Macedônia é o novo purgatório dos imigrantes que tentam chegar à Europa
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Robert Atanasovski/AFP
Refugiados sírios e de outras partes do Oriente Médio tentam embarcar em trem na fronteira entre Grécia e Macedônia. O objetivo é chegar à Hungria e, de lá, rumar para países como Alemanha, Dinamarca, Bélgica, França e Reino Unido
Este país dos Bálcãs, situado entre Grécia e Sérvia, constitui uma etapa terrível para quem tenta imigrar
Pelas estradas da Macedônia, no mundo paralelo dos imigrantes, existe um bem que é quase tão precioso quanto o dinheiro: bons sapatos. Há alguns dias, em Atenas (Grécia), Najib Mahmoudi comprou um fabuloso par de tênis à altura de seu status social: o jovem afegão pode ter chegado aos 35 anos de idade, mas continuará sendo para sempre o adulado vencedor da edição de 2007 do "Afghan Star", o show de talentos mais popular do país. Seus compatriotas que chegam até esse pedaço perdido da Europa e o cumprimentam com uma mistura de respeito e deslumbramento são prova disso.
Najib Mahmoudi foi obrigado a se exilar depois que foi divulgado na internet um vídeo que o mostrava beijando uma jovem na saída de um show. Os talebans de sua região de Mazar-e-Charif o ameaçaram de morte, e ele fugiu para o Irã.
O que aconteceu depois lembra uma história já bastante batida: a passagem para a Turquia, que custou 1.200 euros; a viagem para a ilha de Kos em um barco velho de plástico, 1.500 euros; a descoberta estupefata da "Europa", encarnada por essa Grécia em plena crise. Os tênis deverão ajudar Najib Mahmoudi a prosseguir em sua jornada, que envolve Macedônia, Sérvia, Hungria, terminando na Alemanha ou na Suécia. Ou talvez na França, "pois parece que lá os afegãos são bem recebidos".
Mas, mal atravessou a fronteira macedônia, seu grupo foi atacado por homens armados com AK-47s e facas, e trajando uniformes de polícia. Os tênis desapareceram junto com as últimas cédulas e os telefones, e Najib Mahmoudi teve de continuar sua viagem calçando horríveis sapatos de lona, já gastos pelos quilômetros percorridos.
Ninguém pensa em parar aqui
"Não eram policiais", diz um de seus companheiros de estrada. "Os uniformes não estavam completos, alguns deles usavam calças de abrigo". Zaccharia, 27, tem o olho treinado: durante vários anos ele trabalhou como tradutor para o Exército norte-americano. Apesar das promessas, os soldados não o levaram quando deixaram o Afeganistão. Agora Zaccharia está tentando se juntar a sua esposa e seu filho na Noruega.
Enquanto isso, os dois amigos descansam no frescor da mesquita Tatar Sinan Beg de Kumanovo, antes de atacar os últimos quilômetros que levam até a fronteira sérvia. Cerca de 30 pessoas, entre afegãos, sírios e africanos, cuidam de suas bolhas e se extasiam na maciez dos tapetes. Satara, uma pequena afegã de 9 anos, atenta e esperta, que está viajando há sete meses com seus pais e seu irmãozinho de 2 anos, quis parar um pouco aqui, pois está cansada de caminhar e de se esconder.
Na rota dos Bálcãs, que vem sendo usada cada vez mais pelos imigrantes --entre 2.000 e 3.000 a cada dia--, a pequena Macedônia, de 2 milhões de habitantes, poderia ser somente uma formalidade. Ela é a etapa mais terrível do percurso, caracterizada pelos ataques e pela caminhada sob o sol.
O Parlamento votou, no dia 18 de junho, uma lei que autoriza os imigrantes a utilizarem os transportes coletivos e os táxis, mas estes continuam sendo quase inacessíveis. Usar o carro de particulares é ainda mais arriscado. Sob pressão da União Europeia, as autoridades aprovaram uma lei anticoiotes, que torna qualquer cidadão macedônio que carregue três imigrantes dentro de seu carro um "organizador" de rede, com uma pena que pode ir de seis meses até quatro anos de prisão, além de o motorista ter o carro confiscado.
"Não há nada pior que Gazi Baba"
Para os próprios imigrantes, tentar fazer a viagem de carro equivale a ir parar no terrível centro de trânsito de Gazi Baba, no subúrbio de Skopje. Oussam, um argelino de 19 anos que já vem perambulando há três anos, conheceu as prisões turcas e as prisões gregas. "Não há nada pior que Gazi Baba", ele diz, mencionando a bagunça, a falta de ar fresco, a falta de medicamentos, a comida incomível. O centro recebe mais de 300 pessoas, para uma capacidade de cem.
As prisões por presença ilegal em território macedônio, seguidas de deportações para a Grécia, são poucas. Segundo uma fonte policial europeia, "o trabalho da polícia depende de uma única variável de ajuste, a capacidade de acolhimento". Mas esta é limitada, com algumas centenas de vagas em dois centros próximos de Skopje, entre eles o de Gazi Baba.
A prioridade das autoridades parece ser limitar o fluxo dos imigrantes a um itinerário único, a via férrea de Tessalônica-Belgrado, que atravessa o país do sul ao norte. Os 230 quilômetros de trilhos são como um fio de Ariadne que ajuda as pessoas a se guiarem, longe dos olhos da polícia. A caminhada é difícil, lenta e sobre pedregulhos, que fazem os tornozelos se torcerem e esburacam os sapatos. Em alguns vales, mal há espaço para o trem passar, outro perigo dessa rota. No dia 24 de abril, 14 imigrantes morreram atingidos pela locomotiva de Tessalônica-Belgrado, um dentre outros acidentes.
Junto aos trilhos, as pessoas também viram presa fácil para os ataques. Os cerca de 50 imigrantes que encontramos ao longo de três dias foram quase todos vítimas, muitas vezes duas vezes: uma vez no sul, em território macedônio eslavo, e depois no norte, em território albanês. "É a máfia", diz Ali, um iemenita que tentou primeiro uma rota alternativa, a da Albânia. O próspero negociante de Sanaa e seus dois filhos, de 13 e 14 anos, foram recebidos pela polícia com tiros para o alto.
Segundo fontes europeias, as máfias locais não estão realmente envolvidas nessas agressões. "Há negócios mais rentáveis, como as armas, a prostituição e as drogas", explica uma dessas fontes. "Isso é mais coisa de grupos criminosos menores e localizados, que às vezes precisam pagar a parte deles para os grupos mais sérios."
O grupo que a polícia macedônia desmantelou no dia 11 de junho, cujo líder, um afegão apelidado de "Ali Baba", não conseguiu prender, tinha uma rede toda organizada. Centenas de imigrantes teriam caído em suas mãos e eram levados para uma casa onde ficavam trancados e eram espancados, até que suas famílias conseguissem pagar um resgate aos sequestradores.
Lojane, a última etapa
Os ataques e a marcha forçada apagam as diferenças entre ricos e pobres. Junto à linha do trem, pouco mais ao norte, jovens da classe média de Teerã dividem com um grupo de afegãos miseráveis a mesma sombra de uma árvore majestosa.
No fim da estrada está a dolina de Lojane. O vilarejo, em território albanês, é a última etapa antes da passagem para a Sérvia. Seu chefe nega, mas alguns de seus habitantes faturam alguns euros ao transformarem suas casas em dormitórios. Oussam, o argelino que encontramos em Kumanovo, chega ali no final do dia, depois de ter sido extorquido em 20 euros por um grupo de jovens armados de facas.
Também ali a atitude da polícia e dos guardas de fronteira parece obedecer a lógicas misteriosas. Na maior parte do tempo, a passagem é uma formalidade; em alguns dias, os agentes macedônios ou sérvios redobram a vigilância.
Nessa noite, a família de Ibrahim tentará deixar esse maldito solo macedônio. Ele, sua mulher Fatima e a pequena Mobina, de 6 anos, não têm muita sorte. A polícia os parou cinco vezes em diferentes pontos do país e os enviou de volta à Grécia sem lhes dar qualquer documento.
Eles precisaram recomeçar a cada vez. Ibrahim fez as contas: eles já percorreram cerca de mil quilômetros no território da minúscula Macedônia.
Tradução: UOL