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Após anúncio de nacionalização, Argentina debate valor da YPF

19/04/2012 05h26

Poucas horas após o anúncio da presidente Cristina Kirchner sobre a nacionalização da petrolífera Repsol-YPF, a discussão entre governistas, opositores, empresários e consultores energéticos é sobre quanto vale a empresa.

O presidente da Repsol, Antonio Brufau, disse que a expropriação pelos 51% da companhia custaria US$ 10,5 bilhões.

O vice-ministro da Economia da Argentina, Axel Kicillof, sugeriu que não se pagará esse preço. "Dez bilhões de dólares? De onde tiraram esse valor?", questionou Kicillof.

Ele afirmou ainda que a empresa tem dívidas no valor aproximado de US$ 9 bilhões e indicou que a empresa poderia pagar por "passivos ambientais" (acidentes ecológicos) no país.

O ministro do Planejamento, Julio de Vido, completou que a companhia teria deixado problemas no setor de infraestrutura em algumas províncias argentinas.

De Vido e Kicillof são os interventores da empresa desde segunda-feira, quando a presidente anunciou o projeto de lei de expropriação e um decreto pela intervenção.

"Dívidas, desastres ecológicos, problemas de infraestrutura. Em síntese, quanto a Argentina quer pagar pela empresa? Zero", afirmou, nesta quarta, o analista político da emissora de televisão TN (Todo Notícias) Adrián Ventura.

'Confisco'

Brufau afirmou que o preço da empresa não será definido por Kicillof, sugerindo uma disputa internacional pelo valor real da expropriação.

O ex-secretário de Energia Jorge Lapeña disse que se a Argentina pagar "preço baixo demais" estará formalizando um "confisco" da companhia.

"Não diria que ela vale US$ 12 bilhões, por exemplo, mas também não podemos pagar US$ 2 bilhões, ou estaremos realizando um confisco", afirmou o especialista.

O ex-secretário de Energia Daniel Montamat disse que esta discussão deveria terminar "em um bom acordo" para os dois lados - Repsol e governo argentino.

"Se não houver acordo, as futuras gerações argentinas vão acabar pagando essa conta em algum momento", disse.

Mas ressalvou que o acordo será difícil de ser alcançado. "Os espanhóis falam em até US$ 18 bilhões, baseados em seus estatutos. A Argentina fala em outro método de cálculo, que inclui as dívidas. São métodos diferentes e difíceis para se chegar a um acordo", diz.

A definição do valor da companhia será fixada pelo Tribunal de Taxação, ligado ao Ministério do Planejamento.

Num debate no Senado, onde especialistas foram ouvidos pelos parlamentares, o historiador Nicolas Gadano disse que é difícil saber hoje o valor real da empresa.

"A YPF chegou a ter 50 mil empregados nos anos 1980. Mas era uma época em que o sindicalismo tinha poder demais ali e a empresa ia quebrar. Por isso a sociedade argentina aceitou a privatização nos anos 1990", disse Gadano

"Hoje, ela tem cerca de 17 mil empregados, mas será expropriada para apagar incêndio das dívidas do governo ou para fazer o setor crescer?", questionou.

Brasil

No debate, especialistas e parlamentares citaram o Brasil, várias vezes, como "exemplo energético" que deveria ser copiado pela Argentina, como já havia sugerido a presidente, no discurso de segunda-feira.

"O modelo brasileiro é muito eficiente para administrar os bens do país. O Brasil conseguiu em 15 anos passar de importador de petróleo ao auto-abastecimento e com grande presença do Estado", disse Lapeña.

De acordo com Lapeña, com Montamat e com o analista político Sergio Berensztein, da consultoria Poliarquía, o Brasil "acaba atraindo investidores por sua política de longo prazo".

Para eles, a Argentina estaria gerando "imprevisibilidade" ao setor.

Ouvido pela BBC Brasil, o constitucionalista Daniel Sabsay, disse que as "partes deverão definir" o preço da empresa e "como a discussão será encaminhada".

A medida sobre a expropriação da YPF gerou forte reação das autoridades espanholas e levou a Argentina a ser tema dos principais jornais do mundo.

"(A expropriação) afeta muito a reputação da Argentina no mundo", disse o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy.

Em 2001, a Argentina também tinha gerado forte desconfiança ao declarar o calote da dívida pública privada do país - na época apontado como o maior calote da história.

Atualmente, governistas, setores da oposição, movimentos sociais e sindicalistas apoiam a reestatização da YPF.

Mas a senadora Liliana Negre de Alonso, da Aliança Compromisso Federal, pergunta: "O que estamos comprando? A marca YPF? Os ativos? Quanto vale a empresa? São dúvidas que temos".