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O que põe a França na mira de extremistas?

Policiais e bombeiros chegam à igreja Saint-Étienne-du-Rouvray, na Normandia, França - Charly Triballeau/ AFP
Policiais e bombeiros chegam à igreja Saint-Étienne-du-Rouvray, na Normandia, França Imagem: Charly Triballeau/ AFP

Daniela Fernandes

De Paris para a BBC Brasil

26/07/2016 13h10

A França é um dos países ocidentais que mais têm sido alvo de atentados ligados ao islamismo radical nos últimos tempos. Desde janeiro de 2015, são mais de 230 pessoas mortas e de 700 feridas em vários ataques no país.

Nesta terça-feira, o grupo autodenominado Estado Islâmico reivindicou mais um atentado, desta vez cometido por dois homens em uma igreja católica em Saint-Etienne-du-Rouvray, nas proximidades de Rouen, na Normandia.

Armados com facas, eles tomaram cinco reféns durante a missa matinal e degolaram Jacques Hamel, um padre octogenário, segundo as autoridades francesas. Uma pessoa ficou gravemente ferida.

Os autores do ataque foram mortos pela polícia ao saírem da igreja. Sabe-se que um deles usava um bracelete eletrônico e cometeu o atentado na faixa horária em que tinha autorização judicial para sair de casa, durante algumas horas pela manhã.

O bracelete eletrônico corresponde ao usado por um homem residente na França que havia sido detido no ano passado na Turquia ao tentar viajar para a Síria. Extraditado, ele teve sua prisão provisória decretada, mas a Justiça francesa decidiu liberá-lo, impondo o sistema de monitoramento.

O ataque contra a igreja na Normandia ocorre apenas 12 dias após o tunisiano Mohamed Lahouaiej Bouhlel matar pelo menos 84 pessoas e deixar cerca de 300 feridas em um ataque com um caminhão, também reivindicado pelo Estado Islâmico.

O número de vítimas na França poderia ser ainda maior. Mais de dez planos de atentados foram interceptados pelos serviços de inteligência desde janeiro de 2015, segundo as autoridades francesas.

Em março deste ano, por exemplo, a polícia prendeu um suspeito nos arredores de Paris, Reda Kriket, que detinha um importante arsenal de armas de guerra, dezenas de quilos de material explosivo e milhares de bolinhas de aço, que ampliam o impacto destrutor de bombas.

"A França é hoje, claramente, o país mais ameaçado. Um dos números da revista em francês do Estado Islâmico, Dar al Islam, tinha a seguinte manchete: Que Alá amaldiçoe a França", afirmou em maio Patrick Calvar, diretor-geral da Segurança Interna (DGSI) da França, o serviço de inteligência do país, a uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os atentados de 2015 no país.

Alvo

Há várias razões que explicam por que a França se tornou um alvo constante de ataques de jihadistas.

Uma delas são as recentes operações militares em países como a Síria e o Iraque contra o Estado Islâmico, e no Mali, que também visam radicais islâmicos.

Outra razão é o fato de a França ter a maior comunidade muçulmana da Europa, estimada em 6 milhões de pessoas, o que corresponde a quase 10% de sua população.

Essa população imigrante ou nascida na França de origem estrangeira sofre há décadas problemas de integração e é, em boa parte, desfavorecida socialmente.

Eles residem em áreas que concentram uma população imigrante de baixa renda, o que cria verdadeiros guetos e favorece o comunitarismo, acirrando o sentimento de exclusão social.

Nessas periferias consideradas problemáticas, a taxa de desemprego são maiores do que a média nacional.

Os autores dos últimos atentados e projetos de ataques na França têm um perfil semelhante: fracasso escolar e profissional, com "bicos" ou empregos com baixa qualificação, condenações na Justiça por crimes de violência, tráfico ou roubo e, em boa parte dos casos, radicalização na prisão.

A França é o país europeu de onde mais saíram jovens para se aliar ao Estado Islâmico na Síria ou no Iraque.

Segundo o governo, cerca de 1,8 mil franceses estariam implicados em movimentos jihadistas na Síria e no Iraque. Em torno de 600 ainda estariam nesses países. Desse total, mais de 200 são mulheres, número que vem crescendo nos últimos meses.

Durante muito tempo, inclusive após os atentados contra a revista Charlie Hebdo e o supermercado judaico, em janeiro de 2015, imãs ainda faziam livremente discursos considerados radicais.

"Nós somos atacados porque somos o país da laicidade, da liberdade, um país que há uma concepção da maneira de viver junto que é bem diferente do que há em outros lugares", declarou o primeiro-ministro, Manuel Valls, após o ataque em Nice.

Lei da laicidade

O modelo do multiculturalismo adotado em outros países europeus não é aplicado na França em razão da lei da laicidade, de 1905, que determina a separação entre o Estado e a Igreja.

Dessa forma, o Estado francês não pode oferecer serviços públicos específicos para determinada comunidade religiosa ou financiar a construção de mesquitas.

Foi com base nessa lei que foi aprovada, em 2004, a proibição de usar símbolos religiosos nas escolas públicas ou ainda, em 2010, o uso do niqab (véu islâmico que deixa apenas os olhos à mostra). Rezas em grupo nas ruas foram proibidas em 2011.

Quando essas leis foram aprovadas, líderes de grupos islâmicos radicais proferiram ameaças contra o país.

A lei da laicidade sempre suscita discussões polêmicas na França, como a questão de servir ou não carne de porco (não consumida por muçulmanos) nas cantinas escolares.

A cultura laica do Estado francês é utilizada por radicais islâmicos como uma espécie de arma de propaganda para reafirmar a identidade muçulmana e reforçar, ao mesmo tempo, o sentimento de exclusão de muitos jovens em relação à cultura e à sociedade francesas.

"Nós sabemos que o Estado Islâmico planeja novos ataques e que a França é claramente visada", ressaltou Calvar, diretor-geral da DGSI, aos parlamentares.