Muçulmanos dos EUA pedem que Trump pare de incitar ao ódio
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Jewel Samad/AFP
Muçulmanos rezam em mesquista de Jersey City, em Nova Jersey (EUA)
Os muçulmanos dos Estados Unidos pediram ao pré-candidato republicano Donald Trump que pare de incitar à violência depois de o magnata afirmar que os membros dessa comunidade deveriam ser proibidos de entrar no país.
O polêmico Trump, que lidera as pesquisas para obter a candidatura republicana à Presidência, faz parte do que as organizações contra o racismo e a discriminação religiosa descreveram como uma resposta sem precedentes contra os muçulmanos após os atentados de Paris e da Califórnia.
"Está dando espaço para que as pessoas nos machuquem", disse à AFP Ahmed Shedeed, diretor do Centro Islâmico de Jersey City.
"Peço-lhe, rogo-lhe que pare com todas estas acusações. Vejam a comunidade muçulmana como parte do mosaico dos Estados Unidos, porque somos parte dos Estados Unidos. Não vamos a nenhum lugar", afirmou Shedeed, engenheiro agrônomo que se mudou do Egito para o país americano em 1980 e que hoje gerencia uma agência de viagens.
Os muçulmanos americanos dizem ter medo. Contam que as mulheres que vestem véu são alvo de cusparadas, que um taxista muçulmano foi baleado no Dia de Ação de Graças e que encontraram uma cabeça de porco em frente a uma mesquita na Filadélfia.
Apenas algumas horas antes de o aspirante republicano e magnata do setor imobiliário pedir pela proibição do ingresso de muçulmanos no país, os líderes da comunidade de Nova Jersey se reuniram com procuradores para que levassem a sério o que denominaram de crime de ódio contra os muçulmanos.
O Conselho de Relações Islâmico-Americanas (Cair, na sigla em inglês), a maior organização civil muçulmana do país, disse haver documentado uma onda de abusos, vandalismos e atos de discriminação no último mês.
"É insensato e simplesmente anti-americano. Donald Trump se parece mais com o líder de uma multidão de linchamento", disse o diretor executivo do Cair, Nihad Awad, durante uma coletiva de imprensa em Washington.
Ameaça de morte
Embora os dados careçam de precisão, a comunidade muçulmana é composta em sua grande maioria por imigrantes, muitos dos quais chegaram da Ásia e Oriente Médio em busca de uma vida melhor.
Uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center em 2011 estimou em 2,75 milhões o número de muçulmanos nos Estados Unidos, apesar dos membros da comunidade elevarem essa cifra para um número entre 6 e 12 milhões.
Depois do ataque na Califórnia, o presidente Barack Obama pediu aos americanos que não discriminassem os muçulmanos, e à comunidade muçulmana a "enfrentar sem considerações" os extremistas.
Shedeed disse que as afirmações de Trump de que muitos árabes residentes nos Estados Unidos festejaram os atentados do 11 de setembro de 2001 são falsas.
"Tivemos medo, choramos", disse. "Se o senhor Trump tivesse estado ativo no dia 11 de setembro e tivesse feito as mesmas declarações, tenho certeza de que muitos de nós teríamos sido afetados".
Sarker Haque, proprietário de uma loja em Nova York, foi golpeado na cabeça por um homem que dizia querer matar os muçulmanos, segundo relatou.
O agressor --branco e de aproximadamente 50 anos, declarou Haque-- chegou ao comércio ao meio-dia de sábado, olhou fixamente para a pilha de jornais que mostravam o rosto da mulher coautora dos atentados da Califórnia de quarta-feira passada e lhe disse: "Ei, amigo, hoje é tudo grátis nesta zona?".
Medo
"Senti medo", disse o comerciante, que recebeu golpes no rosto e na cabeça e chutes nas costas; tem o lábio cortado, o pulso deslocado e um hematoma visível abaixo de um olho. Haque precisou de tratamento hospitalar e ainda está se recuperando.
"Nunca havia me sentido inseguro", agora sim, "pela primeira vez. Tenho que olhar para os dois lados", afirmou.
A polícia comunicou haver detido o suspeito do ataque, que segundo sua vítima consistiu em um ato de ódio.
Na periferia da cidade de Hackensack, Nova Jersey, Najiba Saleh, mãe de quatro filhos, também afirma sentir-se insegura pela primeira vez desde sua chegada aos Estados Unidos, há mais ou menos 30 anos.
"Agora tenho os meninos e tenho medo", relatou à AFP. Quatro dias na semana, seus filhos vão à casa de um amigo para estudar o Alcorão. "Quando saem de casa, as meninas põe o véu e me dá medo. O que acontecerá se alguém os vir pela rua e os tomar como alvo?".