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Gatos domésticos são um perigo para a vida selvagem?

Junior Lago/UOL
Imagem: Junior Lago/UOL

Jan Hoffman

05/08/2015 06h00

Jennifer L. McDonald é ecologista por profissão e uma pessoa que gosta de gatos por vocação. Alguns anos atrás, Tiggy, seu gato de pelo curto amarelo e branco, trazia para casa camundongos e musaranhos recém-mortos para sua apreciação.

Jennifer, que hoje é bolsista associada de pesquisa do Centro para Ecologia e Conservação da Universidade de Exeter na Inglaterra, ficou curiosa sobre o impacto de gatos domésticos como Tiggy na vida selvagem. Menos camundongos pode ser uma coisa boa. Mas gatos, caçadores naturais, também atacam pássaros e coelhos.

“Você não pode escolher a presa do gato”, explica Jennifer. Se os donos percebessem quantos animais seus gatos matam, pensa ela, será que considerariam prender os felinos para proteger a vida selvagem?

Ela e seus associados estudaram a questão. A resposta, publicada recentemente no jornal Ecology and Evolution, foi inequívoca e enfática.

Não.

Nos últimos anos, o debate sobre o efeito predatório dos gatos na vida selvagem, principalmente em pássaros canoros ameaçados de extinção, só se intensificou. Mas a maioria das pesquisas de opinião pública foca nos gatos selvagens, que compõem a maior parte dos saqueadores felinos domésticos, particularmente nos Estados Unidos.

Jennifer estudou os donos de gatos que vagueiam fora de casa em duas vilas britânicas. Os proprietários precisavam prever a quantidade de presas que seus felinos faziam e documentar as mortes verdadeiras. Aos donos de uma vila foi questionado se eles acreditavam que seus gatos tinham impacto ecológico.

Os pesquisadores também perguntaram aos donos sobre sua vontade de manter os animais dentro de casa nos principais horários de caça, do crepúsculo ao amanhecer. A ideia foi totalmente rejeitada, com alguns deles fornecendo comentários não solicitados: “Meu gato escolhe por si mesmo se quer ficar dentro ou fora”, escreveu um deles.

Ressaltando “uma dissociação entre o comportamento predatório real e percebido”, os pesquisadores concluíram que “os donos dos gatos neste estudo rejeitaram a proposição de que os gatos são uma ameaça à vida selvagem”.

Sara J. Ash, professora de Ecologia e Biologia de Conservação da Universidade de Cumberlands, em Williamsburg, Kentucky, diz que os resultados evidenciaram a profunda separação entre os donos de gatos, que veem seus animais fazendo o que é natural, e os ecologistas, que acham que os gatos pertencem a uma espécie predatória e não nativa.

“Esses donos pensam: ‘Meu gato só mata dois camundongos por dia’. Mas eles não consideram a grande quantidade de gatos bem alimentados em sua vizinhança”, diz Sara.

Os donos dos gatos do estudo geralmente conseguiam afirmar se seus gatos traziam presas para casa, mas não foram bons em dizer a quantidade. Entre os 43 gatos contados na vila Mawnan Smith, em Cornwall, a caça mensal média ficou entre zero e dez. Em quatro meses, os gatos entregaram um total de 325 animais: quase 60 por cento eram roedores, e 27 por cento eram pássaros. (De acordo com os pesquisadores, 6,2 por cento não puderam ser identificados.)

Embora Mawnan Smith e a outra vila na pesquisa, Thornhill, na Escócia, fiquem em áreas rurais, as reações desses donos corresponderam àquelas de donos de gatos urbanos na Inglaterra. Em um estudo 2012, a grande maioria deles disse que não acreditava que seus gatos eram responsáveis pela redução de algumas populações de pássaros.

John Bradshaw, professor de Antrozoologia na Universidade de Bristol, na Inglaterra, destacou que os donos dessa pesquisa mais recente contaram apenas as presas que os gatos trouxeram para casa, e não sabiam quantas criaturas os felinos haviam deixado em outros lugares – cenário ilustrado vividamente em um estudo da Universidade da Geórgia em que os pesquisadores colocaram câmeras em 55 gatos domésticos. Esses gatos deixaram para trás cerca de metade das presas que mataram.

Mas Bradshaw, autor de “Cat Sense” (“Os Sentimentos do Gato”, em tradução livre), pergunta-se se gatos têm um impacto ecológico real.

“Não tenho dúvida de que os gatos domésticos matam muitos animais pequenos, mas vão prejudicar os Estados Unidos ou a Inglaterra no futuro?”, pergunta Bradshaw, que acha que a evidência é “inconsistente”.

Alguns pesquisadores afirmam que enquanto os gatos têm impacto em espécies ameaçadas, principalmente em ilhas oceânicas com poucos predadores nativos, o perigo que representam na Europa e na América do Norte é pouco significativo se comparado à construção de casas, à seca e à poluição.

Ressaltando que a ameaça à biodiversidade não era suficiente para persuadir os donos a manter seus gatos dentro de casa, Jennifer e seus colegas sugeriram uma tática diferente: enfatizar os perigos que os gatos que vagueiam pelas ruas correm de morrer atropelados, por exemplo, ou ser atacados por predadores maiores. Cada vez mais nos Estados Unidos, esses predadores são os coiotes.

De acordo com um novo estudo do The Journal of Mammalogy, os gatos, e possivelmente alguns donos, estão percebendo o perigo. Pesquisadores da vida selvagem americana investigaram se os gatos, que eles assumem que caçam principalmente nas áreas residenciais, também estão atacando em parques, onde a biodiversidade é mais rica. Ou os gatos estavam evitando as áreas por causa dos coiotes?

Com cerca de 500 voluntários, os pesquisadores colocaram câmeras em 32 parques e uma área urbana em seis Estados, filmando o tráfego de gatos e coiotes. Eles descobriram que muitos coiotes, mas poucos gatos, caçaram nas áreas públicas protegidas.

Isso aconteceu inclusive no Parque Rock Creek em Washington, D.C., que é cercado por casas e possivelmente milhares de gatos. Em seis meses, os pesquisadores viram os coiotes nas câmeras do parque 125 vezes, mas só filmaram um gato.

Talvez os donos mais preocupados estejam mantendo seus gatos dentro de casa. “Ou talvez os gatos sintam o cheiro da urina dos coiotes e fiquem com medo, então estão se mantendo longe”, diz Roland Kays, autor principal e professor de Pesquisa de Vida Selvagem e Florestas na Universidade Estadual da Carolina do Norte.

Mas gatos e coiotes se sobrepuseram no que os pesquisadores descrevem como “pequenas florestas urbanas” – terrenos cobertos de árvores ao longo de vias verdes em bairros suburbanos e além que estão sendo invadidos por coiotes.

As pesquisas mostraram que esses encontros nem sempre terminam bem. “Deixar o gato sair não é um risco apenas para os pássaros, mas também para o gato”, afirma Kays.