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Holandês transforma usina nuclear em parque de diversões na Alemanha

Jörg Diehl

Em Kalkar (Alemanha)

  • Divulgação

    A usina nuclear de Kalkar hoje é conhecida como "Kernwasser Wunderland", ou terra da fantasia de Kernwasser

    A usina nuclear de Kalkar hoje é conhecida como "Kernwasser Wunderland", ou terra da fantasia de Kernwasser

No início dos anos 70, foi iniciada a construção na Alemanha do que deveria ser a usina nuclear mais tecnologicamente avançada do mundo. Contudo, diante de protestos públicos e desastres em outros pontos do mundo, a usina jamais chegou a funcionar –e, depois, chegou ao local um incorporador holandês com um sonho. “Estamos entrando no coração do reator”, diz o homem antes de avançar, passando pelas plantas de plástico. à direita fica o banheiro masculino; à esquerda uma máquina de cigarros e uma balança digital. O carpete azul abafa os sons de nossos passos. Ele então tira uma chave do bolso e abre uma porta marrom anti-incêndio. “Entrarei primeiro”, diz ele. Uma vez dentro, ele se vira e diz: “Tomem cuidado!” Dentro, a iluminação é fraca e há concreto reforçado sem adornos por toda parte –direita, esquerda, cima e baixo. As paredes são da grossura de três pessoas encostadas ombro a ombro. Cheira como se tivesse alguém fazendo uma solda. A seção central do prédio é uma bola de aço monstruosa. Apesar de estar apenas levemente iluminada, ainda dá para perceber as janelas e o metal enferrujado. Não se vê mais os brilhantes mecanismos de alta tecnologia aqui no coração deste complexo perto de Kalkar, uma cidade no Estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, próximo da fronteira com a Holanda. Este reator nuclear era conhecido como SNR-300 “fast breeder”, (que produz mais material nuclear do que consome) e, em certa altura, foi a usina nuclear mais tecnologicamente avançada do mundo. Em sua atual condição, contudo, parece mais um abrigo da Segunda Guerra Mundial. Ferro-velho valendo milhões Han Groot Obbink, um ágil holandês de 50 anos, nos chama para o outro lado; para o mundo de hoje. A porta se abre, e saímos como se estivéssemos voltando de uma viagem no tempo. Subitamente, surge música alta dos alto-falantes, as crianças gritam e nossos narizes se enchem com um cheiro de comida. “Um pouco mais de pintura nas paredes e um pouco de decoração, e o hotel estará pronto”, diz Groot Obbink. é claro, não foi tão simples assim. E ninguém sabe disso melhor do que Obbink, que vem trabalhando como gerente geral do complexo há 15 anos. O local que hoje é conhecido como “Kernwasser Wunderland” (terra da fantasia de Kernwasser) passou por uma metamorfose industrial sem precedentes, como algo saído da ficção científica. Para os alemães, somente um holandês poderia comprar uma usina de energia atômica e transformá-la em um parque de diversões. O complexo de Kalkar não era uma usina nuclear comum, e sim um símbolo nacional, de vários bilhões de marcos alemães, que se tornou um ferro-velho. Após de ser inicialmente comemorada como uma prova do brilhantismo dos engenheiros alemães, passou a simbolizar o poder da resistência jovem e, por fim, o absurdo dos processos decisórios políticos. De fato, após ser construído por 8 bilhões de marcos alemães (em torno de R$ 10 bilhões), o complexo conhecido localmente como “der Brüter” (o super reator) foi destinado a nunca entrar em operação. Após o desastre de Chernobyl, ficou parado por anos porque ninguém queria ter nada a ver com a enorme montanha de concreto. A planta entrou em operação parcial em 1985, mas nunca recebeu materiais atômicos. Sonhos do exterior Aí tudo mudou. Karl-Heinz Rottman, 57, ex-funcionário, conta como ele e seus colegas estavam prestes a almoçar juntos em 1995 quando surgiu o incorporador holandês Hennie van der Most. Na época, diz Rottman, os operários estavam desanimados e muito desapontados. Mas então este homem de cabelos brancos saiu de sua Mercedes preta e disse: “Oi, eu sou o Hennie. Vou comprar tudo isso aqui”. Rottman diz que seu primeiro pensamento foi: “Claro, vai lá.” E foi justamente o que fez Hennie. Filho de fazendeiro e corretor na Holanda rural, pegou emprestado dois milhões de marcos alemães para comprar a usina de energia nuclear que tinha sido celebrada como uma fonte de energia infinita para a era industrial. Seu núcleo de urânio supostamente produziria mais plutônio do que o reator precisava, o que significava que poderia produzir energia para sempre, uma energia limpa e o mais segura possível. Mas em vez de colocar o reator para funcionar, Hennie começou a estripar o lugar. Quantidades imensas de circuitos, bombas, turbinas e outros equipamentos foram parar no lixo. Os engenheiros que haviam se instalado na região mal conseguiram aguentar assistir enquanto sua criação era destruída. E o trabalho foi imenso. Para se protegerem dos piores cenários envolvendo falhas múltiplas, as usinas nucleares têm de três a cinco conjuntos de sistemas de back-up reserva. Mesmo hoje, 15 anos depois, somente um terço do reator foi convertido em parque de diversão. O maior restaurante de bufê livre do mundo Mesmo assim, o lugar ainda é muito impressionante: o parque tem um hotel de 437 quartos, quatro restaurantes que podem atender 2.000 clientes, sete bares, uma pista de boliche, uma pista de corrida de carrinho, uma montanha russa, minigolfe, tênis, trampolim, carrosséis, uma roda gigante e refrigerantes e sorvete o suficiente para manter todas as crianças felizes. De fato, como dizem os anúncios da empresa no acelerador de prótons, o parque “inclui tudo”. Essa característica por si só provocou muitas críticas ao parque, já que nem todos gostam desses lugares que incluem tudo. Kernwasser Wunderland foi chamada de o maior restaurante livre do mundo, e o jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” chamou-o de “Disneylândia de pobre”. Mas a maravilha atômica quer ser mais do que isso. Sua meta é ser tanto um lugar para os jovens caírem na farra quanto um paraíso de vida ao ar livre para aposentados. Quer incluir tudo, desde brincadeiras puxadas a tratores até festas de música brega. “Queremos tudo”, diz Groot Obbing. E agora, um lugar que costumava estar fechado para o mundo recebe até 600.000 visitantes por ano. Ironia poderosa A ideia pode ter futuro. Groot Obbink bate com os dedos em uma bancada cheia de pontos vermelhos no museu do complexo. Cada ponto representa uma usina nuclear na Europa. Há um mar de pontos vermelhos cobrindo a França. Quando foi perguntado sobre toda a comoção na Alemanha em torno da energia nuclear gerada pelo desastre de Fukushima, ele disse que isso não afetou muito seus negócios. Apontando para os mapas, ele diz: “Veja aqui, estamos até construindo outro na Holanda agora também”. Talvez então haja espaço para converter mais usinas nucleares em parques de diversão. De qualquer forma, Groot Obbink não acredita que a recente decisão da Alemanha de extinguir a energia atômica até 2022 tenha sido necessariamente precipitada. “Eu não ligo, de um jeito ou do outro”, diz ele. “Só sei que, se tivermos falta de energia, terei problemas. E também não será bom se a energia ficar mais cara.” De fato, parece irônico que uma instalação originalmente criada para ser uma fonte de energia infinita tornou-se uma consumidora gigantesca, de 3 milhões de quilowatts hora e 550.000 metros cúbicos de gás por ano. De fato, seu consumo gerou a necessidade de se encontrar uma forma de produzir mais energia para Kalkar. Groot Obbink diz que há planos de erguer uma turbina eólica e talvez até uma usina de geração de energia do biogás. O uso de energia renovável para alimentar uma usina atômica que se tornou parque de diversões, isso é que é reviravolta.

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