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Como o bairro de Molenbeek, na Bélgica, virou 'celeiro de terrorismo' na Europa

Feira no bairro Molenbeek, em Bruxelas, onde suspeitos de ligação com ataques foram detidos - Yves Herman/Reuters
Feira no bairro Molenbeek, em Bruxelas, onde suspeitos de ligação com ataques foram detidos Imagem: Yves Herman/Reuters

Márcia Bizzotto

De Bruxelas para a BBC Brasil

16/11/2015 12h24

Após a confirmação de que dois extremistas suicidas teriam vivido em Bruxelas e a emissão de um mandado de prisão contra um terceiro suspeito, nascido na Bélgica, as investigações sobre os atentados de Paris se voltam cada vez mais para o país vizinho.

Não é a primeira vez que investigações de ataques extremistas levam a esse pequeno país de 11 milhões de habitantes, localizado entre a França, a Holanda e a Alemanha.

E mais precisamente ao bairro de Molenbeek-Saint-Jean, em Bruxelas, onde sete pessoas foram detidas durante o fim de semana sob suspeita de terem ligação com os atentados que deixaram pelo menos 129 mortos e 350 feridos em Paris.

"Quase sempre há um vínculo com Molenbeek. Temos um problema gigantesco no bairro", disse o primeiro-ministro belga, Charles Michel, em entrevista à televisão VTM, no domingo.

O mais conhecido cidadão de Molenbeek é Abdelhamid Abaaoud, um belgo-marroquino que está há cerca de dois anos na Síria e ficou conhecido ao aparecer em uma série de fotos sorrindo, ao volante de uma caminhonete carregada de cadáveres.

Abaaoud é considerado o líder de uma célula de terrorismo desmembrada em janeiro na cidade de Verviers, e, segundo a imprensa belga - citando fontes da Procuradoria -, suspeita-se que ele teria planejado os atentados de Paris.

Mas a lista de autores de atentados que passaram pelo bairro é longa. O ministro do Interior, o nacionalista flamengo Jan Jambon, qualificou o local de "ninho de terroristas" no domingo.

O marroquino Ayoub El-Khazzani, suspeito de tentar cometer um atentado em um trem que ligava Amsterdã a Paris em agosto, embarcou no veículo em uma estação de Bruxelas, depois de ter passado semanas em Molenbeek.

Também passaram pelo bairro o francês Mehdi Nemmouche, autor do atentado ao Museu Judaico de Bruxelas, em maio de 2014, e Hassan El Haski, um dos cérebros dos atentados de 2004 em Madri, reivindicado pela Al-Qaeda.

Conexão síria

A subprefeita de Molenbeek, Françoise Schepmans, admite que o bairro seja uma espécie de centro de operações de redes de terrorismo.

Schepmans acredita que a alta densidade populacional de Molenbeek - 97 mil habitantes em menos de 6 quilômetros quadrados -, somada ao fato de que 80% dos habitantes é de origem árabe, facilita o anonimato para criminosos que "na maior parte do tempo estão só de passagem".

Para Claude Moniquet, cofundador do Centro Europeu de Inteligência Estratégica e Segurança, os fatos mais recentes estão diretamente relacionados ao número de habitantes do bairro que se uniram aos combatentes islamistas na Síria - apesar de não haver ainda uma cifra exata.

O Ministério de Justiça da Bélgica estima que entre 500 e 800 belgas se envolveram no conflito sírio, o que faz do país o principal fornecedor de combatentes europeus em relação a sua população.

Um deles era Brian de Mulder, belga filho de uma brasileira, que se somou ao conflito sírio antes da criação do Estado Islâmico, depois de uma rápida radicalização em contato com o grupo extremista Sharia4Belgium.

Acredita-se que o jovem tenha sido morto durante um bombardeio na Síria em 23 de outubro, aos 22 anos.

Não se sabe, por enquanto, se dois homens-bomba de Paris que viviam em Molenbeek - Ibrahim Abdeslam e Bilal Hadfi - eram membros de Sharia4Belgium, considerado o principal recrutador de combatentes belgas para grupos extremistas na Síria.

Mas a Procuradoria da Bélgica confirmou que eles estavam entre os cerca de 120 belgas que lutaram na Síria e voltaram ao país.

Essas pessoas são potenciais aliados em projetos de ataques na Europa, observa Moniquet.

Pobreza

Segundo o ministro Jambon, o número de belgas que viajam à Síria têm diminuído na maioria das cidades desde o início do fenômeno, em 2012.

No entanto, em Molenbeek, as estratégias de "desradicalização" adotadas pelo governo não têm dado resultado e "as pessoas continuam a partir".

"O bairro está fora de controle. Vemos que várias células (jihadistas) estão presentes em Molenbeek", afirmou no domingo, em Paris, prometendo um novo plano de ação específico para o bairro.

O cientista político Dave Sinardet, da Universidade Livre de Bruxelas (VUB), afirma que a composição social do bairro também contribui para torná-lo um terreno fértil para a radicalização.

"É um dos bairros mais pobres e mais jovens do país, com um alto nível de desemprego", observou.

Diferente da parte flamenga da Bélgica, Bruxelas não obrigou seus imigrantes a falar o idioma local ou a integrar-se e facilita até hoje a preservação de costumes dos países de origem.

Esse modelo, elogiado nos anos 70, durante a prosperidade industrial de Molenbeek e o auge da imigração árabe, está sendo agora apontado por muitos políticos como o responsável por ter convertido o bairro em um "gueto" problemático desde a decadência econômica dos anos 90.

O ex-subprefeito de Molenbeek, o socialista Philippe Moureaux, tornou-se alvo de críticas por ter permitido a abertura de 22 mesquitas, muitas delas financiadas pela Arábia Saudita, durante sua gestão, encerrada há três anos.

Armas

Bruxelas também é apontada como um centro do tráfico de armas na Europa, porta de entrada de um grande volume de material desmilitarizado procedente dos países da antiga Iugoslávia.

Essas armas, destinadas a colecionadores ou filmagens, em geral foram manipuladas para não atirarem mais. Mas ela são reabilitadas por uma rede criminosa na Bélgica e voltam a circular ilegalmente.

A proximidade de várias fronteiras internacionais facilita o fluxo desse equipamento.

As investigações dos atentados de Paris de janeiro - contra o jornal satírico Charlie Hebdo e um supermercado judaico - revelaram que parte do arsenal utilizado nessa série de atentados teria sido adquirido em Bruxelas.