O cinismo e a estupidez da Zara e outras marcas de roupas

Nicole Vulser

Como a Zara pode ter colocado à venda uma camiseta para crianças com um design no mínimo duvidoso, em algodão listrado azul e branco, decorado com uma grande estrela amarela na altura do coração? A semelhança com a estrela de Davi imposta aos judeus pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial logo causou revolta entre os internautas, obrigando a marca espanhola de roupas a retirar o mais rápido possível esse item do mercado. Menos de mil deles chegaram a ser vendidos.

A Inditex, empresa detentora da Zara, explicou que essa estrela amarela era inspirada nos xerifes e que o grupo não tinha "absolutamente nenhuma intenção de ofender os clientes." Contudo, essa blusa, desenhada por um dos 300 estilistas do grupo sediado em La Coruña, na Galícia, havia passado por todos os controles habituais antes de ser fabricada e posta à venda. É impressionante que ninguém dessa empresa, a segunda maior do mundo no mercado de roupas, tenha entendido a dimensão simbólica desse desenho.

É a empresa inteira que pode ser tachada de antissemita, ainda mais que em 2012 a Zara já havia chocado ao vender uma bolsa de tecido estampado com uma pequena suástica, entre desenhos de bicicletas e vasos de flores. Na época a direção garantiu que se tratava de uma suástica indiana, sem nenhuma relação com a SS. Outra das gigantes da moda, a sueca H&M, não está a salvo dessas gafes. Em março, ela teve de tirar das araras uma camiseta com a estampa de uma caveira sobre uma estrela de Davi.

Teria sido um erro sem más intenções nesse caso da Zara? Uma peça de roupa que passou sem controle no meio do gigantesco fluxo de 30 mil novos modelos postos à venda todos os anos? Culpa de um estilista ignorante para quem todas as imagens são iguais? Ou foi a ação perversa de um funcionário que quis fazer uma provocação, lançar uma polêmica ou que quis dar uma de Oliviero Toscani, o fotógrafo das campanhas publicitárias da Benetton?

"Esse caso todo é estúpido, uma bobagem inacreditável", diz a filósofa Marie-José Mondzain, autora de "Homo Spectator" (Ed. Bayard, 2013), entre outras obras. "Ele mostra uma falta de cultura visual e histórica desse estilista que deveria ser demitido. Querer associar uma camiseta de marinheiro aos elementos que identificam um xerife, como as crianças veem no cinema, já é lamentável". Sem contar que "associar listras a uma estrela amarela é nojento" e só pode suscitar a revolta de inúmeras associações. "As salvaguardas estão caindo porque falta memória e cultura", ela diz.

Já o filósofo Yves Michaud é bem pessimista. Para ele, "esse gênero de mal-entendido é inevitável" e pode começar a acontecer "cada vez mais". A estrela amarela já tem mais de 70 anos e "muitas gerações não fazem ideia do que ela representa. É como a cruz, por exemplo. Quem hoje vê nela um símbolo cristão?", ele pergunta. No entanto, Yves Michaud teme que "aqueles que são suficientemente ignorantes para não saberem o que significa a estrela amarela possam praticar abusos assim que souberem. "Ela deve ser ressignificada como um símbolo de união, meio como o gesto do comediante Dieudonné".

E enquanto isso, em Bangladesh…

Essa nova gafe deverá prejudicar ainda mais a imagem do setor da moda. Essa indústria globalizada, extremamente lucrativa, cuja ambição é fornecer para o mundo todo as mesmas coleções, nem sempre respeita as condições de trabalho dos empregados que fabricam suas peças.

Os 1.135 mortos e os milhares de feridos registrados após o desabamento do prédio de Rana Plaza, no subúrbio de Daca, em Bangladesh, no dia 24 de abril de 2013, certamente chocaram. A pior tragédia da indústria têxtil havia ilustrado com horror o desprezo que os proprietários de fábricas daquele país, mas também, e sobretudo, os que terceirizam sua produção, têm em relação a esses operários da moda de baixo custo.

A Zara, que manda fabricar boa parte de suas coleções em Bangladesh, não havia encomendado nada às oficinas que desabaram, mas o grupo espanhol presidido por Amancio Ortega, o homem mais rico da Espanha, contribuiu para o fundo de indenização das vítimas. Uma participação estritamente simbólica, uma vez que esse fundo ainda não conseguiu levantar os US$ 40 milhões (R$ 90 milhões) previstos, segundo os sindicatos IndustriALL e Clean Clothes Campaign. A título de comparação, o lucro líquido da Zara em seu último exercício de 2013-2014, encerrado no final de janeiro, chegou a 2,38 bilhões de euros.

As marcas de roupas internacionais não ajudam financeiramente as fábricas de Bangladesh a se modernizarem e continuam impondo a seus fabricantes condições tarifárias ridículas. Sem isso elas não poderiam vender em Paris uma camiseta a menos de 10 euros ou um jeans a menos de 15 euros. Os salários das operárias bengalis, ainda que tenham sofrido um aumento, continuam entre os mais baixos do mundo, o que não impede a Zara de continuar com seu dumping sobre países onde a mão de obra é ainda mais barata. E onde certamente se ignora o significado simbólico das estrelas amarelas.

Roupas da Zara são produzidas por escravos
Veja Álbum de fotos

Tradutor: UOL

Receba notícias do UOL. É grátis!

UOL Newsletter

Para começar e terminar o dia bem informado.

Quero Receber

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos