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Tem epilepsia e quer praticar esportes radicais? Melhor pensar duas vezes

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

03/03/2015 13h20

Não dá para prever quando o paciente que sofre de epilepsia terá uma crise, mesmo que o seu quadro esteja controlado há anos. Por isso, alguns neurologistas costumam aconselhar portadores de epilepsia a não praticar certas atividades "perigosas", como esportes radicais.

Fazia quatro anos que o estudante australiano Christopher Jones, 22, não tinha um ataque epilético, mas ele quase morreu ao perder a consciência após um salto de paraquedas a cerca de 3.000 metros de altura. O caso aconteceu em Perth, na Austrália, no ano passado. Um vídeo gravado durante o salto, e divulgado nesta segunda-feira (2), mostrou os momentos de tensão vividos por Jones e o seu instrutor Sheldon McFarlane, que salvou a vida do rapaz.

“Infelizmente, não dá para prever uma crise. Há pacientes que percebem que estão entrando na crise e tentam se proteger, mas tem gente que não apresenta sinais prévios. No caso de atividades de risco, é conveniente que haja algum tipo de restrição”, afirma Antonio Cezar Galvão, neurologista do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho.

Galvão acredita que vários fatores podem ter feito com que Christopher Jones desenvolvesse a crise de epilepsia durante o salto. “A descarga de adrenalina e noradrenalina ocasionada pela atividade, uma hiperventilação causada pela ansiedade... são possibilidades. Além disso, ele estava a 3.000 metros de altura, uma situação em que a taxa de oxigênio é baixa, o que pode ter aumentado o nível de CO² (dióxido de carbono) no sangue”, diz.

A neurologista Laura Guilhoto, presidente da Associação Brasileira de Epilepsia, discorda desta avaliação. Segundo ela, em casos controlados, as crises simplesmente acontecem e não existe uma razão clara para isso. “Nunca se sabe quando uma crise pode acontecer, inclusive em quem nunca teve uma”, afirma, ressaltando, porém, que pacientes com quadro controlado tendem a ter a crise novamente.

Laura Guilhoto conta que não há contraindicações para esportes radicais. “Não chega a ser contraindicado, mas os pacientes precisam saber que há risco de ter uma crise nessa situação. Se é algo importante para a vida deles, é preciso avaliar”, diz.

Assim como o instrutor Sheldon McFarlane salvou a vida do rapaz, quem está ao lado de uma pessoa que enfrenta uma crise epilética precisa estar preparado para dar suporte ao paciente até que o ataque passe. “Em condições normais, se a pessoa tem uma crise generalizada ou parcial, é preciso deitá-la e esperar que a crise acabe. Tem que tirar tudo de perto que possa machucar e tentar proteger a língua do paciente. Nunca enfie o dedo na boca, porque como a pessoa não tem o controle pode acabar machucando quem está ali para ajudar. Tente colocar um pano, com segurança, e espere a crise passar”, aconselha Antonio Cezar Galvão.

Laura Guilhoto diz ainda que não se deve mexer na pessoa em crise, nem puxar sua língua. “Em média, a crise dura entre cinco e 10 minutos. Se for mais prolongada que isso, é preciso levar o paciente ao hospital. Depois que a crise passa, é normal a pessoa se sentir atordoada durante uma ou até duas horas”, diz.

No caso da prática de exercícios físicos, como a natação, por exemplo, é importante que o portador de epilepsia nunca realize treinos sozinho. “É importante ter alguém que possa tirá-lo da água. Na verdade, essa recomendação serve para todos, não só para quem tem epilepsia”, diz Laura.

O neurologista Antonio Cezar Galvão afirma que algumas atividades do dia a dia, como dirigir, podem ser "perigosas" para quem costuma ter crises epiléticas. “Toda vez que um paciente pede para dirigir, eu só libero com seis meses a um ano de tratamento. Se for motorista profissional, eu recomendo não exercer essa profissão”, afirma.

A resolução 425 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) permite que pessoas que têm epilepsia conduzam veículos, obedecendo a uma série de critérios impostos. Já o RBAC (Regulamento Brasileiro da Aviação Civil) nº 67 não permite que pessoas com antecedentes ou diagnóstico clínico de epilepsia sejam pilotos de avião.

O que é a doença?

A epilepsia é causada geralmente por lesões no cérebro. “Há casos em que não se acha uma lesão evidente que explique a convulsão, então se supõe que há lesões minúsculas, criptogenéticas. Outros fatos podem causar lesões, como tumores, AVCs (acidentes vasculares cerebrais) e até a larva da solitária do porco, quando se instala no cérebro, algo muito comum no Brasil. Há fatores genéticos também”, explica Antonio Cezar Galvão.

Segundo ele, há vários tipos de crises epiléticas, desde a generalizada, que é quando o corpo fica rígido, até a de ausência, como é conhecida, quando o paciente fica pálido e “fora do ar” por alguns segundos. “Há muitos tipos de síndromes epiléticas e muitas causas”, acrescenta. "A medicação controla e, em muitos casos, o paciente pode ficar livre da medicação".