Brasil, o país onde a vida é mais cara
Nicolas Bourcier
O movimento foi grande no início desse último fim de semana. Uma semana após a abertura em grande estilo, no dia 15 de fevereiro, da primeira Apple Store da América Latina, em um shopping center ultra chique da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, a horda de funcionários de camisetas azuis esteve bem ocupada, sempre pronta a atender aos arroubos consumistas.
Colocado no display bem em frente à entrada, o objeto do desejo do momento, o iPhone 5S, é exibido em sua versão 16Gb a R$ 2.799,00, o equivalente a 868 euros. Uma soma tremenda que situa esse modelo no topo da lista dos preços oferecidos em todo o mundo no site da Apple.
Em relação aos 472 euros praticados nos Estados Unidos e aos 634 euros na China pelo mesmo produto, o telefone brasileiro está em uma categoria à parte, bem acima do normal.
"Nós também nos perdemos em conjecturas", admite José, vendedor da loja da Apple. "Falamos em impostos, no dólar alto, nos problemas de logística ou de transporte. Mas, o preço está lá e visivelmente o produto encontra seus clientes, que não são poucos."
Na verdade, o Brasil não para em uma única contradição. O país é um dos dez maiores mercados de smartphones do mundo, com quase 50 milhões de usuários registrados no final de 2013, apesar das tarifas de telecomunicações também entre as mais altas do mundo. Segundo a União Internacional das Telecomunicações (UIT), os preços podem chegar a 0,54 euro por minuto. O console Xbox (da Microsoft) no Brasil também é o mais caro do mundo.
Os carros e eletrodomésticos custam pelo menos 50% mais que na maior parte dos países. Para bens de uso frequente como lâminas de barbear ou brinquedos infantis, a diferença às vezes é bem maior. Segundo o site de viagens TripAdvisor, 24 horas em São Paulo ou no Rio de Janeiro custam mais que uma noite em Londres ou em Zurique (Suíça) --sem nem mesmo mencionar o período da Copa do Mundo (12 de junho a 13 de julho).
O país é o primeiro em praticamente todas as pesquisas de preço de consumo. Até o índice "Big Mac", da publicação semanal "The Economist", coloca, em sua última edição de janeiro, o sanduíche brasileiro no topo de sua escala de preços, precedido somente pelos noruegueses e suíços. Ele ocupava o quinto lugar em 2013.
A lista é longa, e é ainda mais surpreendente quando se comparam esses dados com o salário médio de um brasileiro, próximo dos R$ 2.000,00 por mês, segundo o site "Trading Economics". Um quarto da renda europeia ou norte-americana. Isso significa que o preço do sanduíche do McDonald's é 70% mais caro do que deveria custar. O mesmo vale para o iPhone. Oito fábricas da gigante taiwanesa eletrônica Foxconn, que produz componentes para o aparelho, se instalaram no país nos últimos anos, principalmente nos arredores de São Paulo. Foi um movimento que suscitou em Brasília a esperança de que, com o tempo, os preços dos produtos da Apple fossem cair consideravelmente, mas ledo engano: o preço de venda nas lojas autorizadas aumentou até 17% desde setembro de 2013, três vezes acima da inflação anual.
São muitas as razões ligadas a esse aumento de preços. Durante anos, a supervalorização da moeda foi acusada de ter fragilizado a indústria e os produtores locais. Quando Lula chegou ao poder em 2003, o dólar era comercializado a R$ 3,50. Depois de cair para R$ 1,50, hoje ele se encontra em R$ 2,35. Mas, para muitos especialistas, os problemas de competitividade no Brasil ultrapassam de longe a questão da taxa de câmbio.
O país invariavelmente passa a imagem de um gigante que sofre de uma falta crônica de reformas estruturais, além da particularidade de conjugar um enorme deficit em infraestrutura a um sistema fiscal de peso abissal. Com 58% de impostos sobre os salários, o país está no topo da escala fiscal dos maiores países do planeta. E com 36% do PIB, o peso dos impostos é, de longe, o maior em comparação com outros países emergentes --ou emergidos, segundo a definição.
Fora o custo de vida exorbitante, o país sofre de uma deficiência menos visível chamada de "custo Brasil": complexidade meticulosa dos processos administrativos, morosidade dos sistemas de distribuição e de transporte, serviços públicos impróprios, corrupção endêmica. Uma empresa de porte médio dedica anualmente 2.600 horas para estar em dia com o fisco. São dez vezes mais, em média, do que em outros países.
A distribuição de riquezas também é apontada como culpada. Apesar de uma população ainda jovem, o sistema de aposentadoria lembra o de certos países europeus, onde a proporção de pessoas idosas é de duas a três vezes maior. Radical, o professor Vladimir Safatle, da Universidade de São Paulo, acredita que "o troféu do país mais caro do mundo deveria ser dedicado a esse mercado oligopolístico e à desigualdade do país."
Deve-se considerar ainda que as ondas de hiperinflação vividas pelo Brasil por tantas vezes ficaram marcadas na consciência coletiva. O aumento de determinados preços não preocupa tanto o consumidor, pelo menos enquanto seu cartão de crédito autorizar um pagamento em várias vezes, sem juros. O custo do iPhone, nesse sentido, é sintomático.
Em 2010, Steve Jobs havia se recusado a abrir uma loja no Rio, de acordo com a imprensa local. O ex-CEO da Apple havia então explicado sua escolha, alegando uma política fiscal "excessiva" do governo. Hoje, a Apple Store está de portas bem abertas. Os impostos não mudaram, mas os preços sim, e muito.
Tradutor: UOL