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Análise: efeito de carta em impeachment de Dilma é nulo

A presidente afastada, Dilma Rousseff, em entrevista para o "New York Times" em junho - Tomas Munita - 1º.jun.2016/The New York Times
A presidente afastada, Dilma Rousseff, em entrevista para o "New York Times" em junho Imagem: Tomas Munita - 1º.jun.2016/The New York Times

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

16/08/2016 16h14

Em um movimento final para tentar conter seu impeachment no Congresso, a presidente afastada, Dilma Rousseff, divulgou nesta terça (16) carta aberta aos senadores em que defende a realização de um plebiscito sobre novas eleições e uma reforma política. No entanto, para cientistas políticos ouvidos pelo UOL, as medidas sugeridas por Dilma não terão o menor impacto sobre os senadores, que decidirão se a presidente afastada mantém ou perde de vez o cargo em julgamento que deve ser realizado no fim do mês.

"O efeito disso para o Congresso é nulo. A possibilidade tanto política quanto jurídica de isso acontecer é praticamente nula", afirma o cientista político Marco Antônio Teixeira, da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas). "Mesmo na opinião pública, talvez não faça sentido mais, porque, por mais que existam pesquisas que mostrem que a maioria das pessoas preferiria a antecipação de eleições, você não tem uma pressão social por isso."

Segundo uma pesquisa feita pelo instituto Datafolha nos dias 14 e 15 de julho, 62% dos entrevistados se disseram favoráveis à renúncia de Dilma e do presidente interino, Michel Temer, e a posterior realização de novas eleições. No entanto, a possibilidade da dupla renúncia parece inexistente no momento, e os protestos que vêm tomando as ruas do país nos últimos meses pedem, em geral, a permanência ou a saída de Dilma -- e não um novo pleito.

Etapas difíceis

Com a proposta de plebiscito, o objetivo da presidente afastada é sensibilizar senadores indecisos. Mas, mesmo que consiga escapar do impeachment e leve adiante a ideia, há uma série de etapas de difícil cumprimento para uma presidente com escasso apoio parlamentar. A convocação de um plebiscito tem que ser aprovada por maioria simples no Congresso. Se a população decidir por eleições antecipadas, isso dependeria de alteração da Constituição, o que exige dois terços de aprovação parlamentar.

Dilma diz que impeachment sem crime de responsabilidade e? golpe

UOL Notícias

Para o cientista político Ricardo Caldas, professor da UnB (Universidade de Brasília), o fato de Dilma fazer tais sugestões agora mostra "que ela realmente não entende o processo político".

Ela não tem mais condições de sugerir nada, pedir nada, deixar nada. O que ela podia ter feito de reforma política, tinha que ser feito no governo dela, e ela não conseguiu

Ricardo Caldas, cientista político

"O único fato novo positivo para ela e que, na minha opinião, não vai conseguir alterar o processo, são as denúncias contra o Temer", disse Caldas.

Segundo o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Dilma perdeu a chance de tentar conter o processo de impeachment ainda na Câmara, quando estava no governo e poderia ter negociado um acordo político no qual ela teria perdas, mas bem menores do que as de agora. Sobre reforma política, ele lembra que, só durante o governo Dilma, houve três comissões da Câmara sobre o assunto.

"Ela, ao longo do mandato, teria tido condições de criar um grupo executivo, ligado à própria Presidência, ou estimulado mais o PT, colocado isso em debate público e não fez isso. Só o fez de maneira atabalhoada depois das manifestações de 2013", diz. "Falar em reforma política é algo totalmente genérico. O que é reforma política? Perguntar à população se ela quer reforma política é a mesma coisa que perguntar se a população quer reforma da Previdência. Qual?"

Oposição do próprio partido

Para piorar a situação de Dilma, nem seu partido apoia a ideia. O presidente nacional do PT, Rui Falcão, afirmou na quinta (4) não ver "nenhuma viabilidade" na proposta de consultar a população para a realização de novas eleições. Além de citar obstáculos para a aprovação do plebiscito no STF (Supremo Tribunal Federal) e no Congresso, segundo ele, se Dilma defender a convocação de um plebiscito para consultar a população sobre novas eleições, ela estará tentando impedir o próprio mandato. 

Por isso, para Teixeira, Dilma agora busca tentar preservar seu nome e sua história.

"O que nós estamos vendo no apagar das luzes é um 'salve-se quem puder', mas ninguém sabe como se salvar. O PT está tentando se salvar para as eleições. Dilma, o máximo que ela consegue agora é tentar salvar a própria biografia", diz. "[A proposta] Chega tarde demais, em um momento inclusive em que a base de apoio dela, que poderia ser maior, está completamente dividida."

Próximos passos

Com a aprovação do relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), Dilma Rousseff se tornou ré no processo. Agora, o Senado vai novamente ouvir algumas testemunhas e os argumentos da acusação e da defesa para, ao fim, colocar a condenação ou a absolvição de Dilma sob votação. Na fase decisiva, é preciso o voto de 54 dos 81 senadores para confirmar o impeachment. O julgamento deve começar na última semana de agosto.

Para a defesa de Dilma, não há provas contra a petista. Se o processo no Legislativo culminar com o impeachment, só restará à presidente afastada tentar reverter sua derrota no Supremo.