A indústria se rende à impressão 3D
Sophy Caulier e Didier Géneau
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Divulgação
Strati, carro 3D da Local Motors
Desde peças de avião até sapatos, passando por automóveis, agora tudo pode ser impresso. É uma revolução que terá efeitos sobre toda a cadeia industrial, desde a concepção até o pós-venda
Será que com o tempo a impressão 3D condenará as fábricas gigantes e suas intermináveis cadeias produtivas? Os executivos da Local Motors têm certeza disso. Essa nova montadora de automóveis americana de fato tem apostado sua expansão em uma série de micro-fábricas com menos de 4 mil m2 instaladas o mais perto possível dos consumidores.
Em setembro de 2014, a Local Motors causou sensação ao imprimir em pleno Salão da Indústria de Chicago um protótipo de carro batizado de Strati, em uma operação que durou 44 horas. Um carro similar na indústria tradicional é composto por 20 mil peças diferentes.
"Para o Strati, a impressora fabricou em uma única peça o corpo do carro, que integra chassi e carroceria. Em seguida adicionamos manualmente 48 elementos como o motor, o volante e os pneus", explica Damien Declercq, vice-presidente executivo da Local Motors.
A montadora, que afirma ter melhorado ainda mais seus processos de fabricação desde os testes do Strati, comercializará seus primeiros veículos de série a partir desse verão.
O exemplo do Strati e de seu modelo industrial baseado na impressão 3D provavelmente será motivo de debates e reflexões nos 2.422 eventos previstos esta semana em toda a França sobre o tema da indústria do futuro, como parte da 6ª edição da Semana da Indústria, organizada pelo Ministério da Economia.
A impressão em 3D também estará onipresente na CeBIT, a maior feira mundial dedicada às novas tecnologias, que acontecerá simultaneamente em Hannover (Alemanha), e onde são esperadas mais de 200 mil pessoas.
A ideia de que a impressão 3D revolucionará setores inteiros da indústria vem ganhando força. Em 2013, Barack Obama já havia afirmado que o domínio dessa tecnologia seria estratégico, e que ela permitiria que os Estados Unidos se reindustrializassem.
"Essa técnica de fabricação não necessita de ferramentas. A matéria é moldada por um feixe de laser ou de elétrons comandado digitalmente. Basta ter material e um projeto. O processo de fabricação é super-flexível, e a máquina pode ser instalada em qualquer lugar", justifica Jean-Camille Uring, membro do diretório da fabricante de máquinas industriais 3D.
As vantagens dessa tecnologia, entre outras, são a fabricação de uma só vez de peças muito complexas, uma personalização do objeto e um consumo reduzido de matérias-primas.
"Na manufatura tradicional, são necessários 100 kg de matéria-prima para fabricar uma peça de 15kg, enquanto a fabricação aditiva só requer 15kg!", diz Jean-Camille Uring.
Imbatível em material de manutenção
No entanto, essa tecnologia, que surgiu há mais de 30 anos, por muito tempo permaneceu à sombra, restrita a alguns poucos setores industriais onde ela ainda é chamada de "fabricação aditiva".
Seu princípio consiste na fabricação de um objeto aplicando-se um material camada por camada graças a um sistema de deposição similar ao jato de tinta de uma impressora tradicional. Durante mais de 20 anos, a fabricação aditiva foi utilizada sobretudo para conceber protótipos grosseiros em plástico destinados a validar um conceito ou uma forma.
Desde então, a gama de materiais imprimíveis em 3D aumentou muito: plástico colorido, cerâmica, metal, alimentos, areia, mármore, concreto, madeira e até mesmo células humanas!
Paralelamente, dezenas de patentes associadas a essa tecnologia e registradas nos anos 1980 aos poucos foram caindo em domínio público, permitindo o surgimento de impressoras mais baratas e mais eficientes.
O setor aeroespacial continua sendo aquele onde a impressão 3D é a mais disseminada. "Essa técnica dá uma grande liberdade no nível do formato. Fabricar uma montagem complexa em uma única peça resulta em menos peso. É importante no domínio dos satélites, onde o peso é um custo", explica Bertrand Demotes-Mainard, vice-presidente encarregado de tecnologias hardware da Thales.
A problemática é a mesma em matéria de aviação. "Daqui a uns dez anos, cerca de 30% das peças de um avião serão fabricadas em 3D", acredita Peter Sander, diretor de tecnologias emergentes da Airbus. "Sobretudo peças metálicas, pois são as mais caras de se fabricar".
Na aeronáutica, a impressão 3D é empregada hoje sobretudo em séries muito pequenas que podem ser testadas peça por peça. Antes de ser aplicada para produções em grande escala, essa tecnologia ainda deverá provar sua capacidade de fabricar várias vezes a mesma peça dotada das mesmas características, ainda mais pelo fato de que as grandes impressoras 3D industriais ultrapassam facilmente os 300 mil euros (R$1,25 milhão).
Em compensação, em matéria de manutenção e de gestão de peças avulsas, a impressão 3D é imbatível.
"Um programa aeronáutico dura 40 anos, e a cadeia produtiva muda durante esse tempo. Não é fácil manter o estoque de peças de reposição, sobretudo peças que giram pouco. Às vezes são necessários anos para se ter acesso a certas peças, e não se pode deixar um avião parado por causa disso. A impressão 3D resolve esse problema. Pó metálico ou filamentos são mais fáceis de se armazenar do que peças!", justifica Thierry Thomas, diretor do centro de "fabricação aditiva" da Safran. Sobretudo quando se pode instalar uma impressora 3D em cada aeroporto.
Proximidade geográfica
Essa flexibilidade não passou despercebida pelos atores do setor espacial. Tanto a Agência Espacial Europeia quanto a Nasa estão trabalhando em adaptar a impressão 3D para a microgravidade. Em fevereiro, uma impressora foi testada a bordo da estação espacial internacional (ISS).
Ao voltarem para a Terra, as peças fabricadas serão comparadas com as que forem produzidas em terra firme. Com o tempo, a ISS não precisaria mais embarcar um estoque de peças avulsas. Bastará que os astronautas peçam a Houston que baixe um arquivo digital e imprima a peça a bordo.
Produzir localmente é também o lema da Local Motors, a pioneira da impressão de carros. Ela inaugurou no final do ano passado sua primeira micro-fábrica em Knoxville, no Tennessee.
Equipada com três impressoras 3D de grande escala, essa fábrica deverá produzir, a partir do verão de 2016, a LM3D Swim, um carro elétrico de série que será comercializado por cerca de US$ 53 mil (R$199 mil). A capacidade de produção deverá atingir 2.400 veículos por ano.
"Na indústria automobilística, a concepção e o desenvolvimento de um novo modelo requer de quatro a seis anos. Para a LM3D Swim, reduzimos esse prazo para dois meses", afirma Damien Declerq.
Para o mercado europeu, a Local Motors também está preparando a produção de um veículo de transporte urbano com capacidade para oito pessoas. Elétrico e autônomo, esse micro-ônibus chamado Edgar será fabricado diretamente nas cidades que o comprarem.
"Essa proximidade geográfica permitirá que fiquemos o mais perto possível dos clientes. Se houver uma mudança a ser incorporada, um veículo novo pode ser impresso dentro de 24 horas", ressalta Declerq.
A médio prazo, a Local Motors prevê construir em todo o mundo dezenas dessas micro-fábricas, um projeto ambicioso que não assustou a Airbus Venture, o fundo de capital de risco criado pela empresa de aviação e dotado de US$ 150 milhões (R$ 563 milhões), que acaba de anunciar seu primeiríssimo investimento... na Local Motors, por um montante não divulgado.
A intenção da Airbus não é diversificar entrando no mercado automobilístico, mas sim ganhar com o conhecimento da Local Motors em matéria de micro-fábricas.
Uma produção personalizada
Nos mercados de bens de consumo, a impressão 3D também pode se revelar uma fonte de simplificação logística. O grupo SEB, que hoje administra um estoque de 5 milhões de peças de reposição, está certo disso.
Seu CEO, Thierry de La Tour d'Artaise, anunciou no final de fevereiro que 50% a 75% das peças da pequena fabricante de eletrodomésticos agora ficariam disponíveis em forma de arquivos 3D e imprimíveis sob demanda.
Em certos setores, a impressão 3D ganhou espaço graças às suas capacidades de personalização da produção. É o caso do setor de joalheria e de próteses dentárias.
O próximo mercado a se revolucionar com essa personalização em massa provavelmente será o de calçados esportivos. Em um mercado onde os clientes não poupam muito para adquirir calçados adaptados às suas necessidades específicas, a Nike, a Adidas e a New Balance entraram em uma verdadeira corrida para lançar os primeiros modelos impressos em 3D.
"É possível imaginar que no futuro a Nike só possuirá o arquivo do calçado, e que os clientes o imprimirão em suas casas ou em uma de nossas lojas? Sim, é claro, e isso deverá acontecer em breve", declarou Eric Sprunk, diretor de operações da Nike, em outubro de 2015 durante uma palestra pública.
Já a Adidas está dando os toques finais a seu protótipo de calçados para corrida Futurecraft 3D, que terá um solado impresso em 3D adaptado à anatomia de cada cliente. Bastará que este vá até uma loja da Adidas para correr um pouco em uma esteira, para sair com seu par de calçados personalizado. Já a New Balance pretende lançar seus primeiros modelos 3D até o verão.
Fora as evidentes vantagens de marketing, esses fabricantes de calçados também veem uma vantagem industrial. A fabricação de um calçado esportivo hoje requer uma centena de operações manuais, um número que cairia para um terço com o uso de impressoras 3D. Isso simplificaria em muito a logística desse tipo de produção, realizada em sua maior parte em países com mão de obra barata.
Segundo um estudo da consultoria PwC, a popularização da impressão 3D e as transferências de certas produções para mais perto do consumidor com o tempo poderá levar à queda de 41% do tráfego aéreo mundial e de 37% da atividade marítima dos cargueiros.
Maiores riscos de falsificação
Com a impressão 3D, as empresas terão um enorme trabalho de transformação em matéria de processo de fabricação, de logística e de vendas. Mas também terão de enfrentar uma imensa batalha jurídica, com um direito de propriedade industrial que no futuro deverá sofrer duramente.
De fato, a democratização das impressoras 3D permitirá que milhões de pessoas comuns, mas também concorrentes indelicados, clonem a um custo módico todos ou parte dos produtos comerciais.
A consultoria Gartner Group havia calculado em 2014 que a falsificação associada à impressão 3D chegaria a US$ 100 bilhões (R$ 375 bilhões) por ano a partir de 2018! É um número por enquanto inverificável, mas que mostra a dimensão do problema. Parte da solução provavelmente será tecnológica.
Muitos laboratórios no mundo hoje procuram certificar os produtos impressos em 3D através da inclusão de uma identificação que poderia ser um chip RFID ou um componente químico específico. A corrida foi lançada.
Tradutor: UOL
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