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O país que vive uma onda de crimes passionais

15/03/2016 06h51

O marido esfaqueia a mulher grávida de nove meses. Um casal que estava junto há 19 anos é encontrado com ferimentos a bala na cabeça. Acompanhada da irmã mais velha, uma estudante discute com o ex-namorado no caminho de casa e as duas acabam assassinadas a pedradas. Mulheres decapitadas por ex-parceiros.

Essas mortes, causadas em sua grande maioria em súbitos arroubos de fúria, têm chocado a Namíbia, país onde os crimes passionais vêm crescendo a um ritmo acelerado e têm causado grande preocupação.

No ano passado, foram 48 homicídios desse tipo, um crescimento de 25% em relação a 2014.

A maioria dos casos é protagonizada por jovens adultos. Além das mulheres, alguns homens também estão entre as vítimas.

À primeira vista, as cifras podem parecer pequenas, mas se tornam expressivas quando comparadas à população do país, de cerca de 2,5 milhões de pessoas.

Entre as armas usadas para cometer os crimes, estão pistolas, facas, paus, pedras e até cadarços de sapato.

Segundo psicólogos, fatores como "a deterioração da unidade familiar, a falta de orientação dos pais junto com jovens adultos, a baixa autoestima dos homens, o materialismo, os mecanismos ineficientes de fiscalização e a dificuldade de lidar com a rejeição" explicam o crescimento desse tipo de homicídio.

'Pena de morte'

Até o ex-presidente e líder do movimento pela independência do país, Sam Nujoma, se manifestou sobre o assunto. "Lutamos contra quem colonizou nosso país, e vamos continuar lutando contra os que estão matando nossas meninas".

"De hoje em diante, quem for considerado culpado por tais crimes, será enterrado vivo", acrescentou.

Essa punição, no entanto, está longe de ser realidade na Namíbia. O país proibiu a pena de morte ao se tornar independente da África do Sul, em 1990.

Além disso, os defensores da pena capital dizem se sentir frustrados já que os crimes passionais têm um elemento em comum: os assassinos frequentemente se suicidam.

Para evitar a escalada da violência, um político local lançou uma proposta inusitada: criar uma espécie de "contrato formal" entre namorados, para que os pais saibam com quem os filhos se relacionam.

Laurentius Lipinge sugere que eles sejam renovados anualmente de forma a liberar quem deseja se afastar de relações tóxicas.

"É melhor ter acordos conhecidos pelas famílias, em vez de receber a notícia de que sua filha foi assassinada", acrescentou.

Lipinge argumenta que o dinheiro seria a principal causa do fim dos relacionamentos, onde oito mulheres foram assassinadas pelos parceiros neste ano apenas na região de Omusati, no norte do país.

Ele defende que os contratos permitiriam reaver o que gastaram com o cônjuge. Segundo Lipinge, a iniciativa reduziria o número de crimes passionais.

A jornalista local Nuusita Ashipala relata o caso do homem que chegou em casa distribuindo doces a seus filhos pequenos, para, em seguida, apunhalar a esposa 20 vezes, antes de se suicidar cortando a garganta com uma faca.

Ela diz ser contrária à medida proposta por Lipinge.

"Não acho que vá funcionar", diz ela.

Cicatrizes psicológicas

Outros especialistas apontam que os crimes passionais podem ser resultado da falta de educação formal de grande parte da população.

Apesar dos diamantes, do urânio, do turismo em alta e da excelente infraestrutura, a Namíbia ainda enfrente as consequências de um passado traumático de segregação, que afeta sobretudo os mais pobres.

Essas "cicatrizes psicológicas" criaram, na visão dos especialistas, uma espiral de violência que se reproduz no ambiente familiar.

Entre outras razões apontadas por eles como causas dos crimes passionais estão a falta de controle sobre armas letais, as drogas e o álcool.

A Namíbia é um dos países mais desiguais do mundo. O país se tornou independente da África do Sul em 1990, após uma guerra que durou 25 anos. Mineração e pesca são as principais fontes de receita.