Para historiador, corrupção é regra na relação entre governos e empreiteiras
"Para sobreviver nesse campo, já fiz. Agora se você me perguntar quando e com quem, eu não vou dizer nunca", disse o empresário Emilio Odebrecht em entrevista à "Folha de S.Paulo", em 1994, admitindo que já havia cometido irregularidades, como pagar propinas, durante a trajetória da empreiteira.
Naquela época, empresa era investigada por pagar propinas a políticos e participar no esquema de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Fernando Collor e um dos personagens centrais do escândalo de corrupção que derrubou o ex-presidente. Emilio – pai de Marcelo Odebrecht, preso na Operação Lava Jato – negou essas acusações específicas na entrevista, mas reconheceu atos ilícitos em outros momentos da trajetória da empresa.
Nesta quarta-feira, documentos apreendidos pela Polícia Federal na Operação Lava Jato listaram possíveis repasses da Odebrecht a mais de 200 políticos de 24 partidos políticos. De acordo com as investigações, a Odebrechet possuía um departamento dedicado exclusivamente ao pagamento de propinas.
Na terça, a empresa anunciou em nota que optou por colaborar definitivamente com a Lava Jato - ainda não foi confirmado se executivos e funcionários farão acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal - e citou que as investigações revelam "a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país".
"Não me surpreende a existência desse departamento de propinas", diz o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, autor do livro "Estranhas Catedrais - As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-militar", que aborda a ligação das empresas de construção com o regime. Estudioso da trajetória das empreiteiras, Campos afirma que a Odebrechet "atuou permanentemente assim, desde a época da ditadura".
"Elas [empresas] vivem contando essa ladainha, de que precisou pagar propina para conseguir o pagamento da obra. Eles não são vítimas desse processo. São os sujeitos ativos
"A Odebrecht consegue a obra, acerta o pagamento de propina e a doação para campanha eleitoral e recebe o pagamento pela obra. Como é difícil receber o pagamento em dia, a empresa usa esses mecanismos para conseguir. E nesse processo, muitas vezes a qualidade e a duração das obras vão para o espaço. As obras ficam reféns desse cabo de força entre empreiteiras e governantes", diz o historiador.
"Não só a Odebrecht, que fique claro. Esse é o padrão das empreiteiras. Essa relação corrupta com o o Estado não é exceção, é regra", afirma Campos, que rechaça o discurso de que as empreiteiras são vítimas da corrupção dos governantes. "Elas [empresas] vivem contando essa ladainha, de que precisou pagar propina para conseguir o pagamento da obra", critica. "Eles não são vítimas desse processo. São os sujeitos ativos."
Além do pagamento de propinas e das doações, as empresas atuam muito com intermediários nas estatais, segundo o escritor, para manter seus contatos com os políticos. "A Lava Jato mostra isso, com funcionários e diretores envolvidos nas operações."
"Mas não adianta apenas prender o Odebrecht e punir os políticos. É preciso ver onde estão esses buracos institucionais e investir para tapá-los. Como fazer com os mecanismos que nutrem esse processo, como o financiamento eleitoral, a forma de preenchimento de cargos em estatal, as leis de licitação? Não adianta trazer uma empresa da China para fazer obras se esses mecanismos não forem alterados."
Aliada da ditadura, adaptada à abertura
Fundada na Bahia na década de 1940, a Odebrecht fechou seu primeiro contrato com a Petrobras, principal empresa vinculada à Lava Jato, em 1953, ano de fundação da estatal. E ela permaneceu aliada da petroleira, atuando principalmente na região Nordeste, até a década de 1970, quando ganhou a confiança de Ernesto Geisel, presidente da Petrobras durante o governo Médici (1970-1974).
Segundo Campos, a empresa contava com a simpatia do general, que virou presidente entre 1974 e 1979, por possuir uma posição "nacionalista", mais próxima dos militares, em relação às empreiteiras de São Paulo, ligadas a grupos internacionais.
De acordo com o historiador, a Odebrecht abriu caminho para se tornar a maior empreiteira do Brasil ao executar obras estratégicas do regime, como a construção da usina nuclear Angra 1. No Rio de Janeiro, ela também atuou na ampliação do aeroporto do Galeão e construiu o edifício-sede da Petrobras.
Com a abertura política, a Odebrecht foi a empresa que obteve maior êxito em se manter ligada ao poder durante a transição da ditadura à democracia, segundo Campos. Para isso, adaptou seu modo de operar com os governantes.
"Houve um movimento do setor das empreiteiras de se adaptar às novas características políticas, e a Odebrecht foi o caso de maior sucesso. Durante a ditadura, as ações dessas empresas eram direcionadas a certos alvos, como as estatais e os militares, e após o fim do regime passa a ter importância o Parlamento, as campanhas eleitorais", diz Campos.
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