Brasil: o silêncio das ruas

Nicolas Bourcier

Le Monde

  • André Lucas Almeida/Futura Press

    Protesto na avenida Paulista, em julho deste ano

    Protesto na avenida Paulista, em julho deste ano

Difícil imaginar uma eleição mais imprevisível do que essa. Após doze anos de coalizão de centro-esquerda, liderada por um Partido dos Trabalhadores (PT) de base sólida e marcada por grandes conquistas sociais, até dois meses atrás Dilma Rousseff parecia ter condições de vencer a eleição presidencial já no primeiro turno. Uma reeleição tranquila, no máximo obscurecida por uma economia abalada e novos casos de corrupção.

A morte acidental em meados de agosto de Eduardo Campos, candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB), mudou tudo. A nomeação de Marina Silva para substituí-lo projetou a ex-ministra do Meio Ambiente de Lula para o primeiro plano, antes de afundar nos últimos dias da campanha. Tudo isso por fim colocou à frente o oponente Aécio Neves, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), apoiado pela direita tradicional.

Na teoria, o país voltou à sua divisão habitual. No domingo (26), o PT enfrentará no segundo turno, pela sexta vez seguida, um PSDB revigorado pela confiança de seu novo protegido. Um duelo clássico entre esquerda e direita, mas que diz pouco sobre o grau ou a intensidade das transformações e hesitações desse país em plena mutação.

Neste momento de ponderações pré-segundo turno, os apoios de Marina Silva, de Eduardo Jorge (PV) e, em uma menor medida, do pastor Everaldo (PSC), à candidatura de Aécio Neves, bagunçam um tanto o coreto do cenário político. E a decisão de Roberto Amaral, presidente do PSB, de apoiar Dilma Rousseff, contrariando a maioria de seu partido, tampouco simplifica as coisas.

Além disso, o fato de os deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), principal aliado do governo, se mostrarem impossibilitados de escolher entre Rousseff e Neves, diz muito sobre as ambiguidades e incertezas do momento.

De um ponto de vista estatístico, a presidente atual está confortavelmente à frente com 41,6% dos votos, mas registra uma perda de 5 pontos em relação ao primeiro turno de 2010. É uma queda amortecida pelo desempenho elevado obtido no Nordeste do país, sobretudo nas pequenas cidades, principais beneficiárias de programas sociais criados pelo PT como o Bolsa Família.

No plano nacional, o partido passou de 83 para 47 deputados, seu pior resultado desde a chegada de Lula ao poder em 2002. No entanto, a coalizão governamental continua amplamente majoritária no Congresso com duas vezes mais cadeiras do que o PSDB.

Outro detalhe significativo é o enfraquecimento do voto religioso. Com 53 deputados, divididos em 17 partidos, a Frente Parlamentar Evangélica perdeu 17 cadeiras. De um em cada sete representantes no Parlamento, esse poderoso grupo de interesses agora só conta com um em cada dez. Em compensação, a chamada bancada ruralista, composta por grandes proprietários de terras, aparece como a grande vencedora.

Com um aumento de 33%, ela agora detém a maioria absoluta das cadeiras do Parlamento (257 representantes dentre 513). É o suficiente para entravar uma eventual reforma agrária, desejada por Marina e incluída nos últimos dias no programa de Neves.

Uma revolta social esquecida

Uma polarização exacerbada e uma onda conservadora: a reconfiguração entre os grandes partidos embaralhou as alianças brasileiras. Mas o primeiro turno ensinou que se deve olhar para seus pontos inexplorados e seus silêncios.

No último ano, nunca se falou tão pouco sobre as manifestações de junho de 2013, ignorando-se a esse ponto as reivindicações feitas em alto e bom som durante longas semanas em todas as cidades do país.

Os clamores por mudanças tiveram pouquíssimo eco nas urnas. Para o analista político Carlos Melo, nenhum dos principais candidatos formulou claramente qualquer exigência que tenha surgido durante as manifestações. É verdade que Marina, a única candidata a ter saído ilesa da revolta de 2013, propunha uma "nova política", mas sem dar maiores especificações.

"O povo revelou uma crise de representatividade e Marina entendeu isso, mas ela não explicou como faria uma reforma política", explica o especialista.

Dos 25 projetos formulados pelas autoridades de Brasília para atender às reivindicações dos movimentos de junho, somente 7 foram votados pelo legislativo. É pouco, para os 70% da população que exprimem um desejo de mudança, segundo as pesquisas de opinião.

Para André Singer, professor da Universidade de São Paulo, essa eleição poderá ser uma espécie de "segunda rodada" das manifestações, a oportunidade para as forças políticas disputarem os eleitores mais escolarizados e os de baixa renda, para quem junho marcou uma "entrada" na política: "Estes poderão ir para a esquerda, direita ou centro", ele ressalta.

"É essa indefinição que se manifesta hoje."

E aqui estamos. Durante o primeiro turno, 29,03% dos eleitores não optaram por nenhum dos candidatos. Quase 3,85% votaram em branco, 5,78% votaram nulo e houve 19,40% de abstenções. Esse total é o mais elevado desde 1998, considerando ainda que o país conta hoje com nada menos que 32 partidos políticos.

É sinal de que essa eleição será definida pelo grau de indefinição e pela rejeição aos candidatos, como explica o analista político Antonio Lavareda. É o suficiente para preocupar os dois candidatos. Apesar do silêncio das ruas.

Tradutor: UOL

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