Topo

A Lava Jato mudou a percepção de corrupção no Brasil?

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

22/12/2015 06h00

A Operação Lava Jato, que investiga desvios na Petrobras, consolidou-se em 2015 como a maior ação de combate à corrupção da história do país. Ao longo do ano, ela revelou esquemas e colocou na cadeia empresários como Marcelo Odebrecht, o pecuarista José Carlos Bumlai e o banqueiro André Esteves e políticos como o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) e o ex-ministro José Dirceu. E parece ter mudado a percepção do brasileiro em relação à corrupção no país.

Pesquisas feitas pelo Datafolha ao longo do ano mostraram um grande aumento da preocupação da população brasileira com o tema. A proporção de entrevistados que apontam a corrupção como o maior problema do país saltou de 9% em novembro de 2014 para 22% em abril de 2015 e 34% no mês passado. Neste último levantamento, a corrupção alcançou pela primeira vez o topo da lista de preocupações dos brasileiros.

Veja um balanço dos primeiros 500 dias da Lava Jato

SBT Online

Para o juiz aposentado Walter Maierovitch, o resultado da pesquisa Datafolha mostra que a Lava Jato representa uma mudança cultural no país. “A operação é um marco. Algumas resistências estão caindo. Ela é tão forte a ponto de quebrar o discurso de que o mensalão [esquema de compra de apoio parlamentar que levou à condenação de políticos como o ex-ministro José Dirceu] não existiu. Ninguém tem mais coragem de dizer que ele não existiu”.

Na opinião do cientista político Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a Lava Jato produz efeitos ambivalentes na população: a ideia de que a corrupção é generalizada e, por outro lado, a sensação de que a impunidade chegou ao fim.

“A população sempre suspeitou que havia uma corrupção generalizada. Isso não é de agora. Mas não havia provas concretas. Com a operação Lava Jato, isso veio à tona. Existe um sistema de cumplicidade entres agentes públicos, o sistema político e grandes empresas”, diz Fornazieri, para quem a Lava Jato significa “uma pequena revolução republicana”.

Corruptores e corruptos são igualmente culpados.
Juiz federal Sérgio Moro

Segundo Alessandro Janoni, diretor de pesquisas do Datafolha, a crise econômica eleva a preocupação da população com os malfeitos. “A recessão potencializa os efeitos da Lava Jato [na percepção da população]”, avalia. “É como se a população desse o seguinte recado: façam logo essa faxina porque precisamos fazer a lição de casa na economia e voltar a ter tranquilidade”.

“Quando a situação econômica está bem, as pessoas não dão bola para a corrupção”, reforça o cientista político Luiz Fernando Miranda, membro da organização Transparência Brasil.

“Sistema comprometido”

Iniciada em março de 2014 e fruto de um trabalho coordenado entre Ministério Público e Polícia Federal, a Lava Jato chegou no mês passado a 75 condenações, 173 pessoas acusadas criminalmente e 35 acordos de delação premiada. Os crimes denunciados até novembro envolviam o pagamento de R$ 6,4 bilhões em propinas. A operação havia conseguido recuperar R$ 1,8 bilhão.

Maierovitch coloca a Lava Jato entre as cinco maiores operações de combate ao crime na história do planeta e diz que ela não perde em gravidade para a operação Mãos Limpas, que levou ao fim de todos os partidos políticos da Itália na década de 1990. Mas diz que a operação representa pouco levando-se em consideração que “a corrupção é endêmica” no Brasil e que o país tem dimensões continentais.

Delator diz que Cunha cobrou propina de US$ 5 mi

UOL Notícias

“Se fosse possível estender [a Lava Jato] aos Estados, o sistema político cairia. O sistema está todo comprometido”, corrobora Fornazieri. “Ela [a operação] vai se concentrar nos governos Lula e Dilma. Isso não significa que não tenha corrupção nos Estados e na relação das empresas com outros agentes públicos, como deputados e senadores. O ideal é que se fizesse ampla investigação em todos os contratos públicos e Estados”.

Para o professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o sistema político-partidário vive uma “crise de legitimidade”. “O PT perdeu [com as investigações], e os outros partidos não ganharam. A oposição também tem altos índices de rejeição. A população não acredita mais nos políticos e partidos”.

“A corrupção não é de esquerda, nem de direita nem de centro. A ideologia da corrupção é o lucro”, declara Maierovitch.

Despreparo para combater a corrupção

Janoni, do Datafolha, e o professor Fornazieri salientam que a Lava Jato também tem o mérito de punir corruptores, ou seja, representantes do setor privado. “Esse modelo de capitalismo predatório, que quer ganhar sem concorrência e não tem ética de mercado, está em xeque”, diz o cientista político.

A corrupção é praticada há tanto tempo por essas empresas que se tornou um modelo de negócio.
Procurador federal Deltan Dallagnol

Maeirovitch aponta dois caminhos para garantir a competitividade entre as empresas nas concorrências públicas e ampliar o combate à corrupção: a criação de uma comissão nacional anticorrupção dentro do Ministério Público, com a capacidade de executar ações no âmbito federal, nos Estados e municípios; e a realização de acordos internacionais para detectar movimentações financeiras suspeitas.

“O Brasil está despreparado [para combater a corrupção], não pode se iludir”, alerta o ex-juiz. “[O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal] Joaquim Barbosa e [o juiz] Sérgio Moro viraram símbolos [do combate à corrupção], mas precisamos de uma órgão nacional. Se não, vamos viver de iniciativas [isoladas] e processos bombásticos”.

Senador Delcídio conversa sobre plano para anular delações

UOL Notícias

Recentemente, o Brasil assinou acordos internacionais com os Estados Unidos e com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para rastrear movimentações financeiras, mas eles ainda não entraram em vigor.

Miranda, da Transparência Brasil, também cita a necessidade de criação de uma agência nacional de combate à corrupção. Além disso, defende uma reforma política que reduza o número de partidos. A grande quantidade de legendas com representantes no Congresso, diz ele, aumenta a dificuldade dos governos para formar maiorias e aprovar matérias, o que também faria crescer a chance de haver compra de apoio parlamentar.