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Vaidoso, Randolfe reclama da própria voz e diz que recusará doação de banco

Senador Rodrigues (PSOL-AP), pré-candidato à Presidência da República - Geraldo Magela/Agência Senado
Senador Rodrigues (PSOL-AP), pré-candidato à Presidência da República Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Brasília

19/05/2014 06h00

Pré-candidato do PSOL à Presidência da República, o senador Randolfe Rodrigues (AP) diz, em entrevista ao UOL, que nunca tomou um porre na vida nem fumou maconha. Diz ainda que se incomoda com a própria voz e que pretende recusar doações de bancos à sua campanha.

Embora não precise mais dos óculos, afirma que vai continuar com o acessório porque o eleitorado o associa a ele. Preocupado com a imagem, fez luzes no cabelo e tentará correr atrás do prejuízo para eliminar os “dois quilinhos” a mais que já ganhou na pré-campanha.

Duas vezes deputado estadual pelo PT, migrou para o PSOL em 2005. Foi eleito senador em 2010 com 203 mil votos e, aos 38 anos, três anos a mais que o mínimo para ocupar o cargo, tornou-se o senador mais jovem daquela legislatura.

Combativo, ganhou visibilidade ao apresentar algumas das principais representações contra autoridades, como a que pedia a cassação do então senador Demóstenes Torres (GO). Decidiu peitar o veterano José Sarney (PMDB) na disputa pela presidência da Casa em protesto, melando a candidatura única, e ganhou o apelido do personagem Harry Potter.

Apresenta-se como contraponto às principais pré-candidaturas --Dilma Rousseff (PT), do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB)--, mas diz estar ciente das dificuldades que terá pela frente: “Meus três principais adversários têm jatinho, né? E a gente tem que ter a boa vontade dos amigos, de carro e avião de carreira. Então, tem com certeza uma desigualdade nas campanhas, mas ‘c’est la vie’, assim que é a vida, vamos fazer a campanha assim mesmo”.

Na última pesquisa feita pelo Datafolha, publicada no começo de maio, Randolfe aparece com 1% das intenções de voto.

Formado em história, foi pai pela primeira vez aos 21 anos, e hoje tem no seu neto, Antônio Gabriel, de um ano e meio, o seu maior xodó. “Ele reconhece o avô, fala avô, sente a falta do avô”, gaba-se.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

UOL - O que a sua candidatura traz de diferente?

Randolfe Rodrigues - Vai representar exatamente uma alternativa a esta velha política. Qualquer um dos três candidatos [Dilma, Aécio e Campos] que representam este programa terá os de sempre no seu arco de apoio, terá aqueles que mandam no Brasil nos últimos 50 anos. Eles terão na sua base de apoio Sarney, o presidente do Congresso Nacional, senador Renan [Calheiros], terão até [o deputado Paulo] Maluf [PP-SP], que está na base de apoio do governo desde a ditadura militar. Conosco, esta turma vai para a oposição.

UOL - Mas como governar sem alianças?
A pergunta é: com quais alianças nós vamos governar? Essas alianças, com este velho PMDB, do senador José Sarney, do presidente do Congresso Nacional, do sr. Eduardo Cunha [líder do PMDB na Câmara], que colocou uma emenda lá na Câmara dos deputados anistiando R$ 2 bilhões para os planos de saúde? Isso é aliança ou é negócio?

UOL - De quem teria apoio durante a campanha e em um eventual governo?
Queremos prioritariamente construir alianças sociais. Mesmo porque o velho modelo de partido político que está aí, lamentavelmente, está caducado. Esse modelo tem sido questionado nas ruas.

UOL - Como seria na prática?
Tomar decisões através de plebiscito, como está na Constituição. Tomar decisões chamando referendo, chamando para elas serem referendadas pelo voto popular. Isso é necessário ser exercido, [mas] o que ocorre é que os meus colegas aqui no Congresso Nacional têm uma distância de povo. Quando se fala nisso [em consulta popular], saem correndo, não gostam disso.

UOL - Sobre quais temas a sociedade seria consultada?
Todos os temas de interesse nacional, todos os temas em que o governo achar que necessitam de participação popular, que são cruciais para as decisões do governo.

UOL - A presidente Dilma chegou a propor um referendo ano passado sobre reforma política, mas não foi bem-sucedida...
Eu gosto muito de uma poesia do Nando Reis, um dos meus poetas prediletos da música brasileira. Ele diz num trechinho da poesia: “Tudo que acontece na vida tem seu momento, seu destino”. Neste caso, a presidente estava no momento e no destino errado. Ela utilizou o plebiscito para fugir da crise política e não como convicção política dela. Eu estou apresentando plebiscito e referendo como programa de governo.

UOL - Temas polêmicos como aborto e maconha poderiam ser alvo de consulta?
Seriam temas que nós colocaríamos muito à vontade para apreciação popular, assim como o Uruguai o fez.

UOL - É favorável à descriminalização da maconha?
Eu quero abrir o debate em relação à descriminalização e travar esse debate com a sociedade.

UOL - Como deve ser tratado o usuário?
É uma questão de saúde. Tem várias abordagens: tem o uso terapêutico da cannabis, que não tem sequer regulamentação no Brasil. Isso é de um medievalismo que não tem igual. A segunda questão é de saúde pública e de segurança pública. Quero tirar os adolescentes e jovens da boca do tráfico de drogas e, se esse [a descriminalização] for o caminho para tirar, eu quero beber na fonte da experiência do Uruguai.

UOL - O senhor já fumou maconha?
Nunca. Eu sou a melhor pessoa para debater isso. Não tem maior careta do que eu. Eu passei pela minha adolescência, pela minha juventude, eu nunca fumei cigarro. Até os meus 21 anos de idade, eu não tomava vinho. Aos 22 ou 23 anos de idade, foi que, em um momento ou outro, eu tomei um gole de vinho. Você acredita que eu nunca tive um porre na vida? E eu fui cursar história, que é um curso muito sensível a esse tema e eu nunca passei perto [de maconha]. Então, não tem mais careta do que eu, reconheço. Por isso, acredito que sou a pessoa mais adequada a fazer o debate sincero, fraterno, amplo e franco sobre esse tema.

UOL - É a favor da legalização total do aborto?
Sou cristão, sou católico. Agora, eu não vou trazer para esse debate a minha fé como dogma. Não vou me esconder atrás de uma basílica, atrás da minha fé e colocá-la como dogma pra esconder a realidade. A realidade hoje é que milhões de mulheres são vítimas no Brasil de abortos clandestinos. Então, esse é um tema que tem que ser debatido com a sociedade brasileira.

UOL - Mas qual é a sua opinião pessoal? Contra ou a favor?
Se a minha opinião pessoal fosse voltada e baseada apenas na minha fé, seria uma. A posição do meu partido, o PSOL, é favorável. Como presidente da República, esse é um tema que vou levar ao debate com a sociedade brasileira e a sociedade brasileira vai resolver.

UOL - Como será o financiamento da sua campanha?
Nós não receberemos recursos do latifúndio nem de grandes empreiteiras. Sobre recursos de outro tipo de contribuição, deliberaremos na coordenação de campanha e na direção do partido. Priorizaremos recursos de pessoa física e seremos transparentes na divulgação da origem desses recursos.

UOL - Não vai, então, aceitar doações de empresas privadas?
Em princípio, não. Se viermos a receber qualquer doação de empresa, vamos avaliar. Podemos receber, mas iremos definir. E destes tipos de empresa latifúndio/agronegócio, capital financeiro/bancos e empreiteiras não receberemos em hipótese alguma.

UOL - Quais são os principais desafios em um eventual governo?
É mudar, em especial, a ordem econômica, a ordem tributária no país. O Brasil, nos anos 1950 e 1960, era responsável por 2,9% do parque industrial do planeta. Hoje, temos 1,6%. O Brasil desindustrializou. Na primeira década do século 21, nos transformamos num fornecedor de matéria-prima. Não podemos nos conformar com esse papel subalterno. Pior que isso, quando a nossa economia cresceu, e cresceu timidamente nos últimos dez anos, ela não distribuiu renda. Até o parco crescimento social que dizem, porque é balela essa história de nova classe média, não representou ascensão social. Não temos nada de nova classe média no Brasil, ainda somos um dos países mais desiguais da América Latina.

UOL - Durante a sua campanha, qual vai ser a estratégia para driblar o pouco tempo de propaganda na TV?
Nos restam poucas alternativas, vamos contar com a mobilização de corações, mentes da juventude, do povo brasileiro, com a nossa militância. E vamos precisar muito das redes sociais e vamos apostar nesse mecanismo.

UOL - Que cuidados destina à imagem? É verdade que não precisa mais dos óculos?
Na verdade, com o tempo, minha limitação para enxergar foi reduzindo e, graças a deus, eu fui melhorando. [Mas] todo mundo me conhece pelos óculos e eu também já estou acostumado. Deixa passar a eleição, vamos continuar usando óculos até terminar a eleição.

UOL - E o que mais?
Ah, eu me incomodo muito, vou confessar para você, algumas pessoas dizem que é normal, mas eu mesmo me incomodo muito com a minha voz. Eu acho estridente demais. Quando eu me ouço, eu me incomodo. Eu imagino os outros que me ouvem.

UOL - Faz sessões de fonoaudiologia?
Quando preciso de fono, é menos para melhorar a voz, porque, quando discurso, eu não disciplino a voz, acabo ficando muito rouco, falo demais. Tem um adágio na minha terra que diz: ‘Papagaio velho não aprende a falar’. Eu já estou com essa voz até agora, então, se não foi a adolescência que a melhorou, as pessoas vão ter que conviver com ela assim. Como eu fui eleito deputado estadual certa vez com essa voz, como o povo do Amapá me elegeu senador com essa voz, eu espero que o povo brasileiro seja tolerante com ela.