Bolsonaro não traria retrocesso a relações internacionais, diz ministro
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Fátima Meira/Futura Press/Folhapress
Aloysio Nunes (PSDB), ministro das Relações Exteriores
Para o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes (PSDB), o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) "joga de acordo com as regras da democracia" e não traria "nenhum retrocesso" para as relações internacionais do Brasil, caso seja eleito.
"Nós temos opiniões conservadoras, fortemente conservadoras na sociedade brasileira, que se refletem na política. Elas não tinham encontrado até agora um canal de manifestação política. Agora encontraram no Bolsonaro", afirmou o chanceler em entrevista exclusiva à BBC News Brasil na sede das Nações Unidas, em Nova York.
Bolsonaro é líder nas pesquisas de intenção de voto e foi alvo de comentários nos corredores da ONU após ser classificado como "ameaça à democracia" em reportagem de capa da revista The Economist.
Em mais de 30 minutos de perguntas e respostas, Nunes não fez nenhuma menção ao colega de partido Geraldo Alckmin. Apesar de ter a maior coligação e tempo de televisão entre os presidenciáveis, o tucano amarga um distante quarto lugar nas pesquisas, com menos de um terço das intenções de voto de Bolsonaro.
Diferente de Nunes, Alckmin se refere ao oponente como "o candidato da intolerância" e já afirmou que uma eventual vitória do militar reformado levaria o país ao caos.
Desde o último domingo, quando chegou a Nova York para representar o Brasil na Assembleia Geral da ONU, o ministro já se reuniu com autoridades da União Europeia, Mercosul, Áustria, Colômbia, Lituânia, Líbano, Luxemburgo e Singapura em busca de novas parcerias políticas e comerciais.
Nesta quinta-feira, acontece um esperado encontro entre Nunes e o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza. Será a primeira reunião entre os chanceleres desde a suspensão temporária das relações diplomáticas entre os dois países, em dezembro, quando embaixador brasileiro em Caracas foi expulso e tratado como "persona non grata".
Sobre as chances de reconciliação entre os dois países, que protagonizam acusações frequentes em plenárias como as da Organização dos Estados Americanos (OEA), Nunes optou por um tom moderado, disse que "não há hostilidade" e garantiu que o Brasil não adotará as novas sanções recém-anunciadas por Donald Trump contra o regime de Nicolás Maduro.
O mesmo comportamento será adotado em relação ao Irã, classificado pelo presidente americano na última terça-feira como "ditadura corrupta" que "semeia caos, morte e destruição". À BBC News Brasil, o chanceler brasileiro "lamentou o retrocesso" nas relações entre EUA e Irã, que classificou como "um país de grande tradição e enorme importância".
Empenhado em agregar apoio para uma reforma no Conselho de Segurança da ONU e na assinatura de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, Nunes também revelou interesse pela adoção de uma moeda única na América Latina, seguindo os moldes do euro.
"Simpatizo muito (com a ideia). E também acho que no futuro podemos ter (no Mercosul) integração até no nível político, como na União Europeia, com instâncias políticas decisórias comuns."
Veja a seguir os principais trechos da entrevista do chanceler à BBC News Brasil.
BBC News Brasil - O senhor tem participado de encontros com líderes estrangeiros na ONU. Qual será o primeiro a render efeitos práticos para o Brasil?
Nunes - O encontro que tem relevância mais imediata foi com a comissária (para Comércio) da União Europeia (UE), Cecília Malmstrom, sobre o acordo de comércio que estamos negociando entre Mercosul e UE. É importante para o Mercosul, porque vai permitir acesso a um mercado enorme, com grande poder aquisitivo.
Do ponto de vista político e estratégico, é uma diversificação das relações externas do Mercosul com uma região economicamente da maior relevância.
As negociações começaram há 18 anos, e só nos últimos dois anos, especialmente depois da mudança nos governos do Brasil e da Argentina em prol de uma política de maior abertura, elas ganharam novo impulso. Ela está em momento crítico, final, mas ainda existem questões delicadas que precisam ser resolvidas dos dois lados.
Nesta conversa, estabelecemos uma lista de problemas que na visão da UE ainda não têm solução.
BBC News Brasil - Quais são?
Nunes - Algumas são grandes, importantes, como a possibilidade de um acesso maior dos produtos agrícolas do Mercosul.
Produtos como carne e açúcar, no estado atual do acordo, estão sujeitos a cota. Nós compreendemos as razões da proteção europeia à sua agricultura, mas acreditamos que 100 mil toneladas de carne bovina para um bloco que consome 8 milhões de toneladas não vão ameaçar a existência dos fazendeiros europeus. Pretendemos que pelo menos não haja tarifa cobrada dentro desta cota.
Algumas questões são bastante irrelevantes. Por exemplo, o tamanho de garrafas do comércio de vinhos. Eu prefiro me dedicar ao conteúdo e não ao tamanho das garrafas (risos).
Por iniciativa da Presidência uruguaia, os presidentes (dos países do Mercosul) determinaram a revisão dessa lista para eliminar o que não for realmente importante e nos concentrarmos nos temas decisivos.
BBC News Brasil - O que será discutido com a Venezuela?
Nunes - Foi iniciativa deles. Temos relações diplomáticas e não há razão para negar os encontros. Temos uma fronteira bastante extensa, uma comunidade brasileira importante morando lá, três consulados, uma imigração sem uma dimensão dramática como a que existe em direção a outros países.
Nos preocupa o ponto de vista da saúde. Queremos há bastante tempo uma cooperação em matéria de vigilância epidemiológica e vacinação. Já propusemos, à semelhança do que temos com os outros vizinhos, um programa de cooperação contra crimes transnacionais. Vou tratar desses temas, eles nos interessam. A nossa posição em relação a Venezuela é conhecida e temos tratado das nossas diferenças na OEA e no Mercosul.
BBC News Brasil - Pode-se esperar uma redução nas hostilidades entre os dois países? Há clima de reconciliação?
Nunes - Hostilidade não há. A Venezuela retirou o embaixador do Brasil logo depois da posse do presidente Temer.
Nós também retiramos, mas depois devolvemos o nosso embaixador a Caracas, sem contrapartida, porque nos interessa manter um diálogo com todos, ainda que não concordemos com a forma como o regime político da Venezuela vem descumprindo compromissos democráticos que assumiu.
BBC News Brasil - Donald Trump anunciou na ONU novas sanções contra Maduro. O Brasil embarcará nelas?
Nunes - O Brasil não adota sanções unilaterais. Nós adotamos aquelas que forem decididas aqui no Conselho de Segurança. Fora isso, não temos.
BBC News Brasil - O mesmo vale para o Irã?
Nunes - O mesmo vale para o Irã.
BBC News Brasil - Como vê a elevação de tom de Donald Trump contra o Irã?
Nunes - O acordo assinado pelo presidente Obama e por países europeus com o Irã foi um enorme passo para o relaxamento da tensão internacional e da incorporação plena à comunidade internacional do Irã, que é um país de grande tradição, tem enorme importância.
Lamento o retrocesso, e os demais países signatários do acordo também lamentam.
BBC News Brasil - O Mercosul tem se aproximado da Aliança do Pacífico (formada por Chile, Colômbia, México e Peru). A meta é uma grande área de livre-comércio nas Américas?
Nunes - Nós teremos na América do Sul, a partir do ano que vem, tarifa zero entre os países. A questão tarifária não será um grande problema. Nós queremos ir além dos acordos de tarifas, queremos facilitação de comércio, proteção e cooperação de investimentos, convergências regulatórias, cooperação aduaneira.
BBC News Brasil - Um dia teremos na América Latina uma situação semelhante à europeia, com livre trânsito e...
Nunes - Espero que sim. Se considerarmos os países da Aliança do Pacífico na América do Sul, nós temos 80% da economia latino-americana. Alguns países estão muito engajados neste processo. O Chile está e estamos negociando um acordo bilateral com esta ambição. O México está muito engajado também.
BBC News Brasil - Há conversas sobre a adoção de uma moeda única?
Nunes - Ainda não. Para moeda única, precisamos ter regras orçamentárias e políticas monetárias comuns, o que ainda está bastante distante, dada a heterogeneidade que existe.
BBC News Brasil - O senhor simpatiza com a ideia?
Nunes - Eu simpatizo muito com a ideia. Simpatizo muito. E também acho que no futuro podemos ter integração até no nível político, como na União Europeia, com instâncias políticas decisórias comuns.
Hoje há uma visão muito compartilhada nos países latino-americanos sobre a importância de parâmetros de transparência, combate à corrupção, responsabilidade fiscal, políticas sociais robustas e focadas nos mais pobres.
Também (há) o valor da abertura e da integração. A opinião pública brasileira, de umas décadas para cá, se coloca senhora de uma identidade latino-americana. Há condições sociológicas, políticas e mesmo o imperativo econômico que favorecem este encaminhamento. Mas eu não seria capaz de dizer em quanto tempo.
BBC News Brasil - A última capa da revista The Economist levanta a possibilidade de risco à democracia no Brasil e na América Latina. O senhor teve um papel de resistência durante o período militar. Como se sente quando vê parte da população brasileira defendendo aquela época e candidatos defendendo torturadores?
Nunes - Bom, a capa da Economist não é muito boa em matéria de profecias.
No Brasil, não há o menor risco de retrocesso em relação à democracia. Ela é solidamente estabelecida na opinião dos brasileiros, nas instituições jurídicas. Não há o menor risco de retrocesso em matéria democrática.
Há hoje duas candidaturas que se colocam como antípodas no universo político brasileiro, que são as candidaturas que estão hoje na frente (Bolsonaro/PSL e Fernando Haddad/PT), mas nenhuma delas contesta o regime democrático, tanto é que se apresentaram perante o eleitorado para obter os seus sufrágios. O deputado Jair Bolsonaro joga de acordo com as regras da democracia. Tanto é que é deputado há 30 anos.
BBC News Brasil - Mas vemos hoje manifestações públicas, protestos de pessoas pedindo o que chamam de "intervenção militar". Como se sente, por mais que estes grupos sejam restritos?
Nunes - São muito minoritários. De vez em quando eu vejo meia dúzia de fanáticos ali em frente ao meu Ministério pedindo intervenção militar sob o olhar, digamos, divertido das pessoas, que olham como quem observa um grupo de lunáticos. Não têm a menor relevância.
Agora, é claro, nós temos no Brasil uma opinião conservadora, de direita, como nós temos na Inglaterra, na França. Nós temos opiniões conservadoras, fortemente conservadoras na sociedade brasileira, que se refletem na política. Elas não tinham encontrado até agora um canal de manifestação política. Agora encontraram no Bolsonaro.
Mas não quer dizer que sejam contrários à democracia, eles são conservadores, especialmente em matéria de costumes.
BBC News Brasil - Mas, segundo as pesquisas eleitorais do primeiro semestre, ao apoiar o Lula, grande parte dos eleitores defendia um projeto oposto ao conservadorismo que senhor descreve.
Nunes - Lula não era absoluto. Ele era importante, as pesquisas davam a ele 30%, 35%. Mas, e os outros?
Há uma corrente conservadora bastante considerável, com expressão no Congresso Nacional. Tanto é que não se consegue tirar a penalização do aborto, consagrada no Código Penal brasileiro. Porque há uma presença no Congresso Nacional que não concorda com isso, e são deputados eleitos diretamente pelo povo.
Então, Lula é um líder político importante, foi condenado por corrupção, por isso não pode participar das eleições, mas não é um líder absoluto no Brasil, pelo contrário.
BBC News Brasil - O líder agora é Bolsonaro.
Nunes - O que quero dizer é o seguinte. Há uma opinião conservadora no Brasil que deseja ordem, o combate frontal à criminalidade, ainda que sem muita preocupação com direitos humanos, e que é muito conservadora, sobretudo em matéria de costumes.
Esta opinião não tinha encontrado até agora um veículo de expressão política. Agora encontrou. Havia encontrado nas eleições parlamentares, mas não em eleição majoritária, como a que estamos vivendo agora.
BBC News Brasil - Qual seria o impacto nas relações internacionais se Jair Bolsonaro virasse presidente do país?
Nunes - Acho que não é bom. Poderá levantar polêmicas que não interessam ao Brasil, porque o Brasil tem visão muito positiva da cooperação internacional, da defesa dos direitos humanos, o multilateralismo.
Mas lembro a você que não teremos apenas eleição presidencial, teremos eleição para o Congresso Nacional. O Brasil é signatário de acordos e convenções aprovadas pelo Congresso e que não podem ser revogadas por uma "penada".
Também temos o poder Judiciário, que vela sobre estes temas, a grande maioria deles já internalizados na legislação. De modo que não creio que possa haver nenhum retrocesso nesta matéria.
Todos os candidatos à Presidência da República e o Congresso Nacional, todos, são favoráveis ao multilateralismo por compreenderem que é preciso ter regras internacionais que precisam ser respeitadas por todos. De modo que não há nenhuma perspectiva de retrocesso na atuação internacional brasileira.
BBC News Brasil - O senhor se reuniu com o G4 (que reúne Índia, Alemanha, Japão e Brasil) e o governo defende a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Qual é o modelo ideal e quais são as conversas entre estes países?
Nunes - Este grupo já se reúne há muito tempo. O objetivo é uma reforma do Conselho de Segurança, para que ele seja mais representativo do que são as Nações Unidas hoje.
A composição se mantém a mesma desde o imediato pós-guerra e o mundo mudou muito. Nós lutamos pelo aumento do número de membros permanentes e não-permanentes e também por uma revisão dos métodos de trabalho, que são muito opacos e fechados.
BBC News Brasil - Como assim?
Nunes - Os membros das Nações Unidas ficam observando o que faz o Conselho, sem possibilidade de participar ou interferir nas deliberações.
Já há movimentos da parte da França, por exemplo, no sentido de uma abertura na negociação sobre direito de veto. Propõe que o veto só possa ser exercido em temas muito, muito graves.
O Brasil até propõe que, durante um certo tempo, os países que vierem a aceder ao Conselho como membros permanentes se abstenham durante certo tempo do uso eventual do direito de veto, até uma reunião de revisão do que for adotado.
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