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Em quase 5 anos, governo localiza R$ 12,4 bi desviados, mas só recupera 10%

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

26/11/2014 06h00Atualizada em 26/11/2014 16h29

Desde 2010, o governo federal recuperou R$ 1,2 bilhão em dinheiro desviado em esquemas de corrupção semelhantes aos da operação Lava Jato. Apesar de ser suficiente para construir 15,7 mil casas populares, o montante corresponde a apenas 10% de tudo o que a União tentou reaver no período, cerca de R$ 12,4 bilhões. Isso significa que a cada R$ 10 desviados e localizados, apenas R$ 1 volta aos cofres públicos.

Os dados são da AGU (Advocacia-Geral da União), órgão do governo federal especializado na recuperação de dinheiro desviado em esquemas de corrupção, e correspondem ao período entre 2010 e outubro de 2014. A entidade não tem estimativas de quanto foi desviado e não foi localizado.

Os recursos recuperados pela União são destinados à Conta Única do Tesouro Nacional e não têm um destino específico. Os valores, no entanto, podem ser maiores, pois um dos dois órgãos internos da AGU responsáveis pela recuperação desses recursos só repassou dados referentes ao período de 2010 a 2013, enquanto que o outro tinha valores até o mês passado.

A lentidão da Justiça e a sofisticação usada pelas quadrilhas para ‘lavar’ dinheiro público estão entre as principais dificuldades encontradas pelo governo para reaver os recursos. Os procuradores são responsáveis por recuperar recursos desviados dos 39 ministérios e 159 autarquias e fundações como INSS e Funasa.  

Entre os casos recentes mais volumosos estão a recuperação de R$ 183 milhões de um total de R$ 468 milhões desviados pelo Grupo OK, do ex-senador Luiz Estevão, durante a construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

Outro caso conhecido é o da fraudadora do INSS Jorgina de Freitas. No início da década de 1990, Jorgina foi acusada de participar de um esquema que desviou em torno de R$ 500 milhões. Deste valor, AGU conseguiu recuperar R$ 151 milhões desde 2010.

Segundo a coordenadora-geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da PGF (Procuradoria-Geral Federal) – um dos 'braços' da AGU – Tarsila Ribeiro Marques Fernandes, um dos dois principais entraves para o aumento no percentual de dinheiro desviado que retorna aos cofres públicos é a demora do processo legal.

Por lei, o dinheiro só pode retornar efetivamente aos cofres da União depois que o caso é transitado em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade de recurso, o que pode levar anos.

“É natural que se dê o direito à ampla defesa, mas o rito é normalmente longo. Passa por vários órgãos até chegar à gente. Mesmo assim, estamos tentando diminuir esse lapso”, disse a coordenadora.

Para que o dinheiro de um desvio de recursos do FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação) retorne aos cofres públicos, por exemplo, ele normalmente passa por pelo menos cinco etapas: apuração interna do órgão, análise do caso pela CGU (Controladoria-Geral da União), julgamento no TCU e julgamentos das ações de recuperação na Justiça comum. 

Antes de ser efetivamente recuperado, o dinheiro ou os bens adquiridos com os recursos desviados precisam ser bloqueados judicialmente. O bloqueio, explica Tarsila, evita que os recursos desapareçam durante o decorrer do processo.

Somente depois que os réus são condenados é que os bens bloqueados podem ser recuperados. No caso de bens móveis ou imóveis, a maior parte deles vai a leilão e o dinheiro arrecadado é revertido para o Tesouro Nacional.

A AGU afirma que, desde 2009, conseguiu o bloqueio de R$ 2,2 bilhões em bens e dinheiro oriundos de irregularidades.

Um exemplo de como esse processo pode demorar é a fraude de quase R$ 500 milhões do caso Jorgina de Freitas, do início da década de 90. Somente nos últimos anos é que a Justiça autorizou o leilão de centenas de imóveis adquiridos pela quadrilha.

Lavagem de dinheiro

Outro fator que dificulta a recuperação do dinheiro desviado é a sofisticação dos esquemas de lavagem de dinheiro.

“Não é um procedimento muito simples. Existem técnicas sofisticadas de lavagem de dinheiro, não é uma coisa óbvia, pegar da conta do ‘João’ e transferir para conta da ‘Maria’. Normalmente eles pulverizam esse dinheiro em contas off shore em países que não repassam informações a respeito delas para o Brasil”, explicou Teresa Cristina de Souza, chefe da divisão responsável pela recuperação de recursos da PGF.

Tarsila afirma que a AGU provavelmente não atuará na recuperação do dinheiro supostamente desviado pelo esquema investigado pela Lava Jato. “A Petrobras é uma empresa de economia mista e nós não deveremos ter atuação no caso, mas ainda é cedo para dizer. A princípio, não iremos atuar”, afirmou.

Na última segunda-feira (24), um grupo de procuradores federais viajou para a Suíça para tentar identificar o paradeiro do dinheiro supostamente desviado pelo esquema investigado pela operação Lava Jato.