No Natal, minha filha pediu ao Papai Noel que me desse cabelo de presente

Por Márcia

  • Arquivo pessoal

    "A queda do cabelo foi outra etapa que tive que trabalhar para que a Rafa não sentisse", diz Márcia

    "A queda do cabelo foi outra etapa que tive que trabalhar para que a Rafa não sentisse", diz Márcia

Meu nome é Márcia, sou jornalista e, em agosto de 2012,  poucos dias antes do meu aniversário de 34 anos, recebi o diagnóstico de câncer de mama. Estava no momento que eu avaliava ser o mais feliz da minha vida: fazia pouco tempo que eu estava trabalhando no setor que sempre sonhara estar na empresa; tinha feito um novo corte de cabelo; minha filha, Rafaela estava com 2 anos e 2 meses, cheia de saúde e ganhara uma linda festa de aniversário; meu marido, Rodrigo, estava trabalhando a todo vapor. Tudo andando conforme o  planejado e, de repente, essa notícia.

Eu me lembro como se fosse ontem, eu e o Rodrigo estávamos sentados de frente para o mastologista e ele disse, olhando nos meus olhos:

- O que você tem é um carcinoma ductal invasor na mama direita. Eu sabia que aquilo não poderia ser legal, um nome tão feio, rs, mas ainda não tinha entendido e então ele ligou a tecla SAP:

- Câncer de mama.

Naquele momento, virei Maísa, "meu mundo caiu" , fiquei sem chão, lidar com o câncer era lidar com a morte e a única coisa que vinha na minha cabeça era a Rafaela. Eu queria muito ver minha filha crescer, que pegadinha é essa hein, Jesus Cristo? Eu não quero morrer. E, junto com isso, milhares de dúvidas:

- Por quê? O que eu fiz pra provocar isso?

Passado o susto do diagnóstico, fui pra casa, tinha que dar a notícia pra família toda e a minha mãe era uma grande preocupação que eu tinha; mãe nenhuma gosta de ver filho doente, eu sei, sou mãe, se eu pudesse teria todas as gripes no lugar da Rafa, minha filha, e foi isso que minha mãe me disse, "por que não eu? Por que você? " Então eu sacudi a poeira e disse pra ela que eu era muito forte, mas que se ela ficasse muito triste, talvez eu não aguentaria, eu precisava ver esperança nos olhos dela, a minha mãe chorou demais e eu pensei que eu tinha que enfrentar isso tudo e vencer, porque eu tinha muita sorte de ter a família que tenho.

A partir daí, minha vida se transformou por completo. As quimioterapias começaram, foram no total onze medicações e a minha vida não parou, eu tinha contas pra pagar, a Rafaela queria atenção, o Rodrigo também, a casa tinha que funcionar, comida, roupa, etc....Percebi que eu não poderia deixar o câncer tomar conta da minha vida, eu tinha que educar a minha filha sem que essa doença fosse um peso pra ela. Criança de dois anos de idade não precisa saber o que é câncer, mas tem que entender as mudanças que a doença trás, porque ela já tem noção de quando as coisas não estão normais.

A ajuda do Rodrigo foi essencial nesse processo, ele me acompanhou nas medicações, cuidou de mim e, principalmente, da Rafaela, quando eu não conseguia levantar da cama.  Senti muito enjoo no começo e ela não percebeu nada, porque a gente sempre dava um jeito de passear com ela ou levá-la pra casa da minha mãe quando eu não estava bem.

A queda do cabelo foi  outra etapa que tive que trabalhar para que a Rafa não sentisse. Como eu sabia que ele iria cair, fui cortando  de 15 em 15 dias, até que raspei com máquina quatro. Nesse tempo, fui conversando com ela sobre esse assunto, de maneira bem leve e sempre falando a verdade - meu cabelo iria cair todo, mas iria nascer de novo. Pra que ela entendesse que isso seria possível, mostrei fotos de quando ela era bebê e era carequinha, então fazia ela olhar no espelho com o cabelinho grande. Bem, deu tudo certo, ela conviveu com isso de forma natural, passava a mão na minha careca, brincava com a minha peruca, talvez o trabalho que fiz com ela, não tenha sido o motivo dela ter lidado com tanta naturalidade; criança é surpreendente, eles são desprovidos de preconceito e nos ensinam muito.

No Natal, a Rafaela pediu ao Papai Noel que me desse cabelo de presente e pra ela uma máquina de lavar de brinquedo, rs.

As últimas medicações me fizeram muito mal, tive reações alérgicas  e o meu oncologista decidiu que eu teria que ir para a cirurgia, esse foi o momento mais difícil da minha vida. É muito doloroso pra uma mulher que se preocupava com a aparência perder os cabelos, as unhas e o seio, mas saber que eu ficaria livre do câncer me confortava e mais, me fortalecia.

Por falar em fortalecer, várias pessoas foram muito importantes nesse tratamento, minha família, meus amigos, minha mãe, o Rodrigo e a Rafaela; durante todo o processo recebi muitas mensagens carinhosas, telefonemas, amigos vinham a minha casa pra rezar uma novena pra mim, foram momentos maravilhosos que eu jamais pensaria um dia na vida que seriam proporcionados por uma doença tão agressiva.

Hoje eu faço um tratamento em casa à base de tamoxifeno e me sinto curada, plenamente curada e, mais, me sinto grata. Grata por sentir gosto da comida, por andar sem dor, por ver meu cabelo crescer, poder passear com a minha filha, por levá-la na escola. Falando nisso, em um dia muito quente resolvi não colocar peruca ou chapéu para levar a Rafaela no colégio - meu cabelo está muito curto - e ela me perguntou:

- Mamãe, você vai na escola careca?

Perguntei se ela queria que eu colocasse o chapéu ou a peruca e ela respondeu:

- Não, mamãe, você fica mais linda careca, você é minha princesa.

Não tive mais palavras pra esse momento, senti uma imensa alegria.

Por sete meses fui privada de coisas muito simples e que nos trazem muito conforto, mas jamais fui privada da minha felicidade, porque a maior delas, eu conheci em junho de 2010, mais especificamente dia 14, o dia que vi pela primeira vez o rosto da minha princesa.

O câncer não é atestado de óbito, e, se tratado com fé, pode nos ensinar a viver.

Escrevo a minha história em um blog: www.paramotivar.wordpress.com.

 

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