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'Plausibilidade' une Lula e Dirceu, mas esfera de análise pode levar os casos a decisões diferentes

Lula e Dirceu durante cerimônia em Brasília no ano de 2005 - Lula Marques/Folhapress
Lula e Dirceu durante cerimônia em Brasília no ano de 2005 Imagem: Lula Marques/Folhapress

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

28/06/2018 04h00

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca tirá-lo da prisão com base no mesmo princípio que levou o ex-ministro José Dirceu (PT) a deixar a cadeia na madrugada desta quarta-feira (27). Nos dois casos, os advogados alegaram ao STF (Supremo Tribunal Federal) que é “plausível” que a Corte aceite recursos contra as condenações que levaram os dois políticos a cumprir pena. A esfera em que os dois casos estão sendo analisados, porém – um na Turma, outro no plenário -, pode levá-los a decisões diferentes.

A defesa de Dirceu convenceu a maioria da 2ª Turma do STF de que é plausível a prescrição da pena do ex-ministro pelo crime de corrupção passiva, pelo fato de Dirceu já estar com mais de 70 anos quando foi condenado. A questão da prescrição é citada no recurso extraordinário feito ao Supremo contra a condenação, que ainda não foi julgado pela Corte. Assim, para a defesa, a pena de Dirceu deveria ser suspensa até o julgamento do recurso extraordinário.

Em seu voto, o relator do caso, ministro Dias Toffoli, disse que a tese da prescrição "tem o beneplácito da jurisprudência da Corte” -- ou seja, há precedentes de sua aceitação no Supremo. Assim, Toffoli decidiu que a concessão de um habeas corpus a Dirceu neste momento, suspendendo a execução da pena, “desvaneceria [diminuiria] o risco” de o ex-ministro ser punido em “circunstâncias mais gravosas”. Seu voto foi seguido por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Edson Fachin discordou.

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Fachin é justamente o relator do pedido em que Lula, assim como Dirceu, diz que sua pena deve ser suspensa devido ao que avalia como uma chance concreta de que o STF reveja sua condenação. A "plausibilidade" apontada, porém, é outra, e não sobre a prescrição das acusações. A defesa do ex-presidente considera plausível que o Supremo aceite a tese, presente no recurso à Corte, de que direitos constitucionais de Lula foram desrespeitados, entre outros argumentos.

Para Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da USP (Universidade de São Paulo), está correto que um ministro considere plausível o julgamento favorável dos recursos extraordinários.

“A lógica hoje do Supremo é: como é rara a mudança do resultado do segundo grau, não tem por que deixar a pessoa solta”, disse. “Pode ser que sejam poucos recursos especiais providos, mas se a tese que o recorrente está invocando é plausível, se lá na frente ele ganhar, não tem sentido manter ele preso até lá.”

26.jun.2018 - Sessão extraordinária da Segunda Turma do STF que decidiu pela libertação de José Dirceu - Nelson Jr./SCO/STF - Nelson Jr./SCO/STF
Decisão da 2ª Turma, em julgamento do dia 26, tirou José Dirceu da cadeia
Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

Dirceu na 2ª Turma, Lula no plenário

Mas enquanto o caso de Dirceu foi julgado pela 2ª Turma, o de Lula foi enviado por Fachin ao plenário. A presidente do STF, Cármen Lúcia, ainda precisa marcar a data do julgamento do recurso do ex-presidente.

A julgar por casos recentes julgados no STF, o fato de o recurso de Lula ser levado para julgamento dos 11 ministros do Supremo pode indicar um resultado diferente do obtido por Dirceu na 2ª Turma -- esta tem tomado decisões no sentido de garantir direitos do acusado, questão que costuma dividir o plenário.

Um exemplo foi o julgamento, em abril, do habeas corpus que buscava evitar a prisão de Lula. Seis dos 11 ministros negaram o pedido, seguindo o entendimento de que o STF permite prisões após o esgotamento da segunda instância. Quatro dos cinco ministros que votaram a favor do habeas corpus – Gilmar, Toffoli, Lewandowski e Celso de Mello – estão na 2ª Turma.

“A população está vendo que é muito diferente ser julgado pelas Turmas e pelo plenário”, afirma Gustavo Badaró.

Na terça (26), o colunista do UOL Josias de Souza noticiou que, segundo um ministro do Supremo ouvido sob condição de anonimato, Fachin decidiu enviar o caso de Lula ao plenário por considerar que a possibilidade de libertação do ex-presidente caso fosse julgado na 2ª Turma era real.

4.abr.2018 - Vista geral do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, durante o julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tenta barrar a prisão após condenação em segunda instância, nesta quarta-feira, 04. O ministro Edson Fachin, relator do caso, será o primeiro a votar - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Plenário do STF negou habeas corpus a Lula em sessão do dia 4 de abril
Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Falta de clareza em definir a esfera de análise

A mesma 2ª Turma que concedeu habeas corpus a Dirceu julgaria também a suspensão da pena de Lula na terça (26), mas Fachin tirou o recurso da pauta ao considerá-lo “prejudicado” depois que o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) negou o pedido da defesa do ex-presidente para contestar a condenação no STF.

Após a defesa recorrer ao TRF-4 e ao STF, Fachin optou não por levar o caso à Turma, mas ao plenário -- o que o PT classificou como "manobra". Para o ministro, isso se justifica pela chance de que uma reversão de sua decisão de considerar o recurso prejudicado possa afetar a “caracterização das hipóteses de repercussão geral”. Segundo Fachin, esta competência, “em última análise, é exercitada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal”.

A decisão de Fachin de tirar o caso da Turma e mandar ao plenário colocou luz sobre a pouca clareza da Corte em definir em qual colegiado cada processo deve ser julgado.

O regimento do STF diz que o relator pode levar um caso ao plenário, entre outras situações, “em razão da relevância da questão jurídica”. A reportagem perguntou à assessoria de imprensa do Supremo quais são os critérios para que um processo seja julgado por uma turma ou pelo plenário, mas não teve resposta.

Ivar Hartmann, professor da FGV Direito Rio (Fundação Getúlio Vargas), diz que, na prática, não há critérios objetivos para definir o que será julgado pelas turmas ou pelo plenário do STF. Hartmann sugere que a decisão de levar um caso ao plenário deveria ser do presidente do tribunal -- hoje, a ministra Cármen Lúcia--, e não do relator.

“Seria uma maneira de garantir um pouco mais de consistência e padronização. Hoje, tem dez pessoas decidindo de forma diferente.”

Badaró, da USP, também diz que não há critérios objetivos para esta divisão. Para ele, casos em que há divergências entre turmas, mudanças de jurisprudência e processos de repercussão geral deveriam ser julgados pelo plenário.

“O plenário deve ser a exceção”, afirma. “Julgar por turma é uma forma de mais eficiência.”

Segundo ele, os critérios para definir se um caso fica em uma turma ou no plenário deveriam ser definidos em lei, sem margem para que o relator possa decidir da forma que quiser.