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"Novos tribunais serão criados em resorts", critica Barbosa em audiência com juízes

Joaquim Barbosa recebeu representantes das três principais associações de magistrados do país em seu gabinete no STF - Carlos Humberto/SCO/STF
Joaquim Barbosa recebeu representantes das três principais associações de magistrados do país em seu gabinete no STF Imagem: Carlos Humberto/SCO/STF

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Brasília

08/04/2013 18h02Atualizada em 09/04/2013 11h00

Em um encontro tenso com as três principais associações de magistrados do país nesta segunda-feira (8), o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Joaquim Barbosa, criticou novamente a criação de mais quatro tribunais regionais federais e afirmou que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) foi aprovada de “maneira açodada, sorrateira”, com a ajuda das entidades. Houve bate-boca e Barbosa chegou a tentar encerrar algumas vezes o encontro, acompanhado pela imprensa. Em certo momento, disse a um dos magistrados que baixasse o tom de voz e só falasse quando autorizado.

“Os tribunais vão servir para dar emprego para advogados (...) e vão ser criados em resorts, em alguma grande praia”, afirmou Barbosa em tom de ironia, acrescentando que gostaria de ter sido ouvido pelo Congresso. “Foi uma negociação na surdina, sorrateira.”

“Se os deputados e senadores soubessem que as turmas recursais recebem um número mais expressivo de recursos, eu duvido que essa PEC teria sido aprovada. (...) Os senadores e deputados foram induzidos a erro. (...) Mais uma vez se toma uma decisão de peso no país sem ouvir o CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. Ou seja, à base de cochichos.”

O vice-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Ivanir César Ireno Jr., interveio e rebateu dizendo que a associação acompanhava o debate sobre a PEC havia anos e que o processo não foi feito de forma sorrateira. A discussão se prolongou por alguns minutos.

“Sorrateira não, ministro. Sorrateira, não. [De forma] Democrática e transparente”, disse Ireno.

“São responsáveis, na surdina, pela aprovação”, retrucou Barbosa.

“Sorrateira, não”, reafirmou Ireno.

Exaltado, Barbosa pediu que ele abaixasse o tom de voz, ao que Ireno retrucou dizendo que era a sua maneira de falar. O presidente do STF, então, respondeu que ele só dirigisse a palavra quando ele pedisse.

“O senhor abaixe a voz que o senhor está na presidência do Supremo Tribunal Federal”, disse Barbosa. “Eu não estou gritando, eu só estou dizendo...”, tentou argumentar Ireno.

Barbosa acrescentou ainda que ele não havia sido convidado para a audiência --apenas os presidentes das três entidades: Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Ajufe e AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).

Joaquim Barbosa discute com juízes durante reunião no STF; ouça

O presidente da Suprema Corte afirmou que as entidades sindicais não tinham legitimidade para representar os órgãos estatais e que estes deveriam ter sido procurados pelo Congresso.

“Os senhores não representam o Conselho Nacional de Justiça. Os senhores não representam o STJ [Superior Tribunal de Justiça], representam seus interesses corporativos legítimos. Mas isso não supre a vontade dos órgãos estatais. Compreendam isso. Os senhores não representam a nação. Não representam os órgãos estatais. Os senhores são representantes de classe. Só isso”, afirmou Barbosa.

Os representantes sindicais pediram a audiência a Barbosa --a primeira concedida em conjunto a eles desde que o ministro se tornou presidente da Suprema Corte, em novembro--para entregar um documento com reivindicações da categoria.

O presidente do STF disse ainda que, quando as entidades tivessem alguma reivindicação, que as apresentassem para sua assessoria em vez de ir à imprensa. Nelson Calandra, presidente da AMB, respondeu que a solicitação do encontro foi feita em dezembro passado.
 
Barbosa argumentou que sua agenda é muito cheia e, dirigindo-se a Nino Toldo, presidente da Ajufe, afirmou que havia recebido “esse senhor” não fazia nem quatro meses. Em resposta, ouviu: “Meu nome é Nino Toldo”, ao que respondeu, rispidamente: “Eu não tenho obrigação de saber o seu nome. Lembro da sua fisionomia”.

Logo no início do encontro, o clima já ficou tenso quando os representantes disseram que queriam apresentar reivindicações “para fortalecer o Estado democrático de direito” e Barbosa retrucou, questionando se eles achavam que o Estado democrático de direito estava enfraquecido no Brasil. “A democracia no Brasil é a mais consolidada da América Latina.”

Ante a reivindicação dos magistrados de voltar o pagamento de adicional por tempo de serviço, Barbosa respondeu secamente: “Eu não tenho controle da bolsa do país”. O presidente do STF também criticou os juízes que passam o "pires na mão"  atrás de apoio político para ganhar uma promoção.

A PEC foi aprovada na semana na Câmara dos Deputados Deputados e já havia passado no Senado. Agora, segue para a promulgação do Congresso Nacional. A medida cria tribunais com sedes em Belo Horizonte, Salvador, Curitiba e Manaus. Atualmente, existem cinco tribunais regionais --Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul, que julgam processos com origem nos demais Estados.
 
Ao final da reunião, Calandra evitou mais polêmicas e disse que o encontro foi importante para estabelecer diálogo entre as entidades e o STF. Toldo, da Ajufe, reconheceu, porém, que o clima tenso da reunião indica que "não será fácil".

Na semana passada, Barbosa já havia criticado a medida, preocupado com os gastos decorrentes da criação dos tribunais. "Serão necessários dispêndios, por exemplo, como ativos permanentes de expressiva monta, sua manutenção, materiais de uso e de consumo, bem como com a folha de pagamento dos respectivos membros e servidores, aos quais deverão ser acrescidos os gastos com a criação de novos cargos dentro de outras carreiras jurídicas imprescindíveis à prestação jurisdicional", afirmou à época.