Calor, Amazônia e frio subpolar causam chuvas no RS: 'Combinação raríssima'
As chuvas que estão devastando cidades do Rio Grande do Sul nos últimos dias são consequência de uma raríssima junção de fatores climáticos, que ocorrem em um período de transição entre verão e inverno, quando o estado enfrenta frente frias sofre com mais frequência.
Chuva persistente já tivemos muitas vezes; estacionar frentes na região sul é relativamente comum. Mas a combinação da intensidade com a persistência é raríssima, talvez inédita.
Marcelo Seluchi, coordenador da Sala de Situação do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais)
As chuvas no Rio Grande do Sul destruíram pontes e estradas, deixam cidades sem energia e água encanada e já causaram a morte de pelo menos 21 pessoas. O governo do estado decretou calamidade pública.
Seluchi afirma que o Rio Grande do Sul recebe ao mesmo tempo a frente fria vinda do oceano Pacífico, a oeste do Chile, uma área de clima subpolar. Por sua vez não consegue seguir em direção ao oceano em rãzão de outro extremo climático extremo: a onda de calor que atinge o centro sul do país.
O que está provocando é um sistema chamado de bloqueio da atmosfera. Existe uma massa de ar quente e seco mais ao norte, e as frentes frias tentam passar e não conseguem. Essa situação perdura por muitos e muitos dias.
Marcelo Seluchi
Ele lembra que o outono no Sul é uma época de passagens de frentes frias, e o que acontece agora são resquícios das altas temperaturas e umidades ainda do verão.
As duas coisas se juntam um pouco nas estações de transição. No verão, você tem mais calor e mais umidade, mas tem poucas frentes. No inverno, ao contrário: você tem mais passagens de frentes, ciclones, mas normalmente a atmosfera está mais fria, seca e estável, sem tanta precipitação. Estações de transição são as mais complicadas. Está dentro da área, digamos, dentro da janela de risco.
Amazônia empurra umidade
Segundo o coordenador do Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Ufal), Humberto Barbosa, Rio Grande do Sul tem sofrido "o impacto atmosférico da mudança de El Niño para La Niña." Além disso, há um componente importante à equação: os ventos vindos do Norte.
Nesta época do ano, os ventos se intensificam, e a umidade que vem da Amazônia passa pela cordilheira dos Andes e vai cair bem ali no Sul. Somado a isso, a redoma de calor do Sudeste está impedindo que essas frentes frias corram para o oceano, ela parada ali. Esse é o pior cenário que está acontecendo no extremo sul.
Humberto Barbosa
Ele afirma que esse cenário vem atuando há cerca de 15 dias e acrescenta um ponto preocupante: ela não deve acabar rapidamente.
A redoma de calor no Sudeste vai continuar nos próximos dias , isso significa que a situação do Rio Grande do Sul não vai se desfazer rápido. As massas de ar frio vão continuar chegando. E se a redoma não diminui, as chuvas continuam, infelizmente. É a combinação de extremos juntos.
Humberto Barbosa
José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden, diz que os impactos gerados pelas mudanças climáticas têm afetado de forma brutal a região mais ao sul do país, que terá de se preparar para eventos intensos daqui por diante.
Esse aumento dos extremos de chuva, com recordes que antes eram raros, agora passam a ser mais frequentes. É o que nós chamamos de novo normal. Quem paga as consequências é a população, que ainda não está adaptada; as pequenas cidades não estão adaptadas, e os desastres ficam cada vez mais frequentes e intensos.
José Marengo
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