Estado Islâmico faz apelo para matarem professores na França

Mattea Battaglia e Aurélie Collas

  • Divulgação/Twitter

    18.nov.2015 - Alunos de escolas primárias francesas expressam, por meio de desenhos, seus sentimentos sobre os atentados a Paris, ocorridos no último dia 13 de novembro. Os desenhos estão sendo divulgados nas redes sociais com a hashtag #ecolepourpaix.

    18.nov.2015 - Alunos de escolas primárias francesas expressam, por meio de desenhos, seus sentimentos sobre os atentados a Paris, ocorridos no último dia 13 de novembro. Os desenhos estão sendo divulgados nas redes sociais com a hashtag #ecolepourpaix.

As escolas francesas seriam um local de "infiéis" e de "perversão". Já os professores seriam "corruptores" a serem "combatidos e mortos". Essa foi claramente uma ameaça de morte proferida pela organização Estado Islâmico (EI) contra professores, em uma de suas ferramentas de propaganda, a revista francófona online "Dar Al-Islam" ("Morada do Islã").

Essa ameaça está sendo levada muito a sério, uma vez que o Estado Islâmico já provou sua capacidade de convencer terroristas a cometerem atentados.

Trazendo o título "A França de joelhos", em referência aos atentados de 13 de novembro, o sétimo número dessa revista, publicado no final de novembro, dedica uma reportagem inteira à educação francesa, com seis páginas impregnadas de teorias simplistas e conspiratórias.

Segundo ela, a escola serviria para "impor o modo de pensamento corrompido estabelecido pela conspiração judaico-maçônica", que cultivaria na criança "a ignorância e a corrupção moral" e a enfraqueceria "até que, levada por seus mais vis instintos, ela virasse escrava dos verdadeiros donos do Ocidente: os judeus corruptores."

A revista ataca a laicidade "fanática" do ensino francês, em um tom raivoso, alguns dias antes do Dia Nacional da Laicidade nas escolas, no dia 9 de dezembro, que o Ministério da Educação Nacional não pretende cancelar. A "Dar al-Islam" condena em especial a Carta da Laicidade, aplicada desde 2013 nas escolas, definindo-a como "um tecido de mentiras e de descrença".

Ameaça "levada em consideração"

Em seguida vem o repúdio a tudo aquilo que é defendido pela escola: a laicidade e a democracia, a tolerância, o humanismo, o respeito aos valores republicanos, o pluralismo de convicções, a convivência mista entre meninas e meninos, que seria uma "porta aberta para a fornicação". A revista também ataca a "teoria darwinista da evolução", a proibição das orações e dos símbolos religiosos, a música...

"Mais uma vez, é um símbolo da República que está sendo atacado", ressalta Christian Chevalier, secretário-geral do sindicato de professores da Unsa. "E que símbolo: a escola, o coração da República, o lugar onde se forma o cidadão esclarecido."

Na segunda parte da matéria, a revista propõe duas "soluções". A primeira seria fazer a "hijrah" (emigração) para o "califado" que "criou escolas onde os programas são realmente islâmicos, purificados de qualquer infidelidade ou pecado". A segunda seria "combater e matar todos os corruptores". Duas profissões estão sendo visadas: os professores, que ensinam a laicidade-- todos, portanto, uma vez que transmiti-la é uma missão inerente à profissão-- e os serviços sociais, que "tiram as crianças muçulmanas de seus pais."

Qual seria o alcance dessa revista? "Embora pareça difícil avaliar o número de leitores e a influência que essa publicação possa ter sobre eles, o impacto se estende para além do leitorado visado, uma vez que a 'Dar al-Islam' é divulgada pela extrema-direita na internet", assinala um professor e historiador especialista no tema que, no contexto atual, preferiu se manter anônimo.

Dentro da comunidade do ensino, as reações oscilam entre medo e uma certa indiferença. "Ameaça do Daesh? Não estou nem aí!", diz um professor de Seine-Saint-Denis. "Eu não sabia que exercia uma profissão de risco!", ironiza um outro.

"Vamos manter a cabeça fria e não vamos ceder ao pânico, pois é justamente isso que eles querem", alerta Liliana Moyano, presidente da associação de pais e alunos da FCPE. Preocupado, um professor de Paris pede para que essa ameaça seja "levada a sério. Essas pessoas geralmente acabam fazendo o que dizem". Na internet, muitos questionam a necessidade de se reforçar ainda mais a segurança nos arredores das escolas.

Mais segurança? O Ministério do Interior afirma que essa ameaça foi "levada em consideração" por seus departamentos, que estão "extremamente mobilizados para agir em profundidade contra as redes e frustrar planos de atentados", sem mais comentários, "por motivos operacionais".

Por enquanto, as orientações de segurança aplicáveis desde o maternal até a universidade desde o dia 13 de novembro, e que foram atualizadas mais duas vezes desde então, continuam em vigor: entrada dos prédios com segurança reforçada, "verificação sistemática" da identidade de pessoas estranhas aos estabelecimentos, possível "verificação visual das bolsas", obrigação de realizar até as férias de Natal dois exercícios de procedimentos de segurança (evacuação em caso de incêndio e condução para abrigo ou confinamento).

Diretrizes nacionais

Essas são as diretrizes em nível nacional. No entanto, na prática as orientações podem variar de acordo com a cidade, ou até mesmo com o distrito, uma vez que elas também dependem das administrações municipais. É isso que ressaltam com preocupação muitos pais de alunos. Em um lugar, as portas se abrem mais cedo ou mais tarde que o normal. Em outro, revistam bolsas e pastas, às vezes até mesmo carrinhos de bebê e roupas.

Em Paris, não é necessário muito para reavivar os temores. "Desde que fizemos estado de vigília patrulhando os arredores de uma escola do 5º distrito, as outras escolas do bairro começaram a questionar por que elas não tinham direito a isso também", conta Hervé-Jean Le Niger, vice-presidente da FCPE.

Nos 10º e 11º distritos, epicentros dos atentados, as famílias estão pedindo por mais segurança através de porteiros eletrônicos e aguardando anúncios sobre a possível extensão dos circuitos de patrulhas militares entre as escolas parisienses. 

A secretaria de Educação explica que não tomou a iniciativa dessas patrulhas, mas alguns detalhes vazaram entre colaboradores da prefeita Anne Hidalgo: "Já há patrulhas em ação, organizadas pelo departamento de polícia em conjunto com as prefeituras, às vezes com reforços de agentes a pé ou de carro em torno de lugares de grande circulação, sobretudo escolas nos horários de entrada e de saída", explica a prefeitura.

Mas o aumento de medidas de segurança não é o que pedem os sindicatos de professores. "Não tenho certeza de que possamos intensificar as medidas e instalar uma viatura de polícia em frente a cada escola", ressalta Christian Chevalier. "As medidas do [sistema nacional de alerta de segurança] Vigipirate devem ser mantidas, assim como essa vigilância coletiva e cidadã que vem sido exercida desde os atentados."

Para Frédéric Sève, da SGEN-CFDT, um outro sindicato de professores, a propaganda jihadista deve "nos incentivar a fazer ainda mais em matéria de ensino da laicidade, da igualdade entre meninas e meninos, do respeito ao espírito científico, da tolerância... E seguindo nosso método, não o da afirmação peremptória e autoritária, mas sim o da explicação, da educação, da partilha."

Tradutor: UOL

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