"Não nos interessa salário, fazemos por amor", diz médico cubano ao chegar ao Brasil

Do Recife

"Somos médicos por vocação, não nos interessa um salário, fazemos por amor", afirmou Nelson Rodrigues, 45. "Nossa motivação é a solidariedade", assegurou Milagros Cardenas Lopes, 61. As afirmações foram dos primeiros médicos cubanos a desembarcarem em solo brasileiro, em entrevista, na tarde deste sábado (24), no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, em resposta aos questionamentos dos jornalistas sobre a informação de que os profissionais, contratados por meio de convênio com a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), só irão receber um porcentual de 25% a 40% do salário de R$ 10 mil a ser pago pelo governo brasileiro.

Entenda a proposta do governo

  • Arte/UOL

    Governo Federal quer atrair médicos para as periferias e interior do país

"Viemos para ajudar, colaborar, complementar com os médicos brasileiros", destacou Cardenas em resposta à suspeita de trabalho escravo. "O salário é suficiente", complementou Natasha Romero Sanches, 44.

Eles integram o grupo de 30 profissionais que ficaram no Recife. Saíram de Havana em um voo fretado, que trouxe os primeiros 200 médicos cubanos para trabalhar nos 701 municípios que não despertaram interesse de nenhum profissional do Programa Mais Médicos. De acordo com o representante do Ministério da Saúde, Mozart Sales, que os recebeu, este número pode chegar a quatro mil até dezembro.

Recepcionados de forma festiva, com faixas e gritos de boas vindas por vinte integrantes da União da Juventude Socialista (UJS) e da União Metropolitana de Estudantes Secundaristas (Umes), os médicos retribuíram a gentileza balançando as bandeiras do Brasil e de Cuba que traziam nas mãos. "Oh abre alas que os cubanos vão passar/ é mais saúde para a população/sejam bem vindos e a nossa gratidão" foi entoada pelos estudantes numa versão da música "Oh abre alas" de Chiquinha Gonzaga.

Na entrevista, realizada com quatro dos médicos, eles informaram que todos são especialistas em saúde da família e têm experiência de ajuda em outros países. Citaram Haiti, Venezuela, Paquistão, Guatemala e Honduras. Disseram que o curso de graduação de Medicina em Cuba é de seis anos e destacaram que lá eles têm tudo garantido - saúde e educação. "Nossas famílias estão seguras, com o necessário para viver", disse Natasha Romero Sanchez.

"Nós nos formamos com base na solidariedade e no humanismo", acrescentou ela, ao falar da alegria de estar no Brasil e poder "colaborar com o SUS". Ao seu ver, "o sistema de saúde brasileiro é desenvolvido".

Sobre a rejeição da classe médica brasileira à chegada dos estrangeiros isentos do exame para validar seus diplomas, ela destacou: "Não viemos mudar nenhum sistema social, viemos aprender com nossos colegas e poder ajudar o povo pobre com carência de atenção médica primária adequada".

Os profissionais vieram em número de 200, em voo fretado da empresa área "Cubana". Trinta ficaram em Pernambuco, vão se juntar aos outros médicos estrangeiros que estão em alojamentos do Exército e na segunda-feira (26) começam curso de treinamento de três semanas sobre a legislação sanitária brasileira e língua portuguesa.

Passo importante

Presidente estadual da UJS, Thiara Milhomem, 23, afirmou que as mobilizações contrárias à vinda de profissionais estrangeiros pela classe médica brasileira "não deslegitima a vinda dos médicos". "A vinda deles não resolve o problema da saúde no Brasil, mas é um passo importante", afirmou.

Veja argumentos a favor e contra o programa Mais Médicos

PRÓS CONTRAS
O programa vai aumentar o número absoluto de médicos em atuação no Brasil (hoje há 1,8 profissionais para cada 1.000 habitantes). Na Argentina, esse índice é 3,2; em Portugal, 3,9 e na Espanha, 4) Sem o Revalida, o médico estrangeiro poderá colocar a vida do paciente em risco, já que sua capacidade não foi testada adequadamente. Eventuais defasagens no currículo não podem ser supridas em apenas três semanas (período de treinamento para os estrangeiros)
Vai levar médicos para áreas onde há carência desses profissionais (em certos Estados há só 0,58 profissionais por habitante, como no Maranhão) Dificuldades com a língua portuguesa podem trazer problemas de comunicação entre o médico e o paciente
Permite melhorar o conhecimento dos profissionais em atenção básica e saúde pública, áreas nas quais os recém-formados não costumam ter interesse em atuar O programa não resolve a questão da falta de infraestrutura, nem a falta de outros profissionais importantes para o atendimento à população, como fisioterapeutas, dentistas, enfermeiros, nutricionistas etc
O programa vai melhorar o atendimento à população indígena que vive em regiões distantes e carentes onde os médicos não chegam Os estrangeiros podem não ter conhecimento suficiente sobre as doenças tropicais que assolam o país, como a dengue
Os empregos dos médicos brasileiros não estão ameaçados, porque os estrangeiros só atuarão em locais pré-determinados. Se eles fizessem o Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira), aí sim poderiam atender em todo o país Os estrangeiros podem não ter conhecimento suficiente de certos medicamentos e equipamentos utilizados no país
O programa deve suprir uma demanda imediata e agilizar a regularização do sistema de saúde, dado o longo tempo de formação de novos médicos Os médicos inscritos no programa têm vínculo empregatício precário: não têm 13º salário, não recebem horas extras nem FGTS
Ainda que o foco do programa não seja a infraestrutura, extremamente precária em certas regiões, a população terá acesso ao médico Com o acordo para a vinda de médicos de Cuba, o governo está sendo conivente com um esquema de trabalho que é alvo de críticas: os profissionais recebem apenas parte da bolsa

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