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Vizinho do Palácio do Catete lembra morte de Getúlio: não podíamos entrar na rua

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

24/08/2014 06h00

Ao passar pelo portão da pequena vila de casas onde mora desde a adolescência, o economista aposentado mineiro João Bouhid, 86, se depara com o Palácio do Catete, ex-sede do governo federal, na zona sul do Rio de Janeiro. Daquele lugar, há exatas seis décadas, ele presenciou a comoção popular gerada pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas, na manhã do dia 24 de agosto de 1954. 

“A notícia da morte dele foi uma catástrofe, uma verdadeira calamidade. O povo se aglomerou ao redor do palácio. A tristeza foi muito grande porque ele era muito querido”, recorda. “Todo mundo sentiu um abalo tremendo.” 

A presença de uma multidão nas ruas que cercam o prédio histórico, hoje sede do Museu da República, quase impediu que João conseguisse entrar na própria casa. “O povo cercou o palácio de tal maneira no dia da morte e no dia seguinte que o Exército teve que interditar a área e nós [moradores] não podíamos entrar na nossa rua, a Silveira Martins. Foi um sacrifício para convencer um policial a me acompanhar até minha casa”, conta o aposentado. 

A notícia da morte de Getúlio, que disparou um tiro contra o próprio coração, dentro de seu aposento, no terceiro andar do palácio, pegou o país de surpresa e alterou a rotina de toda a população do Rio de Janeiro. Na manhã daquele dia, o estofador aposentado Paulo Senatore, 70, à época um estudante de dez anos de idade, estava dentro de uma sala de aula, na Escola Municipal Deodoro, na Glória, quando a diretora da instituição entrou acompanhada de um policial. 

“A diretora anunciou que o presidente havia falecido –não falou em suicídio-- e informou que, por precaução, o policial iria nos escoltar para casa. Eu vi aquele rebuliço na rua, muitos policiais até entrincheirados. Eu, como criança, não entendia direito, mas senti o clima de tristeza”, relata Paulo, “nascido e criado no Catete”. 

“Depois, no velório, formaram filas quilométricas para ver o corpo dele. Eu não pude entrar porque era menor de idade, mas foi até bom porque naquela época eu tinha um medo danado de defunto”, conta o vizinho do Palácio. Segundo Paulo, o clima de pesar se instalou em todo o bairro e dentro de casa. “Meu pai era apaixonado pelo Getúlio, era fã número um. Ele ficou consternado.”

Morador do Catete há 48 anos, o bancário aposentado Hélio Reis, 81, vivia com os pais em uma casa no bairro da Saúde, Centro do Rio, quando soube que Getúlio havia saído “da vida para entrar para a História”. “Foi a maior comoção que eu já presenciei em toda minha vida”, declara. 

“Eu soube da notícia pela voz de Heron Domingues [locutor do Repórter Esso], na Rádio Nacional, e saí de casa para assistir a saída do corpo dele do palácio. O caixão saiu por aqui”, relata, apontando para uma das portas do prédio, “e foi carregado pelo povo, todo mundo chorando”. Da capital fluminense, o corpo de Getúlio seguiu para sua cidade natal, São Borja, no Rio de Grande do Sul, onde foi enterrado. 

Em vida, a presença de Getúlio no Catete conferia prestígio ao bairro, segundo os moradores. João Bouhid se lembra de ter presenciado diversos discursos que o presidente tinha o hábito de fazer da sacada do palácio, voltada para a rua do Catete. “Eu ia pegar o bonde e via ele falando com o povo da sacada”, conta.

Depois de 60 anos, a natureza da morte de Vargas ainda levanta questionamentos. “Até hoje duvido desse suicídio, porque eu nunca tive comprovação nenhuma de que ele realmente tivesse se matado. Honestamente eu não acredito que tenha sido suicídio, porque ele era muito tranquilo, muito calmo”, afirma João.

E mesmo passadas seis décadas, a mera lembrança daquele dia 24 de agosto parece ainda perturbar quem testemunhou de perto o clamor popular em torno do Palácio do Catete. “Esquece disso, rapaz. Eu morava e ainda moro aqui do lado e não gosto de lembrar disso”, diz um senhor de escassos cabelos brancos ao ser informado do motivo da reportagem. “Vocês têm é que procurar um novo Getúlio. Igual a ele, nunca mais teve”.

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