Quem são os alemães que recebem refugiados de braços abertos

Frédéric Lemaître

Em Berlim (Alemanha)

  • AFP PHOTO / CHRISTOF STACHE

    Joachim Löw, técnico da seleção alemã de futebol, é um dos fundadores de uma fundação de apoio a imigrantes

    Joachim Löw, técnico da seleção alemã de futebol, é um dos fundadores de uma fundação de apoio a imigrantes

Os ataques contra os refugiados e os centros que os abrigam têm ocupado o centro das notícias na Alemanha, com toda a razão. Mas existe uma outra Alemanha, aquela dos inúmeros voluntários que, a cada dia, ajudam os refugiados a enfrentarem um calvário final: a burocracia alemã.

Em Berlim, no bairro popular de Moabit, o imenso parque vizinho à sede do departamento de assuntos sanitários e sociais da cidade virou um verdadeiro acampamento, com roupa secando sobre os arbustos, onde se veem muitos homens, mulheres e crianças muito novas. Os primeiros tentam não se afastar demais do centro de acolhimento, caso um funcionário --finalmente – chame seu número. Já as mulheres cuidam dos pequenos.

Depois de esperarem por vários dias, os refugiados esperam enfim obter o documento e a passagem de trem que lhes permitirá chegar até o centro de acolhimento provisório para onde são destinados, em alguma parte desse país cuja língua eles não falam.

Felizmente, há voluntários ajudando como tradutores, sempre oferecendo bebida, comida e tentando dividir os bens mais preciosos que são os sapatos, celulares usados e os carrinhos de bebê.

Centenas de associações

Algumas dezenas de metros adiante, uma associação, a Moabit hilft! (Moabit ajuda!, em alemão), ocupou outro prédio, onde tem recebido doações da população e as distribui quase que imediatamente. Todos os dias seu website publica uma lista das necessidades em tempo real. Na quarta-feira (26), eram cobertores, frutas, carrinhos de bebê e, "como sempre", dinheiro para o táxi, bilhetes de condução, telefones com carregador e chips de celular.

Existem centenas de associações como esta por todo o país. A Pro-Asyl, uma das mais conhecidas na Alemanha, comemorou a marca de 20 mil membros, graças à chegada de 2.000 novos integrantes em sete meses. Em Berlim, o site "Tagesspiegel" conta como, no bairro de Köpenick, os mesmos habitantes que protestavam em vão contra a instalação de um centro de refugiados perto de suas casas em 2014 agora criaram uma associação que ajuda esses indesejáveis que se tornaram seus vizinhos.

Mesmo a Saxônia, bastião dos neonazistas, oferece exemplos positivos. No sábado (22), o jornal regional "Sächsische Zeitung" relatava ataques contra o centro de Heidenau cometidos na véspera, mas dedicou quase uma página inteira aos alemães que decidiram acolher um refugiado em suas casas. No sábado, o jornal alemão "Bild", o mais lido no país, entrou no debate, convocando os alemães a "oferecerem uma ajuda".

Engajamento como ato político

O engajamento dos voluntários literalmente estourou nos últimos anos, com um aumento de 70%, como confirmaram pesquisadores da Universidade de Humboldt de Berlim e de Oxford. Estes realizaram no final de 2014 um estudo junto a 460 voluntários e 70 organizações que vieram em ajuda aos refugiados na Alemanha. O perfil dos voluntários em sua maior parte é de mulheres, com mais estudo que a média, e pessoas oriundas da imigração. A esmagadora maioria das pessoas entrevistadas vê seu engajamento como um ato político e não somente humanitário.

Até as celebridades estão se envolvendo, entre eles o ator e diretor Til Schweiger. Famoso por seu papel de delegado em "Tatort", série policial cult na Alemanha, Til Schweiger anunciou que criaria uma fundação para abrir na Baixa Saxônia um centro exemplar de primeiro acolhimento, com conexão de internet e atividades esportivas. Entre os membros-fundadores está Joachim Löw, técnico da seleção alemã de futebol.

Nem todas as reações foram positivas: não só o ator foi copiosamente insultado nas redes sociais, como um indivíduo entrou em sua casa no domingo (23) e tentou cortar um cabo de alimentação elétrica. Um ato que foi "provavelmente político", segundo a polícia. Ainda que ultraminoritária, a extrema direita está sempre à espreita.

Tradução: UOL

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