Inspirados por Marielle, mais negros buscam voz política

Jake Spring

Do Rio

  • Márcia Foletto/Agência O Globo

Quando o cineasta negro Anderson Quack e a rapper Nega Gizza lançaram suas candidaturas para concorrer nas eleições de outubro no Brasil, a ausência de uma colega assassinada deixou uma forte marca sobre o evento em um distrito pobre no subúrbio do Rio de Janeiro.

A estrela política em ascensão Marielle Franco, uma vereadora negra do Rio, foi instrumental em unir os dois candidatos sob a bandeira de seu partido, o PSOL, mas não viveu para vê-los começarem suas campanhas.

Ela foi morta a tiros em março em um assassinato que investigadores relacionaram aos seus muitos anos de denúncia de atividades de milícias nas favelas do Rio. Um suspeito é um também vereador acusado de ligações com as milícias, disseram duas fontes com conhecimento da investigação na terça-feira.

Milhares tomaram as ruas para protestar contra sua morte, que se tornou uma bandeira para moradores de favelas e brasileiros negros que buscam uma voz maior na política de seu país.

"Queria pedir uma salva de palmas para a nossa companheira Marielle que foi uma das maiores incentivadoras neste processo", disse Quack à plateia animada de cerca de 200 pessoas reunidas na terça-feira em um quintal entre prédios no bairro de Madureira, no subúrbio do Rio. "Marielle presente!"

    Quack e Gizza fazem parte da Frente de Favelas do Brasil, um movimento político que tenta unificar o poder de voto de favelas e outros bairros negros suburbanos que historicamente são ignorados e pouco representados na política brasileira.

Cerca de 11,4 milhões de brasileiros moram em favelas, segundo dados do governo, embora um estudo da Organização das Nações Unidas estime a população das favelas em cinco vezes este número, englobando cerca de um terço da população do país.

No entanto, no fim do século 20, favelas recebiam poucos, se algum, serviços públicos e frequentemente eram deixadas fora de mapas oficiais.

    Os protestos em razão da morte da vereadora Marielle galvanizaram os esforços da Frente de Favelas para mudar essa dinâmica, tocando a desilusão generalizada com políticos tradicionais para ganhar mais visibilidade para as preocupações dos brasileiros negros pobres.

    "Para a gente foi um tiro em nós mesmos, foi um ataque à nossa voz", disse Derson Maia, presidente da Frente de Favelas. "(Ela) é uma referência para nós."

    BARREIRAS TRADICIONAIS

Brasileiros que são negros ou "pardos", um termo para pessoas miscigenadas, compõem 55 por cento da população do país, mas constituem apenas 20 por cento do Congresso.

"Essa democracia que todo mundo fala, às vezes ela não acontece. Ele vai acontecer no momento que a gente fizer com que tenhamos muitos parlamentares negros", disse Gizza, a rapper que está concorrendo a um cargo na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, cujo nome real é Giselle Gomes Souza.

O Brasil nunca teve um presidente negro ou pardo e desta vez, apenas uma candidata negra, Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, é uma das principais concorrentes na corrida presidencial.

    "Conseguir candidatura dentro dos partidos da ordem para quem vem de movimentos populares é muito difícil", disse o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), que se identifica como pardo. Ele culpou o alto custo das campanhas para empoderar interesses tradicionais.

    Antes mesmo da arrecadação, a Frente de Favelas enfrentou obstáculos tentando se registrar formalmente como partido, um processo que exige milhares de assinaturas e não será concluído antes da eleição de outubro.

Dado que candidatos precisam estar filiados a um partido registrado para concorrer, a Frente trabalhou para afiliar mais de 70 de seus possíveis candidatos a diversos partidos de centro-esquerda ao redor do Brasil, segundo Maia, que está baseado em Brasília.

    Muitos deles ainda enfrentarão batalhas internas do partido para garantir espaço na eleição, disse ele.

    Enquanto barreiras para entrar na política brasileira são altas, o cientista político Sérgio Praça disse que uma grave recessão e grandes escândalos de corrupção política criaram uma abertura para candidatos outsiders em 2018 que eles raramente tiveram antes.

    "Eu não acho que o sucesso eleitoral desse movimento vai ser enorme, é difícil entrar no sistema político brasileiro, mas certamente as condições hoje são favoráveis para isso. Muito mais do que nas últimas eleições", disse Praça, professor da Fundação Getulio Vargas do Rio.

    Ele disse que a Frente de Favelas pode ter suas melhores perspectivas no Rio, que foi especialmente atingido pela instabilidade política e econômica dos últimos anos.

"É o momento certo para começar um novo movimento político", disse Praça.

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