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Quem são os traficantes de imigrantes do Mediterrâneo?

Cerca de 35 mil imigrantes atravessaram o Mediterrâneo em 2015, muitos deles a partir da Líbia - BBC
Cerca de 35 mil imigrantes atravessaram o Mediterrâneo em 2015, muitos deles a partir da Líbia Imagem: BBC

21/04/2015 08h17

Apesar dos apelos e alertas de autoridades mundiais, centenas de imigrantes seguem enfrentando risco de morte na travessia do mar Mediterrâneo para tentar chegar à Europa.

Num único caso, acredita-se que 800 pessoas tenham se afogado após um barco virar na costa líbia, no domingo. Mas quem são os responsáveis por essas viagens arriscadas?

Traficantes de pessoas fazem parte de complexas redes criminosas internacionais que não reconhecem fronteiras e que especialistas ligam a "corporações multinacionais".

Autoridades da Guarda Costeira da Líbia, por exemplo, acreditam que traficantes estejam cada vez mais ligados ao crime organizado italiano.

Giampaolo Muscemi passou dois anos viajando com traficantes em todo o mundo, para co-escrever o livro eletrônico Confessions of a People Smuggler (Confissões de um Traficante de Pessoas, em tradução livre).

Ele conheceu um traficante egípcio que construiu uma enorme rede na Líbia durante 15 anos de operações de barcos para a Itália. O traficante insistiu que era de seu interesse garantir uma viagem segura.

"Eu não quero que meus clientes morram, porque meu trabalho é baseado na minha reputação. No início da minha carreira, eu estava à procura de clientes, agora que sou um grande traficante, as pessoas vêm a mim por causa da minha reputação de segurança", disse ele à BBC.

O negócio está claramente crescendo. Estima-se que 35 mil migrantes tenham viajado à Europa apenas neste ano.

Muscemi estima que o tráfico no Mediterrâneo gere entre 300 milhões e 600 milhões de euros por ano, e isso estimula amadores a se aventurarem neste negócio.

"Na Líbia, há muitos clientes, eles não têm outra escolha se não colocar suas vidas nas mãos de traficantes", disse.

"Então, os traficantes podem diminuir a qualidade do serviço, já que não têm uma reputação a prezar. É apenas uma questão de mercado, se houver demanda, você faz o que quiser."

Imagens mostram desespero após novo naufrágio no Mediterrâneo

'Se você não entrar, eles vão atirar'

Desde os anos 1980, a Líbia atrai imigrantes de toda a África em busca de melhores condições econômicas. Mas o papel de alguns deles mudou.

A Frontex, agência europeia de fronteiras, diz que muitos dos imigrantes originais se tornaram "recrutadores, fazendo o elo entre gangues criminosas líbias e possíveis imigrantes".

Uma vez no país, os imigrantes são muitas vezes obrigados a entregar dinheiro e passaportes, deixando-os à mercê dos traficantes.

Ali Walujam, de Gâmbia, pagou o equivalente a R$ 2,2 mil para a viagem, e diz ter sido forçado a entrar num barco perigoso.

"Pagamos por um grande barco. Mas quando chegamos aqui, encontramos este barco [menor]. E eles nos forçam a entrar com uma arma. Se você não entrar, eles atiram".

Autoridades líbias raramente param traficantes. A guarda costeira de Tripoli admitiu à BBC não poder lidar com o volume de barcos que deixam a costa e que só interfere no caso de embarcações enfrentarem problemas.

Grande parte da Líbia está fora do controle do governo e acredita-se que milícias locais sejam, muitas vezes, parceiras ativas de traficantes.

O jornal italiano La Repubblica publicou o que disse ser uma gravação da polícia italiana de telefonemas de um traficante sediado em Tripoli.

Mered Medhanie, da Eritreia, diz ter enviado 8 mil imigrantes em barcos com destino à Itália, segundo uma conversa com outro traficantes interceptada pela polícia. "Sempre deixei muitos embarcarem, mas são eles [os imigrantes] que querem deixar (o país) o mais rápido possível".

Cada vez mais ricos

Muscemi diz que um equívoco comum é imaginar que os traficantes sejam meros pilotos de barcos ou pescadores. "Eles são empresários".

"Eles são inteligentes. Pense num contrabandista como alguém que nunca dorme e passa 24 horas por dia pensando sobre como entrar na Europa. Eles leem jornais, estudam as leis europeias, estudam o que a Frontex está fazendo - eles provavelmente irão ler esta reportagem".

Ele acredita que o desespero dos imigrantes aliado aos lucros dos traficantes é a combinação que gera um problema incurável.

"Um traficante que nós encontramos numa prisão italiana disse: 'Você nunca vai nos parar. Você não pode parar imigrantes'".

"Quando os governos fecham as rotas, o negócio apenas se torna mais lucrativo, porque a viagem é mais longa e mais perigosa. Você não pode pará-la, você tem apenas que gerenciá-la."