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Perícia deixa em aberto causa de morte de Jango e não encontra sinal de veneno

O presidente João Goulart, conhecido como Jango, em 1963 - Acervo UH - 29.ju.1963/Folhapress
O presidente João Goulart, conhecido como Jango, em 1963 Imagem: Acervo UH - 29.ju.1963/Folhapress

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

01/12/2014 11h57Atualizada em 01/12/2014 14h11

De acordo com os laudos sobre a exumação dos restos mortais de João Goulart divulgados nesta segunda-feira (1º), não é possível afirmar se a causa da morte do ex-presidente da República foi natural ou violenta. Goulart morreu em 1976 na Argentina e sua família suspeitava que ele tivesse sido assassinado por agentes do regime militar.

"Não é possível afirmar uma causa natural de morte para Jango. E é simples vocês entenderem isso. A declaração de óbito trazia infarto do miocárdio. Ora, passados 37 anos é natural que o coração não esteja mais disponível para examinarmos. Portanto, não há como confirmarmos a morte natural por infarto do miocárdio. Por outro lado, no aspecto de morte violenta, já foi bem respondido que não foram encontradas as substâncias indagadas aos peritos pela SDH, se elas poderiam ter causado a morte de Jango. Essas substâncias [venenosas] não foram encontradas", disse o perito Jefferson Evangelista Correa, da Polícia Federal.

No entanto, o perito havia dito antes que os dados apontavam para morte natural. "Podemos concluir que os dados clínicos, as circunstâncias relatadas pela esposa [de Jango], são compatíveis com morte natural", disse. Mas, segundo o especialista, isso não significa que a hipótese de envenenamento tenha sido descartada, "tendo em vista as mudanças físicas e químicas que o corpo inumado sofre ao longo de 37 anos".

“Do ponto de vista científico, as duas possibilidades [morte natural e envenenamento] se mantêm”, completou o perito cubano Jorge Perez, indicado pela família Goulart para participar das investigações. Foram investigadas 700 mil substâncias químicas de um universo de mais de 5 milhões conhecidas.

A apresentação dos resultados da perícia foi marcada por confusão e os especialistas foram questionados diversas vezes pelos jornalistas sobre o que o laudo indicava. Ao ser pressionado pelos jornalistas, o perito disse que "na verdade, o laudo é inconclusivo quanto à causa da morte, se natural ou violenta. (...) Não é possível confirmar uma causa de morte natural para Jango. Não há como confirmarmos a morte por infarto do miocárdio."

O corpo de João Goulart foi exumado no dia 14 de novembro de 2013, em São Borja, no interior do Rio Grande do Sul, onde o ex-presidente estava enterrado.

Amostras dos restos mortais de Jango foram coletadas em Brasília e analisadas em laboratórios do Brasil, Portugal e Espanha. Peritos argentinos, cubanos, uruguaios e representantes da Cruz Vermelha e do Ministério Público Federal também acompanharam as análises.

As análises dos restos mortais de Jango foram feitas a partir de exames toxicológicos, raio-X e análise dos gases contidos no caixão de Jango. Os peritos afirmaram que um total de 700 mil substâncias possíveis substâncias foram analisadas durante o processo.

A exumação ocorreu após decisão da CNV (Comissão Nacional da Verdade) e do MPF-RS (Ministério Público Federal do Rio a Grande do Sul).

O procedimento visava esclarecer as causas da morte do ex-presidente que ficou no poder entre 1961 e 1964, quando foi deposto por um golpe militar.

A ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, Ideli Salvatti, disse que o laudo, porém, não é a única base para o processo de investigação sobre a morte de João Goulart que está sendo conduzido no Brasil e na Argentina.

“Ao concluirmos esse trabalho pericial, estamos concluindo uma parte de um processo investigativo”, disse Ideli. 

Após o golpe, Jango e sua família foram para o exílio no Uruguai e na Argentina, onde o ex-presidente morreu, supostamente de ataque do coração, em 1976.

A família do ex-presidente acredita que ele possa ter sido envenenado,  vítima de um assassinato político como parte da chamada "Operação Condor" (uma aliança entre as ditaduras do Cone Sul nos anos 1970 para perseguir os opositores dos regimes militares da região).

A suspeita é de que agentes a serviço do regime militar tenham trocado as cápsulas de seus remédios por alguma substância que tenha causado sua morte.
Em meio à ditadura brasileira, o corpo de Jango foi enterrado sem ter passado por autópsia.

Na semana passada, o MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Janeiro) informou ter encontrado dois relatórios na casa do ex-coronel do Exército Paulo Malhães que comprovariam a existência da Operação Condor.

Em depoimento, Malhães, que depois foi assassinado durante um assalto, admitiu ter participado de sequestro de militantes de esquerda argentinos em território brasileiro. Esta foi a primeira vez que documentos oficiais das Forças Armadas brasileiras confirmam as operações conjuntas entre ditaduras latino-americanas.

Próximos passos

Ideli Salvatti disse que o processo de apuração sobre as causas da morte de João Goulart deverá continuar. "Esse processo deverá continuar a partir do processo investigatório tanto do Ministério Público Federal brasileiro quanto do que está sendo feito na Argentina", afirmou Ideli. A Argentina também investiga as circunstâncias da morte de Jango, que morreu em solo argentino em 1976.

"Esta oitiva desses personagens americanos é uma ação que decorre do MPF, do inquérito que está aberto no MPF. Vamos acompanhar muito atentamente tantos os procedimentos junto ao MPF e a possibilidade de a investigação avançar na Argentina", disse Ideli.