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Aos 88 anos, presidente do Zimbábue resiste a deixar o poder depois de três décadas

Xavier Aldekoa

  • Jekesai Njikizana/AFP

    Presidente do Zimbábue, Robert Mugabe

    Presidente do Zimbábue, Robert Mugabe

De repente, todos firmes. Local cheios de militares, quatro carros pretos, duas motos de polícia e uma ambulância em fila indiana anunciam que o líder acaba de chegar. O hotel Rainbow Towers, em Harare, entra em prontidão. Robert Mugabe entra em cena rodeado de guarda-costas com cara de poucos amigos, apesar de chegar meia hora atrasado, para para cumprimentar um por um todos os empregados das barracas com artesanato local no saguão do hotel. Caminha decidido, com passos largos, como se quisesse mostrar que não é idoso. Mas uma placa traidora diz que ele é. Em uma coluna, um retângulo de cobre lembra que esse hotel foi inaugurado pelo próprio Mugabe há quase três décadas. O chefe de Estado mais velho do mundo, que completou nesta terça-feira 88 anos, está há 32 no poder. E sua intenção não é exatamente ceder o trono. Em uma entrevista na última terça-feira (21) na rádio estatal zombou dos que insistem que lhe resta pouco tempo. "Morri muitas vezes, nisso ganho de Jesus Cristo; ele morreu uma vez e ressuscitou só uma vez", disse. Suas constantes viagens imprevistas (no ano passado foi oito vezes a Cingapura tratar de um problema de catarata, segundo a versão oficial) alimentam os rumores de que, como afirmava um telegrama da embaixada americana vazado pelo WikiLeaks, está doente de câncer. Mugabe nem se abala. Há algumas semanas gabou-se de ter os ossos de um homem de 40 anos e avisou que pretendia chegar ao centenário em plena forma e à frente do país. O Zimbábue treme só de pensar nisso. Embora Mugabe fosse figura chave na luta pela independência, sua estrela libertadora se apagou faz tempo. Depois de ser o celeiro da áfrica do Sul e uma das economias mais musculosas da região, o país acumula hoje denúncias por abusos dos direitos humanos e mais de dois terços de seus habitantes vivem abaixo do limite de pobreza. O dado não servirá para contenção. Como sempre, a festa de aniversário de Mugabe não poupará gastos. Além do bolo gigante de rigor, foram organizados um concurso de beleza, um torneio de futebol e um concerto com os principais músicos do país. Cerca de 5 mil membros do Zanu-PF, partido de Mugabe, participarão de uma festa com um custo estimado em 700 mil euros. Dificilmente se escutará alguma crítica. Na terça-feira o jornal "Herald" publicou um especial de 22 páginas com felicitações. O Zimbábue é hoje um país em que todo mundo fala de Mugabe sem falar. Onde a crítica se faz olhando por cima do ombro, caso haja ouvidos indiscretos próximos, e onde a queixa é sempre anônima por temor. Dois zimbabuanos concordaram em opinar sobre a situação do país se a conversa ocorresse dentro do carro e sem testemunhas. Não é paranoia. Em 2008, durante a violência eleitoral, o exército e a polícia participaram das agressões que deixaram uma centena de mortos, e com frequência o controle da mídia e dos cidadãos é asfixiante. A situação política não convida à alegria porque o governo de união com que se encerrou em falso a crise poderia explodir. Em um bar de Harare, um dos advogados que revisam a nova Constituição, muito próximo do opositor Movimento pela Mudança Democrática (MDC), se valeu do esconderijo de fumaça do bar e de duas cervejas para soltar a língua: "O partido de Mugabe quer eleições já porque não sabe quanto vai durar seu líder, mas nós queremos antes instituições fortes para ter garantias de que não voltarão a roubar as eleições como há quatro anos". O MDC quer aprovar este ano em referendo a nova Carta Magna. Para Mugabe as garantias democráticas dão na mesma. Na semana passada acusou de "covardes" os que não querem enfrentá-lo nas urnas. Disse que não procurem substituto para ele. Mugabe quer ser eterno.  

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