Topo

"Enquanto você vive sua vida, essas crianças estão morrendo", diz autor de cartum viral sobre menino sírio

Escolhas para as crianças sírias: se você fica... se você vai - Khalid Albaih
Escolhas para as crianças sírias: se você fica... se você vai Imagem: Khalid Albaih

Carolina Montenegro

De Catânia (Itália) para a BBC Brasil

19/08/2016 13h14

Um cartum simples e chocante viralizou na internet nesta semana, após o vídeo do menino sírio Omran Daqneesh rodar o mundo.

O desenho reúne as imagens de Omran, 5, e a do menino curdo Aylan, 3, que há um ano apareceu morto em uma praia na Turquia e se tornou símbolo da crise dos refugiados na Europa.

Acima dos desenhos, a frase "Opções para as crianças sírias". Abaixo, em referência aos casos de Omran e Aylan: "Se você ficar" e "Se você partir".

Idealizado pelo desenhista sudanês Khalid Albaih, o cartum foi compartilhado por milhares de pessoas nas redes sociais, entre elas o ex-vice-presidente egípcio Mohamed El Baradei.

O trabalho de Albaih, que vive desde os 10 anos de idade no Catar, depois que o pai se tornou refugiado político, se destacou durante os protestos da Primavera Árabe em 2011.

"Eu trabalho muito com a crise dos refugiados e com o que está acontecendo agora porque no final do dia eu também sou um refugiado. Entendo as decisões deles, pois são decisões nas quais penso todos os dias quanto a meus filhos", disse Albeih à BBC Brasil.

"Aylan e Omran têm a idade dos meus dois filhos. Sei exatamente como é duro. Claro que não estou em uma zona de guerra, mas apenas o fato de não estar em casa, de questionar onde é a minha casa, todas essas questões."

19.ago.2016 - O desenhista sudanês Khalid Albaih - John Mireles/BBC - John Mireles/BBC
O desenhista sudanês Khalid Albaih
Imagem: John Mireles/BBC

Inspiração

A imagem de Omran, resgatado de um bombardeio em Aleppo, se tornou um novo símbolo da guerra na Síria, que já dura cinco anos e matou centenas de milhares de pessoas.

"Quando vi o vídeo (do resgate) me emocionei, como todo mundo. Imediatamente me lembrei de Aylan, porque é a mesma história, mas em situações diferentes. Graças a Deus Omran sobreviveu, mas como irá viver depois disso? Essa é a história de todas as outras crianças que morreram sem terem se tornado (tema) de um vídeo viral", afirmou.

Ele diz que a imagem é importante para "humanizar esses meninos e essas pessoas na Síria de novo". "Porque por certo tempo eles tinham se tornado números: '107 morreram em Aleppo, 150 se afogaram'."

"Queria fazer essa conexão de que neste ano, enquanto você estava vivendo sua vida, essas crianças estavam morrendo. E não são só essas duas crianças. Há milhares de crianças e famílias que morreram ou estão vivendo um inferno hoje. Não só na Síria, mas em todas as zonas de guerra, como Iêmen, Sudão ou Líbia", acrescentou.

Nos últimos anos, com a crise dos refugiados e ataques terroristas na Europa, cartuns, como o de Albeih, têm motivado debates e polêmicas.

Arte e ação

Em 2015, a redação do semanário satírico francês "Charlie Hebdo" foi atacada em Paris por dois homens armados. Doze cartunistas morreram e 11 ficaram feridos no atentado.

"Cartum é uma arte negativa, geralmente trabalhamos com notícias negativas. Com as redes sociais e as notícias rápidas como agora, as pessoas só se lembram de uma coisa. A memória é como a de um peixe, dura cinco minutos. As pessoas só querem saber de notícias rápidas, como um fast food. E o cartum é parte disso, sempre foi. A arte espalha a mensagem com mais facilidade", disse Albeih.

Para ele, o trabalho do cartunista "não é sempre ser engraçado". "É também tornar desconfortável o que é confortável."

Albeih afirma que tem recebido centenas de comentários e reações sobre seu recente trabalho.

"As pessoas me dizem: 'Como é triste esta imagem'. Se a imagem é triste, imagine a realidade. Muitas pessoas também perguntam o que podem fazer, como ajudar. Eu não sei. O que você pode fazer? É uma questão para cada um. Eu fiz a minha parte. O cara que filmou o vídeo de Omran fez o que podia, fez o filme. Acho que as pessoas devem entender o que podem fazer e fazê-lo", afirmou.

Menino de 5 anos sobrevive a bombardeio em Aleppo, na Síria

UOL Notícias