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E-mails revelam que empresas sabiam de vencedores antes de licitações de Angra 3

A construção da usina nuclear Angra 3, no Rio - Reprodução - 8.nov.2013/AFP
A construção da usina nuclear Angra 3, no Rio Imagem: Reprodução - 8.nov.2013/AFP

De São Paulo

14/09/2015 14h00

E-mails dos executivos da Camargo Corrêa encaminhados ao Cade, órgão antitruste do governo federal, revelam que as empresas já haviam definido os vencedores das licitações de Angra 3 antes mesmo de serem apresentadas as propostas de cada um dos consórcios concorrentes UNA 3 (Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e UTC) e Angra 3 (Queiroz Galvão, Techint e EBE).

"Reformulou-se então a decisão, sendo que após acalorada discussão, o nosso grupo (em referência ao consórcio UNA 3 do qual a Camargo fazia parte) sairá vencedor, escolherá o pacote que lhe interessa e o outro grupo (consórcio Angra 3) levará o outro pacote", diz a mensagem encaminhada pelo então diretor comercial de Energia da Camargo, apontado no acordo de leniência como "Luiz Carlos", ao então vice-presidente de Relações Institucionais da empresa, apontado no acordo apenas como "M.S.B".

O e-mail foi encaminhado em 8 de novembro de 2013, após a reunião entre representantes das sete empreiteiras e 12 dias antes de serem encaminhadas as propostas para a Eletronuclear, que divulgou o resultado do certame dia 27 de novembro.

Estratégia

Inicialmente, segundo o relato da Camargo ao Cade, as empreiteiras discutam a possibilidade de cada consórcio vencer um pacote da licitação, que era dividida em dois pacotes de obras. Contudo, devido as divergências do grupo, de acordo com o histórico de conduta, os executivos acabaram "reformulando" a decisão e definindo que um consórcio se sagraria vencedor dos dois pacotes e abriria mão de um, já que o próprio edital vetava a possibilidade de apenas um consórcio assumir os dois pacotes licitados.

Conforme previsto no e-mail do executivo, o consórcio UNA 3 venceu a disputa dos dois pacotes de obras da usina por um preço 4,98% acima do estabelecido pela Eletronuclear, mas dentro do limite máximo aceitável de até 5% que a estatal previa no edital. O consórcio concorrente, Angra 3, por sua vez, ofereceu preços 0,01% acima do limite estabelecido no edital.

Segundo a Camargo relatou ao Cade, a estratégia de oferecer preços beirando o teto permitido e preços de cobertura foi definida também no encontro de 8 de novembro. "Sob a orientação de Antonio Carlos D?Agosto Miranda (diretor superintendente da UTC), os preços ficados pelos membros do cartel para serem ofertados em cada um dos pacotes, ao final, foram definidos de modo que a proposta vencedora deveria ficar pouco abaixo do limite de até 5% do preço estabelecido como de referência teto, ao passo que a proposta perdedora teria uma diferença da vencedora de até 1%", diz o histórico de conduta.

Ainda de acordo com a empreiteira, as equipes das sete empresas se uniram para fazer um estudo técnico sobre os preços a serem oferecidos "tamanha era a certeza de que o cartel seria implementado na licitação". Posteriormente, os dois consórcios de uniram no consórcio Angramon, que dividiu os dois pacotes de obras da usina.

As trocas de e-mails são algumas das provas entregues pela Camargo no acordo de leniência e reforçam a versão dos delatores da empresa, o ex-presidente Dalton dos Santos Avancini e o ex-vice Eduardo Hermelino Leite, sobre o cartel das empreiteiras em Angra 3. Os dois delatores já foram condenados pela Lava Jato por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Quando procuradas sobre o acordo de leniência da Camargo Corrêa com o Cade, no começo do mês, as empreiteiras citadas no esquema negaram irregularidades e evitaram comentar sobre o acordo.

Por meio de suas assessorias, a Andrade Gutierrez e a UTC informaram que não vão se manifestar sobre o caso. A Queiroz Galvão, por sua vez, disse que acredita na idoneidade de todos os seus executivos e reafirma seu compromisso com a ética e a transparência. "A companhia nega qualquer pagamento ilícito a agentes públicos para obtenção de contratos ou vantagens e reitera que todas as suas atividades seguem rigorosamente à legislação vigente."

A EBE destacou que não tem nenhum executivo envolvido neste processo que está sendo apurado e nem pagou nada a ninguém. "Apesar da desistência de algumas empresas do Consórcio Angramon, continuamos no firme propósito de manter o contrato assinado para a montagem de Angra 3. A EBE montou sozinha a Usina Nuclear de Angra 1 e fez parte do consórcio de empresas que montou Angra 2. A empresa tem larga experiência no setor nuclear e continua com o objetivo de honrar o contrato assinado para Angra 3."

A Techint Engenharia e Construção reiterou que "segue padrões internacionais de governança e observa estritamente a legislação brasileira".

Já a Odebrecht informou que nunca participou de cartel para contratação com qualquer cliente público ou privado. "A empresa não teve acesso a documentação constante do referido acordo e se manifestará nos autos do processo tão logo tenha acesso às informações em sua integralidade."