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Emílio Odebrecht diz que não podia negar reforma de sítio por causa de relação com Lula

Emilio Odebrecht em seu depoimento de delação premiada, em 2017 - Reprodução
Emilio Odebrecht em seu depoimento de delação premiada, em 2017 Imagem: Reprodução

Ana Carla Bermúdez e Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

07/11/2018 20h21Atualizada em 08/11/2018 14h30

O empresário Emílio Odebrecht, ex-presidente do grupo Odebrecht, afirmou nesta quarta-feira (7) que, por causa de sua relação de mais de 20 anos com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não poderia negar, “mesmo que quisesse”, as reformas realizadas pela empreiteira em um sítio em Atibaia (SP), foco de investigação de um dos processos contra o petista na Operação Lava Jato.

Em depoimento à Justiça Federal na tarde de hoje, Odebrecht voltou a afirmar que o pedido para que fossem feitas reformas no sítio partiu da ex-primeira-dama Marisa Letícia e chegou a ele por meio do ex-executivo da empreiteira Alexandrino Alencar. Marisa Letícia morreu em fevereiro de 2017.

“Como eu disse a Alexandrino: você me trazer isto, mesmo que eu quisesse negar, eu não tenho como negar por todos os ativos intangíveis de mais de 20 anos de convívio com o presidente”, disse à juíza Gabriela Hardt, substituta interina de Sergio Moro na Lava Jato desde que o juiz aceitou ser ministro da Justiça no futuro governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

Dona Marisa fez esse pedido a ele [Alexandrino Alencar], ele me veio, e eu aprovei. Se eu não tivesse aprovado, hoje nós não estaríamos sentados tratando desse assunto
Emilio Odebrecht

O ex-presidente do grupo classificou como "ativos intangíveis" a atuação de Lula para que não houvesse estatização do setor petroquímico durante seu governo. A estatização da Petrobras - que é uma empresa de capital misto - seria prejudicial à Odebrecht, considerando que a Braskem, um dos braços do grupo, é uma empresa química e petroquímica.

Odebrecht disse ainda que, quando Lula era candidato, ele se comprometeu a estabelecer que a posição de seu governo seria por não haver estatização do setor petroquímico.

“A questão da estatização da [área] petroquímica, que era sempre um desejo que a Petrobras tinha, eu precisava da posição dele. E fui muito claro com ele: eu preciso saber disso para decidir sobre o destino que eu dou à organização. Se a organização sai, ou fica. Porque eu ter a Petrobras como minha concorrente e com esse processo contínuo de querer estatizar, eu não aceito”, relatou Odebrecht.

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O ex-presidente do grupo afirmou ter tido, em três oportunidades, “problemas sérios” com relação à estatização do setor por “investidas” realizadas pela Petrobras. Odebrecht disse, então, ter recorrido a Lula, que atuou para que os problemas fossem “contornados”.

“Fui pessoalmente a ele durante o período de gestão dele e disse: lembre-se da nossa conversa, eu continuo investindo, fazendo isso não dá”, relatou. “E ele realmente convocou uma vez, inclusive, uma reunião geral e deu orientação de que aquilo [não haver estatização] era a orientação de governo, já desde o plano de governo dele, e [os problemas] realmente foram contornados”.

Odebrecht também incluiu entre os “ativos intangíveis” a atuação que, segundo ele, Lula tinha junto a autoridades internacionais, contribuindo para “aumentar” a imagem da Odebrecht em outros países.

Relações com Lula, FHC e Geisel

Questionado pelo advogado Cristiano Zanin, um dos defensores de Lula, se mantinha o mesmo tipo de relação que teve com o petista com outros presidentes que o antecederam, Emílio Odebrecht afirmou que sim.

Os contatos de maior profundidade, segundo ele, aconteceram em especial com o penúltimo presidente da ditadura militar, Ernesto Geisel (1974-1979), o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002) e o próprio Lula. “Foram os três mais diferenciados”, disse.

Odebrecht ainda retomou o início de sua relação com Lula –segundo ele, quem introduziu os dois foi Mário Covas, um dos fundadores do PSDB, quando ele estava com “dificuldade de convívio” com os sindicatos. “Ele [Lula] me ajudou nessa relação, a entender melhor os sindicatos”.

Assim como Lula, Odebrecht é réu no processo que investiga se o ex-presidente foi o beneficiário de reformas no sítio. O petista é acusado de ter recebido propina de R$ 1,02 milhão de Odebrecht, OAS e Schahin por meio de obras realizadas em dezembro de 2010. A vantagem indevida seria uma contrapartida a contratos com a Petrobras obtidos de forma fraudulenta. A defesa do ex-presidente nega as acusações.

Lula será interrogado neste mesmo processo na próxima quarta-feira (14). Será a primeira vez que o ex-presidente deixará a Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, desde que foi preso em 7 de abril, para cumprir pena de 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP).

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Marisa pediu reforma ao lado de gabinete de Lula, diz delator

Também foi interrogado hoje Alexandrino Alencar, ex-executivo da Odebrecht e que tem acordo de delação premiada. Ele reiterou que foi a ex-primeira-dama Marisa Letícia quem pediu à Odebrecht a reforma no sítio. Segundo ele, Marisa fez o pedido no dia 9 de dezembro de 2010, em uma "antessala" do gabinete do então presidente Lula.

"Dona Marisa Letícia está lá na antessala. E conversando com ela, ela disse: 'Alexandrino, estou precisando de um favor da Odebrecht'", contou Alencar.

Segundo o ex-executivo da Odebrecht, a então primeira-dama disse estar tendo "dificuldades" na reforma, que estava sendo feita por uma empresa ligada ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula e também réu no processo. A empresa em questão é a Schahin.

Na versão de Alencar, Marisa queria que a reforma terminasse em breve para que Lula pudesse usar a propriedade ao fim do mandato. No entanto, Marisa teria dito que a reforma era uma "surpresa" para Lula, que não estaria sabendo de nada.

O ex-executivo da Odebrecht disse ter levado o pedido a Emílio no mesmo dia, durante um voo de Brasília para Salvador. No dia seguinte, já teria acionado Carlos Armando Paschoal, diretor da Odebrecht em São Paulo, para tocar a obra.

Alencar também confirmou que participou de uma reunião com o engenheiro Emyr Diniz Costa Júnior e o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, para "regularizar" a reforma. No entanto, disse que nunca participou de nenhum "acerto" direto com Lula e afirmou não saber se algum valor dos contratos da Petrobras citados na denúncia do MPF foi destinado ao ex-presidente.

Réu por lavagem de dinheiro no processo do sítio, Alencar foi diretor de relações institucionais da Odebrecht -- ou seja, o canal da empresa com políticos e governos. Segundo ele, o governo Lula atendeu a interesses da companhia no setor petroquímico ao impedir sua estatização. A Odebrecht e a Petrobras são sócias na Braskem, gigante do setor.

Outro lado

Em nota, a defesa de Lula afirma que os depoimentos de hoje "reforçaram que é falsa a acusação do Ministério Público contra Lula, buscando vincular contratos da Petrobras com supostas reformas em um sítio situado em Atibaia que pertence a Fernando Bittar e que foi frequentado pelo ex-presidente."

Para a defesa, "Marcelo Odebrecht, que é citado expressamente na acusação como sendo a pessoa que teria oferecido vantagens indevidas para Lula interferir em contratos da Petrobras, afirmou categoricamente que isso não tem 'aderência na realidade', mesmo sendo delator e tendo recebido benefícios do Ministério Público para acusar Lula."

"Os depoimentos fortaleceram o que sempre foi afirmado pela defesa de Lula: a narrativa que buscou vincular o ex-presidente a ilícitos ocorridos no âmbito da Petrobras é totalmente descabida e somente foi construída para submetê-lo a processos e condenações pré-estabelecidas no âmbito da Lava Jato de Curitiba", afirmam os advogados de Lula.