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Câncer às vezes é tratado sem necessidade, mas ninguém sabe quando é o caso

Parte dos minúsculos tumores achados na mamografia nunca iria crescer ou ameaçar a vida da paciente - Keith Negley/The New York
Parte dos minúsculos tumores achados na mamografia nunca iria crescer ou ameaçar a vida da paciente Imagem: Keith Negley/The New York

Denise Grady

The New York Times

12/04/2014 07h00

"Mamografia" virou uma palavra polêmica nos últimos anos, com pesquisadores questionando seu valor e outros defendendo-a com firmeza.

Uma crítica muito perturbadora é de que o exame de mamografia pode levar ao excesso de tratamento, no qual algumas mulheres passam por terapias cansativas – cirurgia, rádio e quimioterapia – porém desnecessárias. Na verdade, estudos estimam que cerca de 19% das mulheres com câncer de mama diagnosticado pela mamografia acabam recebendo tratamento em excesso.

Segundo os pesquisadores, o problema acontece porque a mamografia pode exagerar no diagnóstico, ou seja, parte dos minúsculos tumores que ela encontra provavelmente nunca iria crescer nem ameaçar a vida da paciente. Porém, elas são tratadas mesmo assim.

Então, onde estão as mulheres que receberam esse excesso de tratamento? Não se sabe.

De acordo com os estudos, elas estão em algum lugar. Entretanto, as cifras sobre o excesso de tratamento são baseadas em teorias e cálculos, não na contagem das pacientes que passaram por isso. Ninguém pode apontar uma determinada mulher e falar: "Essa é a paciente que passou por esse transtorno sem motivos".

O diagnóstico exagerado não é o mesmo que falso positivo, no qual um exame como a mamografia inicialmente sugere um problema que de não fato não existe. Os falsos positivos são assustadores e caros, mas o excesso de tratamento é o potencial dano da mamografia que mais preocupa aos médicos, segundo artigo publicado na semana passada em "The Journal of the American Medical Association".

Contudo, os autores também sustentam que as estimativas da frequência com que ocorre o excesso de diagnóstico e de tratamento estão entre as menos confiáveis e mais polêmicas de todos os dados a respeito da mamografia.

Crescimento lento

No passado, pensava-se que o diagnóstico exagerado aplicava-se principalmente ao carcinoma ductal infiltrante, crescimento mamário que pode ou não se revelar canceroso. Agora, pesquisadores acreditam que cânceres invasivos também recebem excesso de diagnóstico e de tratamento pela mamografia.

O conceito de excesso de tratamento é baseado na crença de que nem todo câncer de mama é mortal. Alguns não crescem, suspeitam pesquisadores, e alguns crescem tão lentamente que a paciente provavelmente irá morrer de outra coisa, principalmente se ela for idosa ou tiver outros problemas de saúde.

Contudo, a mamografia pode encontrar todos esses tumores, até mesmo os pequenos demais para serem sentidos. E médicos e pacientes raramente esperam para ver – assim que o tumor é detectado, é tratado, porque ninguém sabe distinguir os perigosos dos que podem ser deixados de lado com segurança.

"Todos têm um relato de um ponto pequeno na mamografia ano após ano que finalmente passou por biópsia e cujo resultado deu positivo – invasivo, de baixo grau", conta Constance Lehman, radiologista do Centro de Câncer Fred Hutchinson e diretora de imagiologia da mama da Universidade de Washington, em Seattle.

Como é o cálculo

De onde vêm as estimativas numéricas do excesso de diagnóstico? Em vários estudos com mamografia, mulheres consideradas como possuindo o mesmo risco de câncer de mama foram escolhidas ao acaso para fazer o exame ou não. No começo, mais cânceres eram esperados no grupo que fazia mamografia porque o exame pode encontrar tumores pequenos.

Ao longo do tempo, os grupos deveriam estar nivelados porque se os tumores pequenos no grupo que não fez o exame realmente fossem mortais, eles teriam crescido a ponto de serem sentidos ou causado outros sintomas.

Porém, em vários estudos, o número de casos de câncer no grupo sem o exame nunca se equiparou ao do grupo da mamografia. Para os pesquisadores, o motivo para a diferença se deve ao fato de que deveriam existir mulheres no grupo sem o exame que tiveram cânceres não diagnosticados e que não cresceram – e, portanto, não precisaram de tratamento.

A próxima etapa é subtrair o número de cânceres no grupo sem o exame do número das que foram examinadas. O resultado é a estimativa de quantas mulheres no grupo da mamografia receberam tratamento em excesso.

"Não sabemos individualmente quais eram essas mulheres", afirma Lydia E. Pace, do Brigham and Women's Hospital, uma das autoras do novo estudo. "Tudo que sabemos é a proporção, e muita gente defenderia que não sabemos qual é essa proporção".

Estudo canadense

Esse tipo de cálculo foi utilizado num estudo canadense com aproximadamente 90 mil mulheres, publicado em fevereiro em "BMJ". Os autores descobriram que depois de 15 anos havia um "excesso residual" de 106 cânceres invasivos no grupo da mamografia. Os autores atribuíram o fato ao excesso de diagnóstico e disseram que ele representava 22% dos 484 cânceres invasivos encontrados pela mamografia. Eles concluíram que, para cada 424 mulheres do estudo que fizeram mamografia, uma recebeu o diagnóstico exagerado.

Outros estudos estimaram o excesso de diagnóstico de outras maneiras, com enormes variações nos resultados, informando que entre cinco e 50% dos cânceres encontrados nas mamografias são diagnosticados em excesso. Para deixar claro que os números são incertos, alguns oferecem variações. Por exemplo, um sustenta que se 10 mil mulheres de 50 anos fizeram mamografias anuais durante dez anos, de 30 a 137 mulheres terão diagnóstico exagerado.

É assustador considerar a perspectiva de que a mamografia possa levar ao terreno perigoso da cirurgia, quimioterapia e radioterapia desnecessárias, com todos seus riscos e efeitos colaterais, porém, os números sobre o excesso de diagnóstico são todos díspares, revelando-se uma base instável sobre a qual tomar decisões importantes.

A melhor esperança para resolver a confusão pode estar em testes moleculares que detectem a diferença entre tumores perigosos e os que não devem crescer, mas tais testes só existirão no futuro.