Pichações e ataques com bacon marcam islamofobia crescente nos EUA

Corine Lesnes

  • Kena Betancur/AFP

    Muçulmanos de Nova York protestam contra o racismo e as propostas do pré-candidato republicano à Casa Branca Donald Trump, em dezembro

    Muçulmanos de Nova York protestam contra o racismo e as propostas do pré-candidato republicano à Casa Branca Donald Trump, em dezembro

Líderes islâmicos nos Estados Unidos, que criticam o clima da campanha presidencial, organizam uma operação chamada "mesquitas abertas"

Poderia ser um consultório médico ou uma academia de ginástica. No número 2232, nada indica que o prédio de vidros filmados seja uma mesquita: nem lua crescente, nem estrela, nem nenhuma inscrição. O centro islâmico de San Ramón, a 60 km de San Francisco, conta com mais de 500 fiéis, a maior parte deles engenheiros, técnicos e médicos. O próprio diretor, Noman Munif, é executivo comercial do Google.

Desde os atentados de Paris, no dia 13 de novembro, e de San Bernardino, em 2 de dezembro, o centro pediu à polícia que intensificasse as rondas no estacionamento. A 50 km de San Ramon, em Tracy, um coquetel molotov foi lançado contra a mesquita na noite de Natal.

Para Imad Abboushi, um dos imames voluntários da mesquita, a islamofobia atual é comparável à hostilidade que se seguiu aos atentados de 11 de setembro de 2001. "As pessoas nos param constantemente para perguntar por que esses caras fazem o que estão fazendo", ele diz, revoltado. "Mas há 1,8 bilhão de muçulmanos no mundo! É a população que o planeta inteiro tinha cem anos atrás. Não podem nos pedir para explicar o comportamento de cada um!"

Em um relatório publicado no final de dezembro, a associação Council on American-Islamic Relations (Conselho para Relações Islâmico-Americanas --Cair, na sigla em inglês) registrou 71 ataques contra instituições islâmicas em 2015—sendo 29 desde 13 de novembro--, um número recorde desde 2009.

A lista inclui desde vandalismo (paralelepípedos lançados contra vitrines) até ameaças de represálias ("Não queremos vocês aqui. Voltem para o deserto!"), passando por pichações nos muros ("Terroristas") e os ataques com bacon, especialmente em voga. Em um supermercado na Flórida, um homem jogou um pacote de toucinho defumado no carrinho de uma cliente de véu, dizendo: "Feliz Natal!" Em Las Vegas, as maçanetas das portas da mesquita de Masjid-e-Tawheed foram envolvidas em fatias de bacon. O FBI ofereceu US$ 5 mil (cerca de R$ 20 mil) de recompensa a quem identifique o agressor.

Seis dias após os atentados de 2001, George Bush foi visitar o centro islâmico de Washington para afirmar que o islamismo era "uma religião de paz". Após os últimos atentados, somente o candidato da esquerda do partido democrata, Bernie Sanders, se arriscou em uma mesquita. Os líderes muçulmanos criticam a campanha para a eleição de novembro de 2016 e a tradicional disputa das primárias republicanas. Em 2010, o debate se concentrou na construção de uma mesquita perto do Ground Zero, onde ocorreram os ataques no World Trade Center, em Nova York.

Dessa vez foram as declarações de Donald Trump sugerindo que se proibisse temporariamente a entrada de muçulmanos em solo americano que quebraram todos os tabus. "Cada eleição dá lugar a uma onda islamófoba", ressalta Imad Abboushi. "Depois disso, passa."

Mas o cronograma politico não explica tudo. Em 2001, os terroristas do 11 de setembro vinham de fora do país. Em San Bernardino, o terrorismo aconteceu dentro de um subúrbio americano comum. A desconfiança se instalou. Halim, um engenheiro que prefere não ser identificado, confessa estar se sentindo mal. "Indiretamente, sinto mais hostilidade que antes."

No trabalho, quando se recolhe para rezar, sente que algo mudou, com os olhares, os comentários... Assim como antes, ele culpa a mídia. "Quando são cristãos que cometem os ataques, ninguém menciona a religião. Com os muçulmanos são sempre dois pesos e duas medidas."  

"Embaixador do mundo árabe"

Samir, 17, acompanhou seu pai à mesquita. Desde os atentados, o colegial tem ouvido "mais piadas racistas", mas ele não se ofende tanto. "As pessoas me conhecem. Sabem que não sou do tipo Daesh (acrônimo árabe do Estado Islâmico, EI)". Ashraf, seu irmão, se diverte com o papel de "embaixador do mundo árabe inteiro e da religião muçulmana" que ele é obrigado a exercer. "As pessoas me perguntam como é possível que eu compartilhe da mesma fé que pessoas que matam inocentes." Toda vez ele precisa explicar que os muçulmanos são as principais vítimas da barbárie do EI.

A mesquita de San Ramón anunciou uma operação chamada "portas abertas", no sábado (16), após um apelo nacional lançado no dia 21 de dezembro pelas organizações muçulmanas. Em comparação com 2001, a comunidade está muito mais poderosa e organizada. O lobby CAIR, fundado em 1994, agora possui 30 capítulos no país e emprega mais de 70 pessoas.

Nas redes sociais, o contra-ataque tomou a forma de uma petição chamada "Know Your Neighbour" ("Conheça seu vizinho"), uma iniciativa inter-religiosa lançada em meados de dezembro na Casa Branca. Seria uma grande arma para a participação nas eleições, uma vez que as organizações islâmicas pretendem inscrever 1 milhão de seus fiéis nas listas eleitorais até novembro.

Tradutor: UOL

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