Brasileiros devem aproveitar visibilidade da Copa em nome de urgências sociais
Jérôme Latta
O presidente da UEFA, Michel Platini, candidato à presidência da FIFA, provocou um certo escândalo há algumas semanas ao pedir para que os brasileiros "se acalmem" e "esperem um mês" antes de reivindicar, fazendo sua própria interpretação da noção de trégua olímpica.
A irritação do dirigente certamente revelava tanto sua inconcebível arrogância quanto o temor de seus pares de verem seu evento ser "estragado". Mas o que eles temem? A probabilidade de uma situação sair de controle a ponto de comprometer o desenrolar do torneio continua sendo improvável até o momento: se eles estão com medo, evidentemente é por eles mesmos.
A FIFA em uma posição insustentável
Nos dias que antecedem uma Copa do Mundo, é comum ter dúvidas quanto às forças envolvidas, aos potenciais vencedores, aos jogadores que a competição consagrará. Desta vez, a incerteza também diz respeito à realização em si do evento, ao que acontecerá em torno dele, para além dos limites dos estádios e das áreas com telões para torcedores.
E aqui estamos, às vésperas do Mundial mais incerto da História, e não por razões esportivas. Isso porque, embora a mobilização esteja sendo menos maciça do que no ano passado, a efervescência social parece ter se intensificado com a aproximação do evento: manifestações, greves, ocupações, ações virais...
A hipermidiatização do Mundial torna mais imprevisível seu desenrolar extraesportivo. De qualquer forma, antes do primeiro pontapé inicial, um potente holofote já foi voltado para os protestos dentro do país e as baixezas de seu organizador. Novas revelações sobre a atribuição da Copa do Mundo de 2022, que envolvem graves suspeitas de corrupção, não ajudaram em nada a FIFA.
A federação de futebol nunca havia se encontrado em meio a tantas acusações, tornando praticamente insustentável sua posição (os anglófonos podem assistir à magistral crítica de John Oliver na HBO), chegando a levar os patrocinadores a exigirem explicações.
Portanto, desta vez parece haver muitas condições reunidas para que seja impossível ignorar os bastidores, para que o santuário do estádio permita a entrada dos clamores vindos de fora, para que o que está em segundo plano passe para o primeiro.
Paz social a que preço?
É importante aconselhar os brasileiros a não se acalmarem e até mesmo a aproveitarem a excepcional visibilidade mundial que a Copa do Mundo lhes oferece. Não existe estritamente nenhuma razão para que uma competição de futebol passe por cima das urgências sociais e políticas de um país, ainda mais se sua organização evidenciou as injustificáveis prioridades do poder público, a continuidade da corrupção, a indecência dos gastos consentidos ou a voracidade da FIFA.
Eles não devem ceder àqueles que fazem chantagem quanto à imagem: a imagem deles só sofrerá junto àqueles mesmos. Pode apostar que serão bem mais numerosos os que admiram um povo que não tenha cedido tão facilmente aos interesses da FIFA de Sepp Blatter, de seus patrocinadores e das emissoras, à vontade daqueles que querem vê-los se conformarem aos clichês da festa, do samba e… do futebol. Seria um preço bem vil para uma paz social tão forçada.
Que os brasileiros se mobilizem caso julguem ser justo, que eles aproveitem a relação de forças se ela estiver a seu favor, que eles se lembrem da democracia corintiana de seu compatriota Sócrates. Sua luta será menos em vão na medida em que eles não têm nada a perder, ao contrário dos organizadores. O Brasil pode ganhar a Copa do Mundo mesmo que sua seleção não vença.
Uma outra Copa do Mundo, rápido
Que eles façam por si mesmos, em primeiro lugar. Eles também o farão por nós, todos nós: nós, por exemplo, os europeus, que capitulamos diante do dogma da austeridade, da predação das riquezas e dos interesses dos lobbies financeiros; nós que nos entregamos ao fatalismo e ao cinismo, e ao mesmo tempo à impotência política. É importante que eles não se abstenham.
Que eles também o façam, de um ponto de vista mais egoísta, por nós, apaixonados pelo futebol, que deveríamos nos perguntar qual fatalidade nos obriga a passar por uma Copa do Mundo que se tornou esse circo, impondo a exclusividade de seus patrocinadores no espaço público e exigindo um destacamento militar-policial de país em estado de guerra.
Nós que toleramos que a FIFA obrigue a construir infraestruturas desmedidas com verbas públicas para em seguida ficar com a maior parte do lucro, venda "seu" espetáculo para canais aos quais nós temos de pagar depois para ter acesso, atribua sua competição em condições duvidosas para satisfazer seus próprios interesses, se governe com a transparência de uma máfia.
Não se deve subestimar o poder leniente do futebol nem a eficácia do discurso da culpa, mas, correndo o risco de chover no molhado, essas poucas semanas de incerteza exalam um tanto de excitação: ainda que não seja necessariamente a de ver o Brasil conduzindo uma espécie de revolução política, pelo menos esta, mais modesta, de expor os absurdos derivados da Copa do Mundo da FIFA.
Tradutor: UOL