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Porto (nem tão) Rico: entenda crise que levou território a declarar maior falência pública da história dos EUA

Homem vestido de Homem-Aranha passa por barricada durante protesto contra medidas de austeridades impostas pelo governo de Porto Rico, em San Juan - Alvin Baez/Reuters
Homem vestido de Homem-Aranha passa por barricada durante protesto contra medidas de austeridades impostas pelo governo de Porto Rico, em San Juan Imagem: Alvin Baez/Reuters

04/05/2017 14h04

Na quarta-feira, o governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló, anunciou que o território americano vai decretar falência para tentar reestruturar sua dívida pública, estimada em mais de US$ 70 bilhões.

A medida foi tomada meses depois de o governo ter decretado moratória, o que impedia credores de ir à Justiça para exigir o pagamento. Trata-se da maior falência pública da história dos EUA.

A ilha caribenha enfrenta uma grave crise econômica, com 45% de sua população vivendo em estado de pobreza - mais de três vezes o percentual dos Estados Unidos. E o fato de seus cidadãos terem direito a passaporte americano faz com que Porto Rico sofra intensa migração: a ilha tem 3,4 milhões de habitantes, enquanto mais de 5 milhões de porto-riquenhos vivem nos EUA.

Mas quais são as razões que levaram Porto Rico a essa situação calamitosa - e o que tem sido feito?

1) Efeito bola de neve

A dívida de Porto Rico tem origem em uma crise econômica iniciada em 2005, quando o governo americano acabou com incentivos fiscais para empresas do país baseadas na ilha, o que tinha sido uma importante fonte de investimentos para o território durante mais de 20 anos.

A fuga de investimentos se aliou ao fato de que a maioria da população porto-riquenha depende de assistência do Estado, forçando o endividamento público sobretudo por meio da emissão de títulos que se aproveitaram da situação especial de Porto Rico - como território, pôde oferecer investimentos sem imposto de renda para investidores, ao contrário dos 50 Estados americanos.

Houve imenso interesse, mas a dívida seguiu crescendo.

2) Mau pagador

Em 2015, o então governador do território, Alejandro Padilla, declarou que a dívida porto-riquenha era "impagável".

No início do ano passado, a ilha começou a atrasar pagamentos de juros. Ironicamente, o status especial de Porto Rico impediu que o território se valesse da legislação americana sobre falências, que em 2013 tinha sido utilizada pela cidade de Detroit para renegociar suas dívidas.

O governo federal então criou, em junho de 2016, a Ley Promesa ("Lei Promessa", na tradução literal do espanhol), que estabeleceu a criação de uma Junta de Supervisão Fiscal (JSF) para "instituir responsabilidade fiscal e garantir acesso aos mercados de capital".

3) Falência

Em uma entrevista a um grupo de jornalistas, o governador Ricardo Rosselló explicou que a decisão de decretar falência ocorreu depois de negociações com credores para um acordo terem fracassado.

O governo recorreu a uma legislação especial, aprovada pelo Congresso americano, que levará a disputa com credores a um tribunal federal, que decidirá como e quanto o território pode pagar.

O processo de reestruturação, conhecido como Título 3, que também paralisa ações judiciais contra Porto Rico, faz parte do pacote legal que passou pelo Legislativo americano no ano passado - o governo do território tinha pedido ajuda a Washington, sob o argumento de que a falta de liquidez iria paralisar a administração local.

Rosselló, porém, afirma que a falência não significa o fim das negociações com os credores.

"O melhor exemplo de que podemos dialogar foi o acordo de reestruturação que fizemos com nossos credores no setor de energia elétrica. Mas diante do deficit que herdei, minha responsabilidade é garantir os melhores interesses do povo porto-riquenho", afirmou o governador, que assumiu o cargo em janeiro.

3) Controle da economia

Embora dê espaço de manobra para que Porto Rico renegocie sua dívida, a Ley Promesa também confere ao Tribunal Federal poderes para congelar ativos do território e impor condições para acessos a novos fundos.

E há credores que argumentam que o Título 3 pode tirar por anos a autonomia econômica da ilha.

"O governador perdeu todo seu poder sobre a reestruturação, e a economia de Porto Rico ficará suspensa por anos", disse, em um comunicado, um grupo de credores.

"A junta decidiu fazer de Porto Rico a nova Argentina", completou o comunicado, referindo-se à marginalização pela qual passou o país sul-americano depois da decisão, em 2001, de declarar moratória sobre sua dívida externa - e que também teve efeitos severos na economia.

Mas o presidente da Junta de Supervisão Fiscal, José Carrión, afirmou que decretar falência foi uma medida "necessária" e "apropriada" para proteger os interesses de Porto Rico e dos credores.

4) Austeridade

A brecha legal dada por Washington não veio sem contrapartida para Porto Rico: o governo do território teve de fazer uma série de cortes de aposentadorias e no orçamento de saúde e educação.

No último dia 1º, houve protestos na capital, San Juan, contra a política de austeridade, que poderá ainda impor novos cortes.

A JSF diz que as reformas são necessárias fazem parte do esforço de equilibrar a economia e proporcionar o crescimento.