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Testando o relaxamento político de Mianmar

Delphine Schrank

Em Yangun (Mianmar)

  • Soe Than Win/AP

    Líder da oposição de Mianmar, Aung San Suu Kyi (com o microfone) discursa a militantes na cidade de Yangun no último dia 21

    Líder da oposição de Mianmar, Aung San Suu Kyi (com o microfone) discursa a militantes na cidade de Yangun no último dia 21

As eleições parlamentares de domingo marcarão um primeiro passo crítico na transição do autoritarismo para uma oposição que sofreu mais de 20 anos de prisão, molestamento, exílio e a brutalidade de governantes militares sucessivos.   Na melhor das hipóteses, a Liga Nacional pela Democracia (LND) --o partido da dissidente mais famosa do país, Aung San Suu Kyi-- conquistará menos de um décimo das cadeiras parlamentares no país do Sudeste Asiático (a antiga Birmânia, rebatizada de Mianmar pelo governo militar). Apenas 45 distritos eleitorais dos 659 realizarão eleições, para preencher cadeiras deixadas por legisladores que assumiram cargos no governo.   A LND boicotou a última eleição geral em 2010, que foi manchada por grande trapaça e fraude. Aquela eleição seria o passo final do que a junta mianmarense rotulou como sendo o “roteiro para uma democracia disciplinada” em sete passos.   Agora, dois anos depois, após amplas reformas políticas que incluíram uma redução da censura à imprensa e a libertação de dezenas de dissidentes proeminentes da prisão, a LND está disputando todos os distritos disponíveis.   A previsão é de que Aung San Suu Kyi, que liderou a LND para uma vitória esmagadora em 1990, mas acabou passando 15 dos últimos 21 anos em prisão domiciliar, deverá vencer com facilidade a votação no rural Kawhmu, uma rede de aldeias de bambu e sapé cujo acesso em grande parte é possível apenas de moto.   Sejam quais forem os ganhos da LND no domingo, eles serão muito pequenos para o partido promover as grandes reformas no Parlamento que prometeu, incluindo emendas às cláusulas altamente não democráticas na Constituição de 2008. Todavia, a abertura do processo eleitoral nas últimas semanas --mais notadamente a participação da carismática Aung San Suu Kyi e de alguns novos candidatos dinâmicos da LND-- já representa um triunfo para o partido e para a oposição, que meses atrás ainda era forçada a atuar sob severas restrições políticas e civis.   Os dissidentes de Mianmar --revolucionários veteranos, ativistas da sociedade civil e políticos da LND-- estão tirando máximo proveito do novo espaço político para assegurar que as reformas dos últimos meses não sejam revertidas, e, mais importante, para que levem a mudanças mais profundas.   Aung San Suu Kyi, atualmente com 67 anos, permanece incontestavelmente a líder deles. Desde sua libertação da prisão domiciliar uma semana após as eleições de 2010, ela energizou a oposição e assegurou a permanência de Mianmar no mapa da consciência global. Multidões saíram para saudá-la enquanto percorria o país sob forte calor tropical em apoio a cada candidato da LND, adaptando seu discurso de palanque para tratar das queixas locais, cumprimentando os espectadores e acenando e apertando mãos pelo teto solar de seu utilitário esportivo.   Se as pessoas repentinamente perderam o medo de ir aos seus comícios, disse U Win Tin, o estrategista do partido de 83 anos, que retomou seu velho cargo poucos dias após sua libertação de 19 anos na prisão, foi apenas para ver “a Mãe”, como as pessoas agora chamam Aung San Suu Kyi. Inicialmente, Win Tin aconselhou Aung San Suu Kyi a não participar das eleições, por temer que a LND ainda estava fraca demais.   Para superar essa preocupação, e para fortalecer a base de um partido nascido no enorme levante pró-democracia em 1988, Win Tin, Aung San Suu Kyi e velha liderança da LND eliminaram a rígida hierarquia que alienava os ativistas mais jovens. Eles também buscaram líderes mais jovens dinâmicos em meio à oposição, alguns deles recém-saídos da prisão.   Naing Ngan Lin, que com 35 anos é o segundo candidato mais jovem da LND, é um representante do sangue novo. Ele está concorrendo em Naypyitaw, a ampla nova capital, habitada principalmente por funcionários públicos ou trabalhadores não qualificados.   “Quando cheguei aqui, as pessoas não gostavam de mim”, ele disse. “Eu não era famoso, não era um ex-preso político. Eu via isso nos rostos deles.” Nascido e criado em uma favela de Rangum, ele ainda não visitou nenhum dos novos monumentos grandiosos da cidade –um vasto pagode, um zoológico muito badalado, um museu. Em vez disso, ele passou as últimas semanas percorrendo trechos com mansões em construção e vilarejos com casas de sapé e folhas de palmeira, onde seus eleitores se queixam de terem sido expulsos de suas fazendas, forçados por grandes empresas dirigidas pelas autoridades que controlam a economia do país.   Os candidatos mais jovens realizaram grandes comícios, subiram em palanques e distribuíram panfletos de modos por muito tempo impossíveis, combatendo as pequenas restrições e proibições das autoridades locais ao uso desse campo de futebol ou daquele pagode.   Em um distrito eleitoral, Mingalar Taung Nyunt, membros da LND viraram recentemente a noite na montagem de um concerto de rock em apoio a Phyu Phyu Thin, um candidato local que já era uma espécie de celebridade, por manter uma clínica de HIV/Aids em uma época em que a junta militar se recusava a reconhecer a existência da doença. Quando as letras políticas subversivas começaram a ser cantadas, já era tarde demais para os políticos locais impedi-lo.   O repertório do partido inclui um rap baseado em um poema revolucionário da era colonial --“Acorde, Myanmar!”-- composto pelo candidato Zay Yar Thaw da LND, um rapper conhecido que passou anos na prisão por ser cofundador de um grupo jovem dissidente chamado Geração Onda.   A bandeira da LND --um pavão de briga dourado intenso contra um fundo escarlate que há poucos meses significava a ida certa para a prisão-- agora é exibida orgulhosamente em bolsas, carros, camisetas, até mesmo em testas e bochechas. Diretórios da LND brotaram em residências particulares em cidades e aldeias por todo o país.   O teste dos limites do que é politicamente possível se estende a todos os setores. A censura à imprensa ainda restringe notícias sobre assuntos sensíveis como o monasticismo, a guerra civil no Estado de Kachin, no norte, ou os magnatas empresariais com laços com altos generais. Mas os jornalistas agora respondem às reprimendas do Comitê de Escrutínio da Imprensa publicando assim mesmo.   Uma campanha está em andamento para quebrar o monopólio de telecomunicações sobre cartões SIM; operários de fábricas realizaram greves para melhores salários e condições; e vários grupos estão fomentando uma oposição popular a vários projetos de barragens e extração de petróleo, após o sucesso de uma campanha que resultou na suspensão das obras em uma hidrelétrica apoiada pelos chineses em Myitsone.   Para os dissidentes, há uma distinção crítica entre as reformas das últimas semanas --que um líder político chama de meras “medidas corretivas”-- e as mudanças mais profundas em tudo, da educação à economia, que eles acreditam que permitiria a Mianmar se erguer de novo.   Elas exigirão mais do que o punhado de cadeiras parlamentares que a oposição provavelmente conquistará no domingo.   “Eles trapacearam em 2010, mas querem ser vistos como neutros em 2012”, disse Phyo Min Thein, um candidato da LND e ex-preso político, a respeito dos generais. “Mas ninguém pode dizer se eles serão neutros e independentes em 2015”, quando as próximas eleições gerais serão realizadas. “Sanções serão suspensas, haverá um governo legal, então em 2015 a questão aparecerá. Isto é, em 2015, a LND vencerá. Ela claramente vencerá. Mas a questão é: eles abrirão mão do poder?”   (Delphine Schrank é uma ex-redatora do “The Washington Post” cuja pesquisa em Mianmar é possibilitada por uma subvenção do Fundo Investigativo do Nation Institute)

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