Análise: Alemanha pede socorro para abrigar refugiados, e é preciso ajudá-la

Arnaud Leparmentier

Na capa do jornal, a foto de dois meninos deitados sobre um cobertor improvisado e um apelo emotivo: "Nós ajudamos", mote de uma operação que tem uma hashtag no Twitter: #refugeeswelcome ("refugiados são bem-vindos"). E de onde teria surgido essa benéfica iniciativa, neste momento em que refugiados da Síria, do Iraque e da Eritreia estão correndo para a Europa? Da esquerda francesa, que soa tão generosa? Ou da Itália do jovem Matteo Renzi, porta de entrada do Velho Continente?

Nada disso. O apelo foi lançado no sábado (30) pelo "Bild Zeitung". Sim, o tabloide alemão do grupo Springer, que defendia a expulsão dos gregos da zona do euro e a venda de suas ilhas paradisíacas para pagar suas dívidas.

A Alemanha parecia egoísta, mas eis que ela vem se mostrando generosa, acolhendo os refugiados em seu país, que poderão chegar a 800 mil este ano, quatro vezes mais que em 2014. E dez vezes mais que a França, que por dar ouvidos a Marine Le Pen acabou achando que já havia chegado ao seu limite.

A chanceler Angela Merkel chegou a tomar uma decisão inédita: os refugiados sírios poderão pedir asilo na Alemanha ainda que tenham entrado na Europa através de outro país, contrariando o que prevê a chamada convenção de Dublin.

Como explicar essa atitude da Alemanha?

Primeiramente porque a chanceler, que viveu atrás da cortina de ferro, é particularmente sensível aos direitos humanos e às condições dos refugiados políticos. "Se a Europa fracassar na crise dos refugiados, essa ligação com os direitos civis universais será rompida", alertou Angela Merkel durante sua coletiva de imprensa, no domingo. Além disso, os alemães têm uma tradição de generosidade humanitária: desde os crimes da Segunda Guerra Mundial eles não intervieram mais militarmente, nem no Iraque, nem na Líbia. Mas como têm um pouco de vergonha de se esquivarem, eles compensam financiando ações humanitárias.

Impiedoso com os extremistas

Além disso, Angela Merkel ainda está sujeita a dois tipos de pressão. 

A primeira é interna. Nos últimos meses, a Alemanha teve vários centros de refugiados atacados por neonazistas. Só que nesse país, quando surge uma onda de populismo, ela não é seguida, mas sim derrubada.

É o que tem feito o "Bild Zeitung", jornal ambíguo que sabe quando não pode ser populista demais e que sempre foi impiedoso com os extremistas. "A esmagadora maioria dos alemães não tem nada a ver com essa ralé que protesta diante dos asilos para refugiados. A maioria ajuda. Nós ajudamos", afirma o "Bild". O jornal populista é incisivo: chega dessa onda anti-refugiados. A chanceler está encantada com a atitude dos alemães e manifestou "seu orgulho e gratidão" pelas "inúmeras" pessoas que estão ajudando os refugiados.

A segunda é externa. Na teoria, a grande maioria dos refugiados deveria ser acolhida no país através do qual ingressaram na União Europeia, seja na Itália, na Grécia, na Hungria ou na Bulgária. Infelizmente esse sistema se estilhaçou, pois criava um desequilíbrio em relação aos países do sul, e estes passaram a recusar a tomar as impressões digitais dos que estão chegando agora. Essa regra também é custosa demais e cria problemas políticos –os húngaros não querem os refugiados que passaram por seu território– e jurídicos– em 2011, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou a Bélgica por ter expulsado um afegão para a Grécia, que passou a viver em condições insalubres. 

É preciso mudar as regras

Resultado: todos os refugiados estão indo para a Alemanha, pois é lá que eles podem esperar encontrar asilo e emprego. Por trás da aparente generosidade de Angela Merkel se esconde um pedido de socorro. Ela não está recebendo de bom grado os refugiados, mas constatou que eles estão lá. A Alemanha não pode acolher toda a miséria do mundo. Ela quer assumir sua parte, mas gostaria que o fardo fosse mais bem dividido.

Para isso, é preciso mudar as regras na Europa. 

Em primeiro lugar: criar e financiar, como já previsto, verdadeiros centros de refugiados na Grécia, na Itália e na Hungria para deportar imediatamente os imigrantes econômicos e organizar a distribuição dos refugiados pelos países da Europa. Em suma, acabar com o princípio de Dublin, em caso de afluxos excepcionais como o da Síria.

Segundo: distribuir os refugiados por um sistema de cotas, em troca de solidariedade financeira. Merkel disse claramente: "Se não chegarmos a uma distribuição equitativa, virá à tona a questão de Schengen". A chanceler não pretende sacar os "instrumentos de tortura", mas a França passou a mensagem aos países do Leste europeu: sem uma solidariedade com os refugiados, é difícil imaginar que a Europa Ocidental continuará financiando eternamente as ajudas estruturais e recebendo os trabalhadores autônomos.

Terceiro: padronizar as condições de asilo, os critérios de aprovação dos pedidos, as condições de alojamento, os benefícios sociais e, sobretudo, o direito ou não ao trabalho.

Quarto: os europeus deverão entrar em um acordo quanto aos países considerados "seguros" para os quais é possível enviar de volta os refugiados. Nem todos os países da Europa concedem o mesmo status ao Kosovo ou à Albânia, de onde vêm mais de 40% dos imigrantes.

Quinto: sem uma previsão para a resolução dos conflitos na Líbia e na Síria, ter uma conversa firme com os países que se tornaram países de trânsito quase organizado com a bênção das autoridades: a Turquia e o Níger. Esse país do Sahel se tornou a porta de entrada de toda a África Ocidental para a Líbia e a Europa. Uma cúpula entre Europa e África sobre o tema foi convocada para os dias 11 e 12 de novembro, em Malta.

O assunto está na pauta da reunião dos ministros do Interior europeus do dia 14 de setembro, cujo objetivo é preparar um conselho que permitiria a saída por cima da crise dos imigrantes. Já que a Alemanha está pedindo por socorro, vamos ajudá-la.

Tradução: UOL

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