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Sanders é realmente socialista? E quais suas chances de chegar à Casa Branca?

John Gurzinski/AFP
Imagem: John Gurzinski/AFP

João Fellet

Da BBC Brasil em Washington (EUA)

22/02/2016 08h58

O adjetivo "socialista" é usado com frequência para definir o senador Bernie Sanders, que tem desafiado o favoritismo da ex-secretária de Estado Hillary Clinton na disputa pela candidatura do Partido Democrata à próxima eleição presidencial americana.

A palavra reforça a imagem de outsider cultivada pela campanha do pré-candidato, que propõe ampliar o controle sobre os bancos e tornar gratuito o acesso à saúde e às universidades públicas.

Até agora, a postura tem lhe feito disputar voto a voto com Hillary a liderança nas prévias que definirão o candidato democrata à sucessão de Barack Obama.

Na votação de sábado, em Nevada, ele obteve 47% dos votos contra 52% de Hillary, diferença bem menor que a apontada por pesquisas feitas no Estado há vários meses.

Os resultados de Sanders sugerem que o termo "socialista" vem perdendo parte da carga negativa que já teve nos Estados Unidos, embora muitos americanos ainda resistam à ideia de eleger um presidente que se defina assim e outros questionem a aplicabilidade do adjetivo ao senador.

Socialismo democrático

Embora já tenha se apresentado como "socialista", Sanders diz que o termo mais correto para defini-lo é "socialista democrático" e que seus ideais não têm nada a ver com o "comunismo autoritário".

Nos Estados Unidos, o socialismo democrático é normalmente associado a organizações de esquerda que surgiram no país a partir do fim do século 19 e que pregavam uma combinação entre práticas democráticas, como consultas populares e a realização de eleições, e bandeiras tradicionais socialistas, como o controle social dos meios de produção.


Os grupos jamais tiveram grande expressão política, mas seus ideais influenciaram sindicatos e movimentos de trabalhadores, especialmente até a primeira metade do século 20, perdendo popularidade conforme o confronto ideológico entre os Estados Unidos e a União Soviética se intensificava na Guerra Fria.

Em entrevista em 2006 ao site Democracy Now, Sanders afirmou que ser socialista democrático significa defender que o acesso à saúde seja um direito, que os jovens possam estudar em universidades sem se endividar, que grandes empresas não sejam autorizadas a destruir o ambiente e que o governo não seja dominado por grandes interesses econômicos.

O senador é um grande crítico do sistema financeiro comandado por Wall Street e o culpa pela grave crise econômica que atingiu os Estados Unidos há alguns anos.

'Capitalismo mais gentil'

Sanders diz se inspirar em países da Escandinávia e a forma como criaram sistemas de saúde e educação gratuitos, com extensas redes de proteção social. Para muitos, a postura o aproxima da social-democracia europeia.

Segundo o jornalista Harry Jaffe, autor de uma biografia não autorizada do senador, Sanders esteve próximo dos ideais socialistas quando era estudante, nos anos 1960.

 

Mas ele afirma que o político vem gradualmente se afastando daquelas posições e já não pode mais ser identificado como um socialista nem como um socialista democrático. Uma das principais diferenças entre Sanders e as duas correntes, diz ele, é a oposição do senador ao controle social dos meios de produção.

Em 2014, Sanders defendeu auxiliar trabalhadores que queiram comprar suas empresas para administrá-las como cooperativas, mas a proposta não figura entre as principais propostas de sua campanha para a economia.

O pré-candidato já pregou "manter o forte espírito empreendedor que temos neste país para continuar a produzir riqueza, mas garantir que a riqueza seja distribuída mais igualmente que hoje". Para Jaffe, o que Sanders quer é um "capitalismo mais gentil".

 

Rejeição

Entre críticos à direita, porém, Sanders é frequentemente tido como radical. Em artigo publicado na revista conservadora "National Review", o editor Kevin Williamson comparou Sanders ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez.

"Suas visões são totalitárias ao ponto que ele não acredita haver nenhum aspecto da vida que esteja além do alcance do Estado", diz o texto.

Uma pesquisa do instituto Gallup em junho de 2015 revela que o rótulo de socialista pode ser um grande obstáculo ao sucesso de Sanders na eleição.

O levantamento indicou que apenas 47% dos americanos votariam num candidato socialista que vencesse as prévias de seu partido, enquanto 50% afirmaram que não o apoiariam.

A rejeição a um socialista é superior a um candidato que seja ateu (40% não o apoiariam), muçulmano (38%), evangélico (25%) e gay ou lésbica (24%).

Considerando-se apenas os eleitores Democratas, porém, o índice de eleitores dispostos a chancelar a candidatura de um socialista sobe para 59% - o que em tese daria a Sanders condições de derrotar Hillary nas prévias.

E se conquistar a vaga Democrata, pesquisas apontam que hoje ele seria mais forte que Hillary na disputa contra os principais pré-candidatos Republicanos.

Segundo o site RealClearPolitics, as pesquisas apontam que Sanders derrotaria o empresário Donald Trump por uma margem média de 7,8 pontos percentuais, venceria o senador Ted Cruz (Texas) por 4,7 e empataria com o senador Marco Rubio (Flórida).

Hillary, por sua vez, venceria Trump por 2,8 pontos percentuais, mas perderia de Cruz por 0,8 e de Rubio por 4,7.

Ou seja, a resistência à eleição de um presidente "socialista" pode ser grande nos Estados Unidos, mas os demais pré-candidatos também enfrentam níveis significativos de rejeição.