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Os mais ricos do mundo global moldam as leis e a sociedade a sua própria imagem

Andrew Adonis*

  • Kamran Jebreili/AP

     Bill Gates, fundador da Microsoft, é um dos homens mais ricos do planeta

    Bill Gates, fundador da Microsoft, é um dos homens mais ricos do planeta

Em 2009, a Gates Foundation distribuiu US$ 1,8 bilhão em ajuda financeira para melhorar o setor de assistência médica de países em desenvolvimento. Se fosse um país, a fundação seria a 10ª maior doadora mundial de recursos internacionais. Suas operações certamente se assemelham às de um país – com uma sede de  oito hectares localizada em Seattle, onde trabalham 1.000 funcionários, e um serviço diplomático virtual atuando nos países auxiliados. Suas instalações são projetadas para se parecer com braços prontos para abraçar o planeta.   Esta é a face mais atraente da plutocracia e dos “novos super-ricos globais”, descrita por Chrystia Freeland em seu novo livro “Plutocrats” (Plutocratas). “Depois de ganhar alguns milhões, tudo gira em torno da questão de como você vai conseguir retribuir”, como diz Bill Gates. Mas há também aspectos menos atraentes desse grupo de pessoas.   Um século e meio atrás, Alexis de Tocqueville escreveu sobre os Estados Unidos: “Nada me impressionou mais fortemente do que a igualdade geral de condições entre as pessoas”. Hoje, 20% dos norte-americanos detêm 84% da riqueza dos EUA. O 1% mais rico da população detém quase um terço de toda a riqueza do país.   Qual é a dimensão da plutocracia mundial? Na definição do Credit Suisse, os “indivíduos donos de um elevadíssimo patrimônio líquido” são aqueles com ativos líquidos superiores a US$ 50 milhões. No ano passado, o banco informou que o número total desses indivíduos em todo o mundo havia aumentado para estimados 84.700, dos quais cerca de um terço possuía ativos líquidos de mais de US$ 100 milhões. Quase a metade dessas pessoas está na América do Norte e um quarto está na Europa.   “Os últimos dez anos têm sido especialmente propícios para a criação de grandes fortunas”, observou o Credit Suisse, contrariando as expectativas de que o crash de 2008 poderia frear ou mesmo desacelerar essa tendência. Portanto, estamos falando de uma plutocracia global bastante numerosa, que é definida pela renda e cujo estilo de vida e os costumes influenciam um grupo que vai além dos meramente “super-ricos”.   Nesse cenário, a grande e não explorada questão está relacionada à compatibilidade dessa plutocracia com a democracia moderna. Esta é uma questão mais específica do que a crescente concentração de riqueza na sociedade em geral. Ela tem a ver com o status político da nova classe dos super-ricos e com sua capacidade de moldar as leis e a sociedade a sua própria imagem. “Descobrir como os plutocratas estão ligados ao restante de nós é um dos desafios da ascensão da super-elite global”, argumenta Freeland.   O fracasso das políticas públicas para combater os excessos mais selvagens da ganância empresarial que criam e sustentam grande parte da plutocracia de hoje é um desafio que definirá a política progressista durante a próxima década.   Os super-ricos de hoje acreditam que merecem a riqueza de que desfrutam, da mesma forma que a aristocracia britânica do século 19 e do início do século 20, que lutou amargamente contra a ascensão da democracia. Esses super-ricos estão constantemente olhando por cima de seus ombros para aqueles que são ainda mais ricos do que eles e que os fazem sentir quase pobres. E eles acreditam que sua renda é altamente vulnerável e está sob ataques políticos constantes. Como escreveu Robert Harris em seu romance “The Fear Index” (“O índice do Medo”, em tradução livre): “Agora ele estava se lembrando  por qual motivo não gostava dos ricos: a auto-piedade deles. A perseguição era tema principal de suas conversas, assim como os esportes e o clima para o restante das pessoas”.   Os plutocratas estão lutando arduamente contra o requisito mínimo irredutível da igualdade democrática – que exige eles contribuam para o estado na mesma medida que o restante da população. Graças, em parte, ao exame minucioso da situação fiscal de Mitt Romney, as pessoas agora sabem que os plutocratas não contribuem da mesma maneira que elas. Não é que eles paguem um pouco menos de imposto, proporcionalmente, do que a classe média. Eles evitam e fogem totalmente dos impostos, práticas que são cortesia dos paraísos fiscais, das brechas fiscais e dos contorcionismos que possibilitam tratamentos fiscais diferenciados para diferentes classes sociais e locais de origem de rendimentos e bens. Esse sistema é organizado pelo que Freeland chama de “indústria da defesa da renda”, com seu arsenal internacional de advogados, contadores e consultores, que ganham muito mais do que os funcionários públicos que eles confrontam e rotineiramente vencem usando de sua astúcia.   “Entre o 1% mais rico, quanto mais rico você for, mais baixa será sua alíquota do imposto de renda efetiva”, escreve Freeland. Em 2009, o 0,1% mais rico da população norte-americana pagou apenas 21% de alíquota. Os 400 maiores contribuintes dos EUA pagaram menos de 17% de sua renda em impostos.   Ao abordar interesses profundamente arraigados, é imperativo que se adote uma reforma simples e de fácil compreensão, que não possa ser contestada por gente com ar intransigente. No caso dos plutocratas, a reforma é simples: eles devem pagar imposto sobre seus rendimentos gerais, seja qual for sua origem, e esse imposto não deve ser inferior à alíquota média paga pelos assalariados de renda média. Eu acredito que essa reforma será o teste mais importante para a reconciliação entre a plutocracia e a democracia durante a próxima geração.   Quando o presidente Barack Obama sugeriu uma reforma modesta para alcançar esse objetivo – segundo a qual as empresas de private equity* não deveriam ser capazes de isentar do pagamento de imposto de renda grandes parcelas dos rendimentos de suas equipes ao batizar essas parcelas de “juros transitados” (carried interest) –, Steve Schwarzman, fundador da Blackstone, gigante do setor de private equity, disse que foi “como quando Hitler invadiu a Polônia em 1939”.   Parece que estamos diante de uma luta política heroica. Que se inicie a batalha.   *Andrew Adonis, ex-ministro do Partido Trabalhista, é autor de “Making Aristocracy Work” – “Fazendo a Aristocracia Trabalhar”, em tradução livre.     *Private equity são empresas de capital de risco que compram participações em outras empresas.

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