Moradores de Beirute voltam a ter seu "Central Park"
Benjamin Barthe
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blogbaladi.com/Reprodução
Uma lufada de ar fresco em meio a um mar de lixo. Enquanto a crise do lixo intoxica a atmosfera de Beirute, as autoridades locais decidiram reabrir o Bosque dos Pinheiros, pulmão da capital libanesa.
Os moradores, enojados pelas montanhas de lixo que crescem na periferia da cidade desde que o depósito municipal foi fechado, no mês de julho, agora podem ter acesso a esse pequeno oásis verde que se encontrava fechado há 25 anos.
Todo sábado, desde o amanhecer até o pôr do Sol, os 30 hectares do bosque se enchem de pessoas que correm, passeiam e fazem piqueniques, ávidas por aproveitar um dos últimos espaços públicos de Beirute.
O governador prometeu estender a abertura aos outros dias da semana, dependendo de como for essa primeira experiência. Essas precauções estariam sendo tomadas por medo de vandalismo e de perturbações à ordem pública, de acordo com as autoridades locais. O argumento remete à longa e tumultuosa história desse singular pinheiral.
Ele existe desde a época dos fenícios, que o exploraram para construir sua famosa frota. Os cruzados fizeram o mesmo para consertar seus navios. O lugar foi reflorestado no começo do século 17, por inciativa do emir Fakhreddine 2º, senhor da região do monte Líbano. O príncipe druso queria secar a zona pantanosa, atrás das fortalezas de Beirute, onde havia um surto de febre amarela.
Os Médici da Toscana, com quem ele passou um breve exílio, falaram-lhe sobre as virtudes das coníferas, e uma imensa floresta de pinheiros-mansos logo passou a se espalhar por mais de 120 hectares. Em seu "Viagem ao Oriente", Lamartine exaltou a majestade do lugar.
No fim do século 19, o Horch el-Sanawbar ("bosque de pinheiros" em árabe) se tornou o lugar de passeio preferido da alta sociedade de Beirute.
Amplo programa de recuperação
Mas a expansão de Beirute lançou um processo de desmatamento inevitável. Em 1915, um palácio em estilo otomano, o Círculo Azmi Bey, foi construído sobre o flanco leste da floresta.
Concebido como um cassino, o edifício serviu de hospital militar durante a guerra, antes de ser rebatizado de Residência dos Pinheiros, no fim das hostilidades. Foi lá que se instalaram as autoridades mandatárias francesas e que se hospedou o embaixador francês a partir da independência do Líbano em 1943.
Um hipódromo foi instalado nos anos 1920, e depois dois cemitérios, que encolheram ainda mais o espaço vegetal. No fim dos anos 1970, o bosque havia sido reduzido quase pela metade.
Era época da guerra civil. Situado na linha de demarcação entre os bairros cristãos a leste e muçulmanos a oeste, o local foi palco de combates acirrados entre milícias. Os bombardeios do Exército israelense, que invadiu Beirute em 1982, agravaram ainda mais seu estado. No final da guerra, oito anos depois, o Bosque dos Pinheiros não passava de um terreno abandonado, pontuado por árvores calcinadas.
A ajuda do conselho regional da região de Ile-de-France incentivou a prefeitura a lançar um amplo programa de recuperação no início dos anos 1990. Milhares de árvores foram replantadas, e o espaço ganhou ainda uma fonte, um teatro ao ar livre e um jardim botânico.
Mas, curiosamente, o lugar continuava vazio, ou quase. Somente pessoas com mais de 30 anos munidas de uma autorização do governador de Beirute e crianças com menos de 10 anos acompanhadas dos pais podiam ter acesso a ele.
A prefeitura, cuja experiência em matéria de gestão de parques era quase nula, temia que o lugar fosse vandalizado caso fosse aberto para o grande público. Ela temia também que ocorressem confrontos entre gangues rivais, uma vez que o parque fica na junção entre Tarik Jdeidé, um bairro de identidade sunita muito forte, e de Ghobairi, um setor de maioria xiita.
E assim a maior parte dos libaneses que queriam desfrutar desse triângulo verde foram barrados pelos guardas na entrada, enquanto os expatriados ocidentais, supostamente mais disciplinados, eram autorizados a entrar. Essa discriminação provocou a ira das ONGs de defesa do patrimônio de Beirute, gerando inúmeras petições, reuniões públicas e manifestações.
Na capital libanesa, há disponível somente 0,65 m2 de jardim público por habitante, lembraram os ativistas, citando o estudo de um escritório de arquitetura local. Ou seja, um número muito distante dos 10 m2 recomendados pela Organização Mundial de Saúde.
Em razão do frenesi da construção dos anos pós-guerra, a porcentagem de terreno não construído passou de 40% em 1967 para 10% em 2000, afirma o relatório.
No fim, com a pressão da sociedade civil, o governador acabou cedendo. No começo de setembro, os portões do parque foram abertos para todos. Bolas, churrasqueiras e narguilés são proibidos no local, mas tudo bem. Depois de todos esses anos, pisar na grama e andar pelos caminhos arborizados de seu "Central Park" já é suficiente para a felicidade dos moradores de Beirute.
Tradutor: UOL
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