeação. Em entrevista logo após a demissão, Vilalva disse que teria sido "contratado para cuidar de uma determinada pessoa que tem lá dentro. E eu me recusei a participar de um esquema que achava absolutamente imoral". O senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) apresentou um requerimento pedindo que Vilalva seja convidado para depor diante da Comissão de Relações Exteriores do Senado sobre a crise na agência. Mas o pedido ainda precisa ser votado.

O diplomata aponta Catelani, amiga pessoal do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e Márcio Coimbra, ambos da ala discípula do escritor Olavo de Carvalho, como pivôs da crise na agência.

Nas redes sociais, Catelani tem recentemente destacado a redução de gastos da agência e o foco na transparência. "Anúncio que ultrapassamos ontem a meta de redução de 10% dos gastos (R$ 35 milhões) e já totalizamos mais de R$ 38 milhões de economia, renegociamos contratos e cortando despesas. Foco na transparência, modernização e efetividade nas ações", escreveu no último dia 11.

Entretanto, o site em que os dados são disponibilizados não recebeu nenhuma atualização financeira em 2019 --a última ata de reunião do conselho deliberativo é de 2018, assim como do conselho fiscal. As demonstrações financeiras do primeiro trimestre deste ano também não foram divulgadas. Apesar de a Apex ter participado de missões empresariais neste ano, inclusive acompanhando o presidente Bolsonaro, nenhuma delas está publicada.

De olho na verba comandada pela Apex, o órgão que já foi cortejado por Paulo Guedes, do Ministério da Economia, agora atrai interesse da Agricultura para ser agregado à pasta.

Outra opção para sanar a crise seria tirá-lo do guarda-chuva do Itamaraty, onde está desde 2016.