Duas vidas por uma: sobrevivente de tragédia na Espanha descobre gravidez

Patricia Peiró e Jesús Rodríguez

Em Santiago de Compostela (Espanha)

  • Reprodução/El País

    Reprodução do site do jornal "El País" com Marisol Echeberría (direita), que descobriu estar grávida após ser levada ao hospital

    Reprodução do site do jornal "El País" com Marisol Echeberría (direita), que descobriu estar grávida após ser levada ao hospital

O médico, em sua ronda matinal, passa pelo quarto de Marisol Echeberría no andar de neurologia do Hospital Clínico. Apalpa seus pés e mãos para comprovar que têm sensibilidade, retira seu colarinho, produto de uma lesão cervical, e lhe anuncia que a partir de hoje deverá abandonar aos poucos o leito e começar a se movimentar. Também toca sua barriga e lhe pergunta como se sente. Tem uma dupla intenção.

Essa vítima do acidente ferroviário de Santiago não só salvou sua vida, como também a do bebê que, se tudo continuar nesse ritmo, nascerá dentro de sete meses. Quando foi internada no Clínico na noite de quarta-feira, Marisol descobriu que estava grávida de sete semanas.

Também saiu ileso seu filho de 7 anos que a acompanhava. O abraço protetor com o qual tentou salvá-lo do impacto é a última lembrança que Marisol guarda, antes de desmaiar. O menino teve alta na sexta-feira, são e salvo.

Marisol lembra-se até das 20h40 de quarta-feira. Nesse momento o trem passava a um quilômetro de sua casa, onde seu marido a aguardava.

Ele não sabia que sua mulher, natural de Monforte, 38 anos, estava no vagão número 7. Ela voltava de Valência e havia antecipado em um dia sua viagem, para lhe fazer uma surpresa. Seu relato é entrecortado, fala quase em sussurros, solta algumas lágrimas, mas também começa a haver espaço para os risos, como quando lembra com seu marido, Pablo, que ela saiu entre os trilhos sozinha, aturdida mas com a bolsa pendurada no ombro. "Não a soltou o tempo todo", ele brinca.

O anúncio de que seria pai lhe chegou de surpresa, quando aguardava na emergência que lhe dessem informação sobre o estado de sua mulher. Agora reconhece que não é a melhor maneira de receber a notícia: "A preocupação se multiplicou por cem, mas agora a única coisa que sinto é alegria". O nome de Marisol já estava na primeira lista que o hospital divulgou com os feridos internados. Levar a bolsa com sua documentação provavelmente facilitou sua rápida identificação.

Marisol lembra que faltavam alguns minutos para chegar a Santiago, por isso já estava preparada para apanhar as malas. Escutou um ruído e sentiu um sacolejão. No início pensou que o trem estivesse mudando de via para entrar em Santiago, mas esse pensamento desapareceu quando um impacto a fez voar para outro assento, o vidro da janela se quebrou ao seu lado e as bagagens choveram dos compartimentos acima de sua cabeça. Tudo isso em "milésimos de segundo", lembra agora em seu quarto no hospital. Alguém a ajudou a sair e a acompanhou caminhando até uma ambulância, mas embora estivesse consciente todo esse percurso hoje se esfuma em sua memória.

Só uma visão se desenha com nitidez em sua mente: um homem ensanguentado vagando entre os trilhos e repetindo: "Sou o maquinista, perdoem-me". Era Francisco José Garzón.

Ela lembrou tudo isso no dia seguinte, porque quando a internaram estava semiconsciente. Depois de vários testes, conseguiu dizer que suspeitava que estivesse grávida. Os médicos deixaram todo o resto e comprovaram se era verdade; o resultado foi positivo e os profissionais comprovaram que o feto estava em perfeito estado. "Veja só, outras perdem logo o bebê e eu, depois de tudo isso, o tenho aqui", comentou horas depois a uma médica, com incrédula alegria.

Marisol não viu a televisão nem a gravação do descarrilamento, apenas visitou algumas páginas da internet no celular de sua irmã, leu alguns jornais. "Parece um sonho, não acredito que eu estava lá", afirma. "O que tenho agora é vontade de viver, você percebe que a qualquer momento tudo pode acabar." Nem ela nem seu marido guardam rancor pelo ocorrido e apontam que "não se deve julgar ninguém antes do tempo; todo mundo comete erros", referindo-se à possível falha do maquinista ao ir em velocidade maior que a permitida na curva de Angrois.

Pegando sua mão, Pablo explica à mulher: "Telefonei para a Defesa Civil, lá também não sabem de nada". Marisol quer encontrar seu gato, um persa cinza, e está convencida de que saiu ileso do acidente. O marido conta que em casa tentou explicar ao menino que os gatos têm sete vidas, e que o jovem sobrevivente lhe respondeu: "Sim, mas creio que caíram sete malas em cima dele". Assim Pablo volta a provocar um sorriso em sua esposa, o mesmo que o médico lhe arrancou quando afirmou que em uma semana poderá estar correndo pela praia.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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