Depoimento: Lógica não explica a experiência de correr de touros em Pamplona

Borja Hermoso

A ideia de saltar uma cerca para correr na frente de seis touros bravos que podem liquidá-lo a qualquer momento não é explicável a partir de parâmetros lógicos, por isso temos de arquivá-la definitivamente nos territórios que se situam entre o ato surrealista, a inconsciência de vocação suicida e a necessidade adrenalínico-irremediável de testar a si mesmo, de testar a vida, testar a morte. Suspeito que algo parecido com isso é o que os psiquiatras alegam de seus divãs. Mas é o que argumentam os corredores, com suas emoções e seus medos.

Às 8 da manhã repicam os sinos da Igreja de San Cernin e repicam as agulhas invisíveis sob os pés e as almas de cada corredor do encierro. Retumba o primeiro foguete: a manada está nas ruas. Por que estou aqui? A boca seca, a vontade de dizer olá sem parar a todo animal vivente, quer o conheça quer não, o tique irremediável de atar e reatar os cordões do tênis, a engrenagem da loucura – por que estarei aqui se não tenho saliva para engolir? –, uma espécie de irmandade invisível com os outros corredores, o suor nas mãos, o sol de julho subindo entre os telhados de Pamplona, a imagem tão distante e desejada de ver-se em um terraço da Praça do Castelo ou na Calle Mañueta tomando chocolate com churros.

Mas você está ali.

Se escolheu a Cuesta de Santo Domingo, os tem bem colocados. Os olhos, queremos dizer: colocados exatamente no ponto em que você crê que vai começar a correr. Não espere para ter a manada em cima para arrancar. Nem sequer a 10 ou 12 metros. Tome como referência uma distância de algo que lhe pareça 20 ou 25 metros, salte para o meio da rua e corra, corra. Corra olhando para trás sem parar, olhadas curtas, de décimos de segundo, para evitar que o grupo ganhe terreno antes do tempo e (no melhor dos casos) você não ouça a metade da missa ou (no pior) o alcance sem solução de continuidade. Alterne essas olhadas com olhadas para a frente, também sem parar, para evitar tropeçar com outro corredor. A massificação é tão perigosa quanto os touros. Vamos, procure ter quatro olhos em vez de dois. Complicado? Não devia ter vindo.

A manada subindo por Santo Domingo, derrotando os primeiros corredores colados aos muros, é o touro bravo em seu máximo esplendor. E também em seu estado de máximo pavor, leve em conta que anteontem pisava a grama tranquila do pasto e hoje pisa o pavimento duro e desconhecido. Animais de mais de 600 quilos percorrem esses 280 metros com 6% de desnível como almas que o diabo leva, sua anatomia o permite, em cerca de 20 segundos já pisam na Praça da Prefeitura. Aqui foi chifrado em 13 de julho de 1995 Matthew Peter Tassio, 22 anos, o primeiro americano morto em um encierro. A Tassio, que havia conhecido Pamplona e a corrida nessa mesma manhã, ninguém transmitiu, infelizmente, uma das regras de ouro da prova.

Se cair, fique deitado, de boca para baixo, beijando o chão, proteja sua cabeça com as mãos e braços e reze para são Firmino, se você for de rezar, e se não, também. Tassio caiu e tentou se levantar. Quando quis se dar conta tinha em cima os cornos de Castellano, uma fera da criação de Torrestrella. Ao todo foram 15 as mortes infligidas pelos touros nas corridas de Pamplona desde 1922, ano que é considerado o início da idade moderna da corrida e desde o qual se mantém invariável o percurso de 848,6 metros: dos currais de San Domingo até os cercados da praça de touros de Pamplona.

Entre o final da Cuesta de Santo Domingo e o início do trecho de Mercaderes, os rapazes correm uns 80 metros em diagonal: é a zona mais larga do percurso. Depois de uma leve curva à esquerda, a manada, que muitas vezes já começou a se dividir, parte pela Mercaderes para um dos pontos mais espetaculares e perigosos da corrida: a curva que separa Mercaderes da Calle Estafeta. Praticamente um ângulo reto.

Ali, sob as lentes dos fotógrafos de meio mundo (entre eles o extraordinário Jim Hollander, o americano que passou 30 anos fotografando as corridas para a agência Reuters e outros meios, e muito provavelmente o jornalista gráfico estrangeiro que melhor conhece esta curva, esta cidade e estas festas), os touros se chocam com a cerca e disparam pela autopista de Estafeta. Aviso aos navegantes novatos: cuidado ao tomar a curva pela parte externa, a não ser que tenha vocação para sanduíche. Alerta vermelho. Sempre a curva curta, ou pelo meio da rua.

A Estafeta são 305 metros de linha reta com uma leve descida. Cada um dos 2.000 ou 3.000 da corrida (depende dos dias, embora a massificação já seja preocupante em qualquer deles) tem seu lugar preferido para largar, mas um ponto especialmente fascinante é o que se situa em algum lugar entre 20 e 30 metros depois que os touros tenham virado na Estafeta: depois de ter freado na curva - embora cada vez menos: desde a eliminação das calçadas e a substituição dos paralelepípedos por lajotas em 1998, além do uso de produtos antideslizantes no solo, os touros negociam cada vez melhor a curva -, os animais estão recuperando a força de seu trote poderoso. São um ponto e um momento mágico para correr o encierro de Pamplona.

Sua referência antes de começar a correr será - deverá saltar sem descanso para vê-la claramente e não a perder - um monte de chifres brancos dando tombos. O pavor, primeiro, e a tensão para conseguir seu espaço a cotoveladas depois, não impedirão que seus sentidos lhe transmitam o rumor da corrida: o ruído de 56 patas (seis touros bravos e oito bois mansos - cabestros - que acompanham) raspando o chão de Pamplona de forma obsessiva, chas, chas, chas, chas, chas. O rugido e os gritinhos de pânico das pessoas instaladas nos balcões (pagos por alguns visitantes a preço de ouro para ver a corrida). E o cheiro. O cheiro de touro. O inconfundível, acre, intenso cheiro de touro.

O "mas o que estou fazendo aqui" dos momentos anteriores veio a ficar dissolvido na feroz imediatice de um pensar em nada, só olhar, empurrar, pisar, correr, saltar, esquivar, gritar, retificar se for preciso, cair, levantar-se e saber sair, jogar-se para um lado da rua com rapidez e solidariedade para não atrapalhar o que vem atrás.

A Estafeta termina em uma curva pronunciada à esquerda. É o trecho da Telefónica, sempre lotado de gente e com uma altíssima densidade de patas por metro quadrado (os patas são aqueles que ninguém sabe o que fazem no traçado da corrida, que não correm, que estão ali para olhar, para tirar fotos ou vídeos, ou para atiçar ou tocar o touro, ou seja, os dois atos mais proibidos da corrida de Pamplona). São apenas cerca de 60 metros, e uma perigosíssima antessala ao beco de entrada na praça. Abstenham-se idiotas de vocação aventureira ou com ambições de colocar no Facebook, YouTube ou Twitter suas façanhas com o celular.

O beco é o lugar onde houve mais incidentes na história dos encierros. São poucos metros sem escapatória para o corredor no caso de encontro indesejado com o touro. Aqui, mais de 20 montanhas humanas se formaram na história das corridas. Especialmente trágica foi a de 8 de julho de 1977, com um morto por asfixia (ou por pisada de um dos touros, nunca ficou totalmente claro), o jovem pamplonense de 17 anos José Joaquín Esparza. Também no beco foi chifrado de forma dramática até em seis ocasiões em 2004 Julen Madina, de Guipúzcoa, um dos corredores com mais horas de voo entre a grande família das corridas.

E o encierro chega finalmente à Praça de Touros de Pamplona. Se você chegou aqui, abra em leque à direita ou esquerda quando entrar na arena. Nunca siga correndo até o centro do círculo.

Seu encierro já é história. Você recupera aos poucos saliva para engolir. Senta-se no chão. Pensa, lembra. E não esquece. Nunca.

Não se pergunte por quê. Não servirá para nada. Tampouco no caso de que você faça surfe entre tubarões brancos ou pratique paraquedismo. Ou se você passa suas tardes entre os gorilas de Ruanda. Ou seguindo o rastro do tigre de Bengala.

Os touros correndo pelas ruas de Pamplona. E você na frente deles.

Continuaremos lendo Freud.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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